Júri popular da Defensoria Pública analisa a efetividade da Lei Áurea

Ação aconteceu nesta terça-feira (6), na Federação

  • Foto do(a) author(a) Vinicius Nascimento
  • Vinicius Nascimento

Publicado em 6 de novembro de 2018 às 15:27

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Mário Akin Nassor/CORREIO

"No dia 13 de abril de 1888 aconteceu a abolição da escravatura. O problema é que o dia 14 nunca terminou". Assim, Vilma Reis, ouvidora do Estado da Bahia, define a situação do negro mesmo após 130 anos desde que a Lei Áurea foi assinada pela Princesa Isabel. Por conta dessa situação, a Defensoria Pública do Estado da Bahia criou o projeto Júri Simulado - Releitura do Direito na História, que chegou nesta terça-feira (6) à sua quarta edição e julgou a Lei que libertou os escravos no Brasil.

O julgamento simbólico foi liderado pelos defensores Maurício Saporito, Flávia Apolônio e Rafson Ximenes que fizeram os papéis de defensor, promotora e juiz. Todos os ritos foram cumpridos - formação de júri e julgamento - no Auditório do Irdeb, na Federação. Cerca de 40 alunos do Colégio Henriqueta Catarino estiveram presentes. Foi o caso de Rafael Santos, 17, aluno do primeiro ano do Ensino Médio. Em semana de Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), o garoto comemorou a aula fora da sala.

"Acho uma iniciativa bem legal. Já ouvimos isso na sala de aula, mas ver tudo isso no formato de julgamento é massa. Fiquei curioso para ver como fica", contou o aluno.

Para Maura Cristina, 60, o julgamento é muito importante para "esclarecer que a Lei Áurea não veio do nada. Houve muita luta até que acontecesse e ainda assim... A assinatura não deu nenhuma garantia ao povo negro, que, mesmo livre, seguiu sem qualquer política pública que garantisse a inserção do povo negro na sociedade".

O projeto do Júri Simulado foi ideia do defensor público Rafson Ximenes, que atuou como juiz durante o julgamento simbólico desta terça. Foi a primeira vez que a cadeira do réu ficou vazia - nas outras oportunidades, um ator representou cada um dos julgados: Luiza Mahin, Zumbi dos Palmares e o Caboclo Marcelino. O último julgamento, em Ilhéus, foi o único a acontecer fora de Salvador.

"No ano de 2018 ainda podemos questionar se de fato existiu libertação para a população negra. A lei foi assinada, mas os negros ainda tiveram e têm que lutar pela inserção social. No final das contas, fica a dúvida se a Lei Áurea de fato garantiu a liberdade dessa população", questiona Flávia Apolônio.

O juiz interpretado pelo subdefensor-geral, Rafson Ximenes, sentenciou: "Não se pode condenar penalmente os abolicionistas que julgaram ser aquela pobre e pequena lei o melhor que poderiam conseguir no momento. Mas isso não livra o Estado Brasileiro, autor da abolição mais tardia do mundo, da obrigação civil, que não é só uma pena, mas um dever ético: reparar os danos causados à população negra, implementando políticas afirmativas, para alcançar a igualdade material, promovendo discussões amplas sobre o racismo, sobre a discriminação, em todas as áreas e espaços de conhecimento, garantindo representatividade, assegurando o livre exercício das religiões de matrizes africanas, entre outras medidas”.

Próximos julgamentos Carlos Mariguella: em fevereiro de 2019, o político revolucionário baiano e fundador da Aliança Libertadora Nacional – ALN será julgado pelos atos praticados durante o Regime Militar de 1964.

Cuíca de Santo Amaro: em 06 de dezembro de 2019, será julgado o trovador-repórter que levava ao povo, em forma de cordel, notícias inéditas – à época não divulgadas pelos jornais da capital baiana, dominados por grupos políticos – pelos seus versos audaciosos, que criticavam tanto os poderosos quanto pessoas comuns.

Em edições passadas, a série de júris populares julgou a líder malê Luiza Mahin (em novembro de 2016); o guerreiro da resistência contra a escravidão, Zumbi dos Palmares (em novembro de 2017); e o índio Caboclo Marcelino, símbolo de defesa das terras da antiga aldeia de Olivença, no litoral sul de Ilhéus (em abril de 2018).

* Com supervisão do chefe de reportagem Jorge Gauthier