Mais Médicos: mesmo com salários de R$ 11,8 mil, ainda há 176 vagas na Bahia

Em 27 municípios baianos não houve procura por parte dos profissionais

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  • Fernanda Santana

Publicado em 22 de dezembro de 2018 às 09:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Arisson Marinho/Arquivo CORREIO

O início da semana é bastante movimentado em Correntina, no oeste da Bahia. É quando os moradores dos povoados vão à cidade para consultas nos sete postos de saúde. Desde novembro, todos ficaram completamente abarrotados de pacientes não por um excesso de procura, mas por ausência médica. 

Pacientes começaram a voltar sem atendimento quando os cubanos do Programa Mais Médicos deixaram o município, em novembro. Na última quinta-feira (20), o Ministério da Saúde lançou a segunda convocação de profissionais. Na Bahia, ainda são 176 vagas desocupadas em 110 cidades. Nem o salário de R$ 11,8 mil parece convencer os médicos a irem para as regiões mais pobres e afastadas do estado.

A unidade onde trabalha Silvia Nascimento, no centro da ensolarada Correntina, recebeu, nos seis anos de programa, uma médica cubana. Deixou o Brasil com os outros sete colegas. Silvia, então, precisou adaptar a rotina.

“Estou com dois médicos. Veja, quando a movimentação cresce, eu simplesmente tenho que pedir para o médico atender extra. Isso se o médico quiser atender... a gente precisa ficar adulando mesmo”, diz Silvia.

Na época em que a cubana trabalhou no posto, outros 1,5 mil médicos trabalharam em 363 dos 417 municípios baianos. Era o segundo maior contingente de profissionais no Brasil, atrás apenas de São Paulo. Agora, à espera de novos médicos, a realidade consiste em pressões às autoridades e reclamações de pacientes.

Tudo começa a mudar no dia 21 de novembro, data de abertura das primeiras inscrições do programa, criado para melhorar o atendimento do Sistema Único de Saúde principalmente nos interiores do Brasil. Os cubanos, uma semana antes, deixavam o programa por decisão do país caribenho.

Em todo o Brasil, das 8,3 mil vagas, restaram 2,4 mil, segundo balanço do Ministério da Saúde. Quanto mais afastados das capitais, mais difícil a convocação de profissionais. É o que acredita o diretor de Atenção Básica do Estado, José Cristiano Sóster.

A questão colocada pelo diretor é: como tornar os locais mais afastados atrativos para os médicos? Não há respostas.“O programa deixou isso muito claro. As universidades e faculdades de medicina são em grandes centros, os hospitais estão nos grandes centros. Então não há um atrativo para esses médicos, isso analisando os aspectos estruturais”As primeiras cidades a terem as vagas completamente ocupadas foram Salvador e São Francisco do Conde, afirmou a Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab).

Na outra ponta da pirâmide geográfica e social, Itapicuru, no extremo Nordeste do estado e com o pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), sofre a ausência médica.

Das duas vagas disponibilizadas na cidade, com 35 mil habitantes e considerada de extrema pobreza pelo Ministério, uma foi ocupada. Mas, mesmo um profissional pode fazer a diferença num local como Itapicuru.

Recentemente, o pai de Walter começou a sentir forte dores no peito. Foi levado à Santa Casa de Misericórdia, unidade que, apesar de pouco equipada, recebe os casos mais graves. De lá, saiu às pressas numa ambulância para Alagoinhas, a 262 quilômetros.

Antes, já ficou horas sentado na sala de espera do posto de saúde com a esposa, Maria Betânia, 29, diagnosticada com câncer de pulmão. “Não tem médico para atender. Esse número ‘1’ que a gente vê significa demais.

As pessoas daqui precisam muito mesmo”, opina Walter Santos Santana, 29. O problema de Walter sugere outros muito mais profundos.

Distantes de tudo 

Há uma Bahia em que a saúde tarda a chegar. Por isso, quando desembarcaram os primeiros médicos cubanos nos pontos mais afastados do estado, muitos tiveram a primeira visita na cidade onde moravam. Também por isso, aguardam a vinda dos médicos selecionados na segunda fase de seleção.

O preenchimento, acredita a Sesab, está dentro do esperado. Mas não tão rápido quanto esperam os moradores das cidades afastadas da capital baiana. Foram 27 municípios que não obtiveram nenhuma procura dos médicos. 

Na região da Chapada Diamantina, Abaíra, com 8,3 mil habitantes não foi procurada por sequer um médico. A única vaga disponibilizada no primeiro edital para a Unidade Básica de Saúde permaneceu intacta.

"O jeito é esperar uma próxima chamada. Acho que ninguém vai querer vir. Olhe que a gente acha que pode serum lugar turístico, que vai ser procurado... Que nada!", disse uma funcionária, sob anonimato. A Secretaria de Saúde do município não atendeu à solicitação. 

