Lúcio Tranchesi estreia Terrário, espetáculo solo em formato digital

Peça começa a ser exibida nesta sexta (2) e fica no YouTube até o dia 18

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  • Roberto Midlej

Publicado em 2 de julho de 2021 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: fotos: divulgação

O ator Lúcio Tranchesi passou anos indo frequentemente ao Vale do Capão. Na região, fez muitas trilhas e camping, chegando a andar 50 quilômetros numa dessas caminhadas, que podia durar dias. Daquelas experiências, restaram muitas histórias interessantes, como o dia em que salvou a vida de oito pessoas ou quando passou por um ritual xamânico e, a partir dali, passou a se deparar com cobras com muita frequência.

Sem pisar nos palcos desde o início da pandemia - seus espetáculos anteriores haviam sido A Tempestade e As Tentações de Padre Cícero -, Lúcio fez uma espécie de faz-de-conta em casa e se relembrou daqueles casos que viveu na Chapada Diamantina. Montou, no apartamento, a sua barraca de camping. Pegou plantas e saco de dormir e 'acampou' ali mesmo. 

Gravou vídeos contando aquelas histórias e, como gostou da experiência, resolveu amadurecê-la e transformá-la em no espetáculo Terrário, que estreia hoje no YouTube da Fred Soares Produções, às 20h. A exibição, que integra o projeto Catálogo Brasileiro de Teatro, é gratuita e estará disponível a qualquer hora até o dia 18 de julho.

Além de atuar e de ter criado o argumento, Lúcio divide a dramaturgia do espetáculo com Clara Romariz. A direção é de Paulo de Moraes, que trabalhou remotamente, do Rio de Janeiro.  O diretor Paulo de Moraes No espetáculo solo, o protagonista, que não diz seu nome, passa por uma crise de solidão e revisita suas lembranças do tempo em que vivia intensamente, que passava por aventuras e gozava de ótimas companhias."O personagem é uma espécie de contador de histórias, falando de coisas que eu vivi", diz Lúcio.O ator garante que tudo que está ali realmente aconteceu. Uma das história mais impressionantes é a de um ritual xamânico que ele viveu numa caverna. O líder xamã disse a Lúcio para fechar os olhos e pensar em diversos animais. Aquele que viesse à sua cabeça por quatro vezes, seria o seu animal aliado. 

Deu cobra. "Imediatamente, senti uma pressão em meu ombro. Gelei. Achei que era o xamã, mas ele estava longe, então não era. Mantive os olhos fechados e não sei até hoje se era uma cobra", lembra-se Lúcio. O pior não foi isso: daí em diante, o ator passou a ver cobras com frequência, em muitas ocasiões. Um dia, filmou uma enorme cascavel, enquanto participava das gravações de um filme. Outra vez, foi tomar banho no rio e viu uma cobra. Mais tarde, na casa de um amigo, uma cobra subiu em suas pernas.

Outra experiência, que por pouco não termina em tragédia e transformou Lúcio em herói, foi durante uma trilha no Vale do Pati. O ator conhecia bem a área e serviu de guia para um amigo. Lúcio ouviu um barulho muito forte e alertou as pessoas que estavam ali, desconfiando que um grande volume de água se aproximava. 

Com exceção do amigo, ninguém deu muita atenção ao alerta. "Aí, eu tive que falar com firmeza, fui bravo e mandei todo mundo sair dali, porque vi que podia acontecer uma tragédia", lembra o ator. Finalmente, seguiram o conselho. Não deu outra: instantes depois, veio uma enxurrada daquelas, que arrastou até as árvores. "Tinha uns caras enormes ali, de quase dois metros de altura. Esses caras me abraçavam e choravam como criança me agradecendo".

A montagem foi gravada no apartamento onde Lúcio está morando, com duas câmeras. O ator já havia feito outros espetáculos digitais, como Os Três Pablos Guerreiros Contra o Dragão da Maldade, mas aquele era ao vivo, no Zoom. "Desta vez, foi diferente, pois gravei na sequência. Ligo as câmeras e não paro. Só parei pra trocar o cenário. É uma nova maneira de atuar, mas, para mim, é o mesmo exercício [do teatro tradicional], em que me envolvo com o texto, com a ação e a emoção, com o jeito de contar a história", diz o protagonista.

O diretor Paulo de Moraes celebra a parceria com Lúcio. Os dois se conheceram num festival de teatro na Escócia, quando Lúcio estava atuando em O Sapato do Meu Tio."Sempre gostei dele como ator, porque é muito potente e entregue. Mesmo estando à distância, percebi isso e ele revelou também esse outro lado, de dramaturgo", diz Paulo. O diretor diz que esse formato digital do teatro tem algo de positivo: "Apresentei um espetáculo online que teve espectadores de 20 países e também de cidades do Brasil onde o teatro não chega. Então, a apresentação pela internet é uma forma de aproximar o teatro deste público".

Quem é Lúcio Tranchesi O paulistano Lúcio Tranchesi tem 56 anos e está na Bahia desde os 19, mas apesar dos 37 anos distante da terra natal, mantém um forte sotaque paulistano. Começou no teatro aos 11 anos, num curso livre infantil com uma professora da USP. "No mesmo teatro onde eu fazia o curso, bisbilhotei e vi atores ensaiando Macunaíma com [o diretor] Antunes Filho", lembra-se o ator, que considera aquele momento decisivo para sua escolha profissional. Lúcio em As Tentações de Padre Cícero Veio morar em Salvador com a família e fez um curso com Yumara Rodrigues, a convite de uma amiga. Depois do curso, Yumara dirigiu uma montagem de Pluft, o Fantasminha e convidou Lúcio para participar. Mais tarde, ele mesmo realizou um projeto e conseguiu patrocínio da Alimba, empresa de laticínios baiana. "Ganhei 20% do patrocínio e pensei: teatro vai me deixar rico", diverte-se, ao lembrar. 

