Mais de 50% dos municípios baianos têm problemas de saúde por falta de saneamento

Bahia é o segundo estado em número de municípios que relataram problemas de saúde relacionados à falta de saneamento

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  • Mario Bitencourt

Publicado em 19 de setembro de 2018 às 16:08

- Atualizado há um ano

. Crédito: Mauro Akin Nassor

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou nesta quarta-feira (19) que entre 2016 e 2017 mais da metade dos municípios baianos (216 das 417 cidades) tiveram ocorrências de endemias ou epidemias associadas à falta de saneamento básico.

De acordo com os dados, a Bahia é o segundo estado em número de municípios que relataram problemas de saúde pública relacionados à falta de saneamento, perdendo apenas para Minas Gerais, onde 290 cidades registraram ocorrências do tipo.

O caso da Bahia é também significativamente maior que a média nacional. No Brasil, pouco mais de 1/3 dos 5.570 municípios (34,7% ou 1.935 cidades) relataram esse tipo de problema – no estado, é de 51,8%.

Embora fique um pouco abaixo da média do Nordeste (53,7%), o percentual baiano é superior, na região, aos do Maranhão (37,8%) e Piauí (37,1%) e quase cinco vezes o verificado em Santa Catarina (11,2%) e Rio Grande do Sul (9,7%), estados com menores percentuais de municípios com esse tipo de problema.

De acordo com o Ministério da Saúde, considera-se endêmica uma doença que existe constantemente em determinado lugar, independentemente do número de indivíduos por ela atacados.

Já a epidêmica é uma doença que surge rapidamente em um local e acomete grande número de pessoas. Casos isolados de determinadas doenças, portanto, não se enquadram em nenhum dos dois conceitos.

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Dengue e diarreia

Na Bahia, assim como no Brasil, a dengue é a doença mais relacionada ao saneamento: 162 municípios do estado (75% dos que disseram ter endemias ou epidemias) e 1.501 no país (77,6%). A diarreia, em segundo, é citada por 148 municípios; a chikungunya, em terceiro, foi informada por 133 prefeituras; e em seguida vêm a zika e verminoses (cada uma informada por 123 municípios, ou 56,9% dos que tiveram endemias/epidemias.

No caso da diarreia e verminoses, as causas são diversas e normalmente associadas à ingestão de água ou alimentos contaminados. Já a dengue, a zika e a chikungunya são transmitidas pela picada do mosquito Aedes aegypti, que se reproduz em água parada.

Na análise do IBGE, “a oferta irregular de água pode levar as pessoas a estocá-la em reservatórios, que servem de local de reprodução dos mosquitos”, e “o acúmulo de lixo nos domicílios e nas ruas favorece o acúmulo das águas das chuvas, outro fator de risco”.

As doenças relacionadas a saneamento menos citadas pelos municípios baianos foram tifo e malária, por apenas quatro municípios cada uma, de acordo com a pesquisa do IBGE.

Macaúbas, no Centro-Sul baiano, e Lauro de Freitas, na Região Metropolitana de Salvador, informaram a ocorrência de quase todas as endemias/epidemias investigadas, deixando de fora apenas as agrupadas na categoria “Outras”. Na Bahia,  Alagoinhas foi o único município a informar dispor de todos os instrumentos de gestão do saneamento básico previsto na Lei Federal de Saneamento Básico: Política, Plano, Conselho e Fundo Municipais de Saneamento Básico, além de um sistema de informações à população sobre os serviços e uma ouvidoria ou canal de atendimento aos cidadãos ligado ao tema.

Segundo o IBGE, Alagoinhas faz parte do seleto time de apenas 52 prefeituras em todo o país nessa situação. Santa Catarina (5,1%) e Rio Grande do Sul (1,4%) mais uma vez se destacaram com os maiores percentuais de municípios que informaram ter todos os instrumentos de gestão do saneamento, 15 e 7 cidades em números absolutos, respectivamente.

A Prefeitura de Alagoinhas, no entanto, informou nesta quarta-feira que os dados do IBGE estão desatualizados e não representam a realidade atual, tendo em vista que já não dispõe de todos os instrumentos de gestão do saneamento básico. Ficou de enviar nota ao CORREIO detalhando o que não tem mais, só que isso não ocorreu.

