Laser vaginal: Tecnologia trata secura, incontinência e melhora vida sexual

Tratamento é indicado para pacientes com câncer, menopausa e em período pós-parto

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  • Thais Borges

Publicado em 21 de abril de 2019 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Quando recebeu o diagnóstico do câncer de mama, em dezembro de 2017, a contadora Vitória Silva, 60 anos, já tinha ideia do que enfrentaria: quimioterapia, cirurgia e até radioterapia. Só que, com o tratamento, ao longo do ano passado, vieram outros efeitos colaterais inesperados: incontinência urinária e ressecamento vaginal. Laser vaginal trata problemas de saúde e melhora vida sexual (Foto: Divulgação) “Eu não podia espirrar, tossir. Estava fragilizada do tratamento, então fiquei tossindo mesmo. Também tive alergia a um produto, que me causou uma espécie de rinite. Toda hora eu acabava fazendo xixi na calcinha”, lembra. Vitória chegou a ter que usar o que chamou de “calçolões” geriátricos. “Mas aquilo é um incômodo. Quando você vai para os lugares, esquenta”, pondera.

A situação só melhorou no segundo semestre, quando descobriu uma alternativa para a incontinência urinária e o ressecamento: o laser vaginal. A técnica, que utiliza CO2 (gás carbônico), já era conhecida para o tratamento de lesões provocadas pelo vírus HPV.

Segundo a ginecologista Cristina Sá, sócia da clínica Emeg, especialista em ginecologia regenerativa funcional e estética e sexologia, a Itália foi pioneira na técnica, em 2009. No Brasil, o laser vaginal começou a ser utilizado de 2012 para 2013. 

A especialista explica que o tratamento é feito inicialmente com três sessões, com intervalos 30 a 45 dias. A depender de cada paciente, é possível que sejam feitas até cinco sessões - em Salvador, cada uma custa, em média, R$ 1.500.“A paciente fica bem por um ano, um ano e meio. Normalmente, ela só precisa voltar à clínica para realizar uma sessão de manutenção anual ou bianual”.Nos últimos anos, o laser vem ganhando destaque por conseguir tratar efeitos colaterais de pacientes com câncer, menopausa, em período pós-parto e até para substituir cirurgias vaginais. Como Vitória, outras mulheres têm recorrido à técnica para tratar a atrofia urogenital.

Ao contrário do conhecido laser usado na depilação, esse equipamento se atrai pela água – não pela melanina, como o concorrente, que tem foco nos pelos escuros. “O objetivo não é queimar, mas fazer o remodelamento tecidual. O laser faz ‘microfurinhos’ na mucosa e transfere energia”, explica a ginecologista Thaynã Souto, especialista em laserterapia e reprodução assistida e médica da Clínica Idem. É como se a pele fosse atingida por pequenos alfinetes – embora a paciente não sinta as ‘alfinetadas’.

Com essa tecnologia, a energia transferida acaba chegando mais profundamente à pele. Daí, o mesmo equipamento pode ser utilizado tanto para tratamento vaginal quanto vulval – vulva e vagina são, respectivamente, a parte externa e a parte interna do órgão genital feminino.

Menopausa O que acontece durante a menopausa, assim como durante tratamentos de quimioterapia e radioterapia, é a destruição da mucosa vaginal ou a redução do estrogênio. Algumas pacientes, porém, não querem ou não têm indicação para usar cremes de reposição do hormônio. Em outros casos, só uma cirurgia resolveria o problema.

Dessa forma, o laser surge como uma alternativa. Com a energia emitida, é possível estimular a vascularização do tecido e a formação de novas gamas de colágeno, além de aumentar a espessura do epitélio que ficou atrofiado pela falta de estrogênio e ainda melhorar a lubrificação vaginal.

Só que é justamente a mucosa vaginal que faz a sustentação da bexiga. Quando as mulheres têm incontinência urinária leve a moderada causada por esse enfraquecimento, é como se a bexiga ‘descesse’. Daí a dificuldade de controlar a urina.