O ator diz que daí em diante, não parou mais de atuar e está em, ao menos, uma montagem por ano. Entre os espetáculos que se destacam em sua carreira, está Merlin ou A Terra Deserta, de 1994. Dirigida por Carmen Paternostro, a montagem teve ainda no elenco Betto Metig, Claudio Cajaíba e Evelin Buchegger, entre outros. 

Em 2005, estreou O Sapato de Meu Tio, um dos mais populares do ator, que dividia o palco com Alexandre Luís Casali. Dirigido por João Lima, não tinha diálogos e era marcado pela arte da palhaçaria. Recebeu seis indicações ao Prêmio Braskem e deu a Lúcio o troféu de melhor ator. Venceu ainda direção e espetáculo adulto. Foi indicada a melhor texto (de autoria dos atores), embora não tivesse diálogos. A montagem se tornou um clássico do teatro baiano. Passou por países como Espanha, Chile, Guiana Francesa e República Dominicana.

Lúcio trablahou com quase todos os mais importantes diretores da Bahia: com Márcio Meireles, fez Pé de Guerra e Material Fatzer; com Fernando Guerreiro, Assis Valente; com Elísio Lopes, Crimes Delicados; com Deolindo Checcucci, Roberto Zucco.  Em cinema, já participou dos longas Eu me Lembro de Edgar Navarro; O Jardim das Folhas Sagradas, de Póla Ribeiro; Cascalho, de Tuna Espinheira.

ENTREVISTA COM FRED SOARES O produtor Fred Soares fala sobre o Catálogo Brasileiro de Teatro, uma espécie de festival que desta vez está acontecendo online, em razão da pandemia. Terrário é uma das montagens que integra a edição deste ano.

Quando começou esta versão online do Catálogo começou quando? Sempre fui muito resistente em fazer o projeto virtual. Ano passado, quando a pandemia começou, estávamos realizando o espetáculo Sísifo, com Gregório Duduvier no Teatro Castro Alves, nosso segundo espetáculo da programação, quando começamos a viver o caos da pandemia e o lockdown. Demorei muito a acreditar que isso iria se estender por todo o ano e com isso não articulei a continuidade do projeto de forma remota. Preferi guardar a programação para o presencial bem como os acordos com os patrocinadores. Contudo, a situação se entendeu e ficou permanente, como estamos até hoje e surgiu a Lei Aldir Blanc, um suspiro para toda a classe e isso me fez repensar e finalmente colocar em prática a versão online e como diferencial, pela primeira vez incluímos peças locais e regionais, pois nas 20 edições anteriores contemplávamos apenas produções do Rio e São Paulo. 

Quantas peças o Catálogo já apresentou até hoje? O Catálogo realiza 20 espetáculos por ano e neste formato online apostamos em 20 ações, sendo 8 espetáculos locais, 6 nacionais, 5 ações formativas (oficinas, bate papo e aula expositiva) e uma montagem inédita. Toda a programação já foi realizada, sendo encerrada agora com a estreia de Terrário, o primeiro solo de Lúcio Tranchesi, que foi escolhido entre as 60 propostas que recebemos através da convocatória que realizamos.

Como a produtora tem se mantido na pandemia? Em paralelo aos eventos culturais, eu atuo como diretor artístico, de shows, lives, projetos, clipes e artistas no segmento da música. E com a necessidade destes artistas se reinventarem fazendo aparições online, sempre surgem ações que me convidam para dirigir e nestas situações absorvo meus colaboradores nestes projetos para manter a equipe da produtora presente.

Acha que esse formato de teatro pode permanecer junto com o tradicional? Não acredito. Já percebemos uma saturação grande do público deste formato. Prova disso é a redução da audiência das lives e exibições que caíram significativamente. O público consumiu à exaustão e está agora ávido pela vida presencial. Talvez em ocasiões isoladas, o virtual se mantenha com o presencial, mas no primeiro momento de uma retomada, as pessoas vão querer sentir o gosto da liberdade de ir e vir aos seus eventos sem restrições.

Como tem sido a resposta do público? Nos surpreendeu bastante. Tivemos mais de 43 mil visualizações em 14 espetáculos. Consideramos uma ótima receptividade. Estreamos a versão online logo no começo do ano, quando os demais produtores estavam ainda desenhando seus projetos pela Lei Aldir Blanc. Com isso, tivemos mais um diferencial de espaço na imprensa, mídia e disponibilidade de público, sem concorrer com os demais projetos. A única exibição que ficou para este ultimo momento foi a estreia desta montagem inédita.

Como a produtora está se planejando para o retorno pós-pandemia? Já tem peças contratadas? Estamos mantendo toda a programação que não fora realizada em 2020 para compor a nossa programação tão logo seja possível, como o Musical Conserto para Dois, com Claudia Raia e Jarbas Homem de Melo, e as peças Norma, com Du Moscovis e Ana Lucia Torres, e Baixa Terapia com Antonio Fagundes.

Imaginando que uma grande parte da população esteja vacinada e que o governo libere o teatro com capacidade quase total, você acha que o público vai voltar logo às salas ou vai demorar para que o movimento seja como antigamente? Acredita que será bem gradual, em um processo de conscientizar o publico que é seguro estar nestes ambientes. Também vai ser necessário que se apresente uma programação atrativa, porque todo o mercado vai decidir retomar na mesma hora em uma tentativa de recuperar o tempo perdido. Então, a classe precisa se preparar para oferecer produtos atrativos, acessíveis e principalmente com segurança para além do fim do decreto.