Esgoto a céu aberto

Um dos quase 50 mil habitantes de Macaúbas, o auxiliar administrativo Gleison Rocha, 33, que trabalha numa empresa de produtos agropecuários, diz que o problema da falta de saneamento na cidade é a falta de tratamento do esgoto. Em Macaúbas, a gestão do fornecimento de água e saneamento é da Prefeitura. O CORREIO tentou contato diversas vezes nesta quarta-feira com a Prefeitura de Macaúbas, mas ninguém atendeu às ligações.

“Só é realizada a capitação do esgoto, mas não é feito nenhum tratamento, o que acaba poluindo riachos, uma lagoa que tem perto da Olaria [uma localidade perto do Centro]. E as pessoas usam muito essas lagoas para pegar peixes, os animais entram em contato com essa água suja, é um risco para a saúde”, declarou Rocha.

O comerciante Derli Novais, 39, que reside no Centro da cidade, diz que na periferia “o que mais se vê é esgoto a céu aberto”. Sobre doenças, ele informou que a esposa teve dengue há menos de dois anos. “É um problema que entra gestão e sai gestão e continua a ocorrer”, disse Novais.

No Hospital Municipal de Macaúbas, contudo, os problemas que a própria prefeitura relatou parecem não existir, segundo informou a diretora da unidade Sânzia Menezes: “O hospital recebe mais pacientes para internamento e o que temos visto chegar aqui são mais casos relacionados a doenças respiratórias, e outras ocasionais, como acidente vascular cerebral”.

Contestação

A Prefeitura de Lauro de Freitas informou que possui uma Política e um Plano Municipal de Saneamento Básico, aprovado no ano passado. E que Diz que isso trouxe inovações, como a criação da Coordenação Municipal de Saneamento Básico, do Sistema Municipal de Informações do Saneamento básico e da Escola de Saneamento Básico.

Além do plano, a atual gestão diz que retomou inúmeras obras que estavam paradas relacionadas ao saneamento, a exemplo da macrodrenagem do Rio Ipitanga (R$168 milhões), do sistema de esgotamento sanitário, executado pela Embasa (R$ 170 milhões), dentre outras.

A Prefeitura contesta a relação de endemias apontadas pelo IBGE. “Não há registro de casos de cólera, difteria, malária, tifo e outros citados na pesquisa e o município realiza campanhas de prevenção e combate, e mantém vigilância permanente de possíveis focos do mosquito da dengue”, afirma.

Além disso, considera que “há um equívoco metodológico na pesquisa do IBGE ao relacionar as ocorrências de doenças associadas ao saneamento nas unidades de saúde do município. Isto por que nas unidades de saúde de Lauro de Freitas é atendido uma grande percentual  de pessoas que não residem na cidade”.

Capital

Na pesquisa do IBGE, Salvador foi um dos municípios que informaram a ocorrência de endemias ou epidemias associadas ao saneamento básico. A prefeitura da capital baiana relatou a ocorrência de leptospirose, dengue, zika e chikungunya. Dentre os 201 municípios baianos que disseram não ter conhecimento da ocorrência de endemias ou epidemias associadas a carências de saneamento básico, destacam-se cidades de médio porte como Juazeiro, Barreiras, Alagoinhas, Paulo Afonso, Eunápolis, Santo Antônio de Jesus e Luís Eduardo Magalhães.

Entre os que informaram passar pelo problema, o percentual de prefeituras com os dois instrumentos básicos de gestão voltados para o saneamento – a Política Municipal de Saneamento Básico e o Plano Municipal de Saneamento Básico – não chega a 10%.

Em 2017, apenas 39 municípios da Bahia (9,4% do total de 417) tinham. Isso quer dizer que 9 em cada 10 prefeituras do estado cuidavam desse importante setor sem ter um diagnóstico claro de suas necessidades, sem diretrizes, objetivos nem metas institucionalizadas de universalização dos serviços.