“No tratamento para o HPV, a gente usa a frequência contínua do laser para a destruição (das lesões). No laser fracionado, você quer remodelar. Muitas pacientes já vêm para melhorar a frouxidão, outras só para melhorar a incontinência”, diz a ginecologista Thaynã Souto.

Mas, geralmente, o tratamento acaba melhorando tudo: do ressecamento e dor na relação sexual até o corrimento de repetição na menopausa.“A maior parte tem um efeito colateral que elas dizem ser positivo, que o fato de a vagina ficar mais apertada. Você fortalece e acaba tendo uma redução de diâmetro”, completa a médica.A quimioterapia provoca o que pode ser chamado de ‘menopausa química’. Ao contrário da menopausa natural, que ocorre de forma gradual, a versão química pode acontecer de forma abrupta, durante ou no fim do tratamento contra o câncer.

Além disso, enquanto a menopausa natural pode ser tratada com reposição hormonal, o mesmo não pode ser feito com a paciente com câncer. “Infelizmente, é o único tratamento que essas pacientes podem fazer. Digo infelizmente porque ainda são poucas que podem se beneficiar desse tratamento. Para as de menopausa natural, a reposição hormonal é tão eficiente quanto o laser, mas ela é feita diariamente”, diz a ginecologista Cristina Sá, sócia da clínica Emeg, especialista em ginecologista regenerativa funcional e estética e sexologia.

A maioria das pacientes busca o tratamento justamente após passar por uma quimioterapia. Por isso mesmo, há mulheres de todas as idades. “Hoje em dia, tem paciente com tratamento para câncer de mama com 28 anos, 30 e poucos. O laser pode ser feito durante a quimio, mas, às vezes, a paciente está muito debilitada, com imunidade baixa, e fazemos depois”, completa a médica. Luana Ferrari usou a técnica após dar à luz (Foto: Marina Silva/CORREIO) Desconforto sexual Esse foi o caso também da servidora pública Valéria Braga, 52. Ela descobriu o câncer de mama em dezembro de 2017 e fez uma cirurgia em janeiro do ano passado. Depois, passou por quimioterapia e radioterapia. “Foi o pacote completo”, brinca. Em seguida, em agosto, a médica receitou uma medicação para inibir o estrogênio.

Ela, que já estava na menopausa, percebeu o ressecamento vaginal e a atrofia. “Realmente dificulta muito a relação sexual. Como eu estava com essa queixa de secura e de muita dor, minha oncologista sugeriu o tratamento com laser e fui fazer com a doutora Cristina (Sá). Esse é um tratamento ainda considerado estético, então, plano de saúde não cobre, não tem reembolso. Mas acho que, para quem teve câncer, podia ser de outra forma porque é um efeito do tratamento (contra o tumor)”, opina.

Valéria, que nunca tinha ouvido falar do laser, passou pela primeira sessão em outubro do ano passado. Na ocasião, ficou um pouco apreensiva. Acreditava que fosse doer como um laser de depilação. “Tem uma sensação de ardência, mas a médica usou um anestésico. Nas últimas, nem senti mais nada. Era como se a mucosa já estivesse mais hidratada”, opina.

De lá para cá, foram quatro sessões - desde a segunda, ela diz já ter sentido uma grande melhora. “A gente passa por tanta coisa durante o câncer, que nem imagina ter esse efeito (do ressecamento). Você começa a ter uma série de restrições e, quando supera uma delas é realmente uma alegria, uma felicidade”, comemora.

Com a enfermeira e estudante de nutrição Luana Ferrari, 33, foi diferente. Após dar à luz em maio do ano passado, foi que vieram os sintomas: dor e desconforto no momento da relação sexual, devido à dificuldade de lubrificação. “As mulheres são diferentes. Tenho amigas que tiveram bebê e conseguiram voltar à atividade sexual sem nenhuma dor, enquanto tem outras que ficam mais atrofiadas após o parto”, explica.

Para entender melhor sua situação, procurou sua ginecologista, que também é sua obstetra. No consultório, foi apresentada ao laser vaginal. Em agosto, fez uma única sessão. Para a situação dela, somente uma sessão já fez diferença.

“Eu sabia que era uma coisa muito boa para pessoas com tratamento de câncer, mas não esperava ajudar tanto no pós-parto. Agora, eu indico para todas as minhas amigas, para todas as mulheres”. Em seu perfil no Instagram, onde tem 32 mil seguidores e compartilha dicas sobre a maternidade, Luana costuma falar sobre o assunto. “Vejo que tem muita gente que não conhece ainda, mas sempre falo que é muito importante para a mulher”.

Em nota, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) informou que os planos de saúde não cobrem "procedimento que emprega laser para estimulação/regeneração da mucosa vaginal e tratamento de atrofia vaginal ou outras desordens geniturinárias". Acrescentou ainda que existe uma cobertura mínima obrigatória "a ser garantida pelos planos de saúde comercializados a partir de 2/1/1999, onde constam diversos procedimentos que podem ser empregados para o tratamento da incontinência urinária”, como tratamentos cirúrgicos, endoscópicos, etc. 

Por fim, ANS informou ainda que são debatidos, a cada dois anos, os tratamentos que deverão ser incluídos ou não na cobertura dos planos.

O CORREIO também procurou o Ministério da Saúde para saber o porquê do Sistema Único de Saúde (SUS) não oferecer o tratamento. Em nota, foi informado que  "a gestão e o financiamento do SUS é tripartite (Governo Federal, estados e municípios). Assim, cada ente federativo tem autonomia para definir os serviços a serem ofertados em cada local, assim como organizar a assistência adequada à população, de acordo com a demanda e necessidade locais". Informou ainda que o ministério "oferece tratamento integral e gratuito para tratamento oncológico e ginecológico" e que "a utilização de técnicas com laser é uma definição do serviço e da equipe assistencial".

Em Salvador, só há um equipamento de laser vaginal Fazer um tratamento com laser vaginal ainda não é tarefa fácil para as mulheres soteropolitanas. Isso porque, além do tratamento não ter cobertura pelo SUS, nem por planos de saúde, existe apenas uma máquina que realiza o tratamento em Salvador.

Por enquanto, o tratamento ainda é algo novo na capital baiana. Prova disso é que menos de 10 ginecologistas são especialistas na área. Só a clínica Emeg tem o equipamento – chamado Monalisa Touch – que pode ser alugado por outras profissionais.

Quando o procedimento é vaginal, na parte interna do órgão genital, o tratamento é indolor. Se for algum procedimento na vulva, parte externa, a paciente pode receber um anestésico local, 30 minutos antes de usar o laser. Ele ainda pode ser utilizado para ‘rejuvenescimento’ – que são os procedimentos como clareamento e redução de rugas na vulva.

O laser de CO2 também consegue realizar cirurgias nas pacientes. Embora a maioria delas ainda seja considerada estética, algumas têm caráter funcional. Nesses casos, o laser é utilizado de forma contínua, não fracionada. Alguns exemplos são a redução de grandes e pequenos lábios e a cirurgia plástica de redução do clitóris.

Mesmo existindo corte no tecido epitelial (pele) da paciente, nesses casos, a cicatrização é mais rápida.

“Numa cirurgia com laser, por exemplo, em três a cinco dias, a paciente está ótima. A cicatrização completa acontece em 20 dias. Numa cirurgia tradicional, pode levar de 30 a 40 dias para cicatrizar e, na maioria das vezes, a dor dura mais tempo”, explica a ginecologista Cristina Sá, sócia da clínica Emeg.

Na prática, o que muda no uso da máquina, em relação ao tratamento e à cirurgia, é a potência do laser. “O aparelho é o mesmo. A gente consegue fazer o rejuvenescimento, clareamento, redução de pequenos lábios”, diz a ginecologista Thaynã Souto, médica da clínica Idem.

Todos os procedimentos de laser vaginal precisam ser feitos em consultório, com um profissional capacitado.