A existência tanto da Política quanto do Plano Municipal de Saneamento Básico é prevista pela Lei Federal de Saneamento Básico (lei nº 11.445/2007). Enquanto a Política deve traçar as diretrizes gerais para os quatro serviços de saneamento (abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto, coleta e destinação final de lixo e manejo de águas pluviais), o Plano é um estudo que traz diagnóstico, objetivos, metas e as condições de prestação dos serviços visando à sua universalização.

Depois de 31 de dezembro de 2019, ter um Plano Municipal de Saneamento Básico será condição necessária para os municípios acessarem recursos orçamentários da União ou financiamentos federais destinados ao setor. A existência desse Plano também é condição para a validade dos contratos de delegação da prestação de serviços públicos de saneamento.

Em relação a 2011, quando a gestão do saneamento básico foi investigada pela primeira vez junto às prefeituras, o número de municípios baianos com Política e Plano Municipal de Saneamento Básico mais que duplicou. Naquele ano, eram apenas 15 prefeituras nessa condição, na Bahia.  Embasa tem 1,2 milhão de ligações de esgoto em 366 cidades

A Empresa Baiana de Águas e Saneamento (Embasa), autarquia do governo do estado,  informou que na área de atuação, que abrange 366 municípios baianos, a empresa atende 3.670.951 ligações de água e 1.296.794 ligações de esgotamento sanitário. Segundo informou, a cobertura dos serviços vem se expandindo nos municípios atendidos, conforme demandas apresentadas pelas prefeituras e de acordo com a disponibilidade de recursos e financiamentos públicos para as obras.

“Nos municípios que contam com Plano Municipal de Saneamento Básico, é esse documento que determina as diretrizes para a expansão dos serviços. Na área de atuação da Embasa, somente 13% dos municípios possuem PMSB aprovado”, afirma a nota.

Dos quatro serviços que compõem o saneamento básico (abastecimento de água, esgotamento sanitário,  manejo de resíduos sólidos e drenagem pluvial), a Embasa presta somente os de abastecimento de água e esgotamento.

Para contratar a prestação dos serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário com a Embasa, os Municípios precisam, primeiro, firmar convênio de cooperação entre entes federados com o Governo do Estado, para a gestão associada, “uma das diretrizes da política estadual de saneamento conduzida pelo Governo do Estado”.  Abaixo da média

Considerando separadamente a Política Municipal de Saneamento Básico e o Plano Municipal de Saneamento Básico, a Bahia tem percentuais de existência desses instrumentos nos municípios muito mais baixos que a média nacional e entre os menores do país, de acordo com informações do IBGE.

A Política Municipal, sozinha, está presente em 17,0% dos municípios baianos (71 em números absolutos) e em 38,2% dos municípios brasileiros (2.126): a Bahia tem o quarto menor percentual de municípios com pelo menos a Política. Já apenas 14,6% dos municípios baianos (61) tinham, em 2017, ao menos o Plano Municipal, que existia em 41,5% dos municípios brasileiros. A Bahia tem o quinto menor percentual de municípios com o Plano, dentre os estados.

Em ambos os casos, os estados da região Sul lideram. Em Santa Catarina, 86,8% dos municípios têm Política e 87,1% têm Plano Municipal de Saneamento Básico. No Rio Grande do Sul, os percentuais são de 59,0% e 75,5%; e, no Paraná, chegam a 52,6% e 59,1%, respectivamente.

Dos instrumentos de gestão do saneamento básico previstos na Lei Federal do Saneamento Básico, o Fundo Municipal é o menos presente tanto na Bahia quanto no país como um todo. Na pesquisa do IBGE, só 18 municípios baianos (4,3% dos 417) informaram ter um Fundo destinado ao saneamento básico.

Foi o terceiro menor percentual entre os estados, acima apenas de Sergipe (4,0%) e Tocantins (3,6%), bem abaixo da média nacional (10,4% dos municípios brasileiros têm Fundo de Saneamento Básico) e menor também que a média no Nordeste (5,9%).

Os Fundos Municipais de Saneamento podem ser instituídos pelos municípios isoladamente ou em consórcio. Recebem parte das receitas dos serviços de saneamento e outros recursos destinados especificamente a esse setor e servem para custear a universalização dos serviços de saneamento básico.