De Correntina, com somente duas das oito vagas ofertadas no primeiro edital ocupadas, saíram pedidos informais e formais para envio de médicos. A Sesab, no entanto, reafirma não ter nenhum tipo de interferência no programa, de caráter federal. A procura, acreditam os gestores de saúde da cidade, não correspondem às necessidades.“Atuamos de forma sobrecarregada, tanto nos postos quanto no hospital”, afirma Stelita Pacheco, coordenadora de Atenção Básica de Correntina. Se não forem preenchidas as vagas, o Ministério de Saúde não confirma se haverá ou não novo chamamento. “Estamos aguardando a finalização do processo. [Mas] O Ministério tem tomado todas as medidas emergenciais para suprir a necessidade de médicos nos locais que contavam com os cubanos na assistência”, explicou a pasta, por meio de nota. Ainda assim, não há qualquer garantia de adesão. A barreira entre os municípios afastados e os médicos é cultural, incentivada na própria formação dos médicos, acredita o presidente da União dos Prefeitos da Bahia, Eures Ribeiro.  

Tão afastados estavam de qualquer atendimento básico e rápido de saúde que Maria Betânia, esposa de Walter, precisa deixar Itapicuru frequentemente para tratar o câncer descoberto há quatro anos.

A família vê a mudança de cubanos por brasileiros como positiva. Mas, como realizar a troca? “Disseram que iam preencher rápido e isso é ótimo. Mas se acham que um, dois meses é pouco tempo... não é não. Há pessoas que tem urgência”, defende Walter.

A ida dos médicos até as cidades escolhidas pode estar sujeita a um conograma bastante flexível. Os médicos tiveram, no segundo momento de inscrições, dois dias para demonstrarem interesse pelo programa. Depois disso, explica o Ministério da Saúde, o resultado deve ser divulgado até a próxima semana.

Os selecionados terão até o dia 8 de janeiro para se apresentar ao gestor da unidade. Mas, a partir daí, é o gestor quem decide a data de início. O processo, continua o Ministério, varia muito. Assim como variam as opiniões sobre como poderá ser revertido o cenário.

O que fazer? 

Quando o anúncio oficial de que os médicos cubanos sairiam do Mais Médicos enfim foi revelado, o Conselho Regional de Medicina decidiu criar formas de convite aos médicos recém-formados, o público-alvo do programa, com validade de dois anos e carga horário semanal de 40 horas.

Organizaram, no dia 21 de novembro, um mutirão para registrar novos profissionais interessados no projeto. Atuaram durante uma semana no projeto. No mesmo mês, o Conselho pediu colaboração de faculdades de Salvador para antecipar a formatura de médicos, geralmente prevista para o início de janeiro, de acordo com o vice-presidente do Conselho, Júlio Braga. 

Em mutirão para colaborar com os novos profissionais que pretendem se inscrever no programa Mais Médicos, o Conselho Regional de Medicina do Estado da Bahia (Cremeb) está priorizando o seu atendimento dessa semana ao registro dos recém-formados, com reforço de demais servidores na equipe de atendimento.

O horário da sede do Conselho para tal serviço segue das 8h às 17h, até sexta-feira, mas caso haja uma demanda extraordinária, a autarquia pretende a avaliar a possibilidade de estender o horário de atendimento.

A ação até atendeu às expectativas do Cremeb, órgão responsável pelo registro de profissionais. Os 20 agentes chamados exclusivamente para as matrículas atenderam a 300 pessoas antes do primeiro edital. Depois, mais de 80, segundo cálculos do Cremeb.

Mas, apenas houve antecipação do diploma, não uma ligação imediata com o Mais Médicos. Confrontado com os números, o vice-presidente desmente que os médicos deixem de procurar o programa por remuneração. Na verdade, acredita, é “mais uma questão de planejamento.“Eu acho que é a questão de programação de carreira. A remuneração é mais ou menos parecida. Muita gente está no interior e tem condições de atender, além do SUS, fazer outros atendimentos. Os outros médicos podem conciliar com outras atividades”.O representante defende: é preciso ter um tempo entre o anúncio do edital, o lançamento e o chamado de médicos. “A dificuldade é real de atrair para locais mais isolados. Mas porque você precisa levar em conta que os médicos saem com 24, 25 anos de idade e às vezes já tem família”, conclui. Para Gustavo Martins, 22, foi justamente a família quem o convenceu de ir para Mundo Novo. Inscreveu-se no projeto na primeira edição e já ocupa o cargo. Lá, o atendimento ocorre normalmente.“Estamos até organizados. Os locais mais afastados, como os povoados, é que sempre encontram problemas”, diz.Como atrair os médicos é uma incógnita até para ele, interessado em voluntariado e projetos sociais, é igualmente “difícil”. “Acho que tem que rolar um interesse da própria pessoa. Até porque as condições de trabalho oferecidas pelo Mais Médicos, para ser um primeiro emprego, são excelentes”, acredita Laís* (nome fictício). 

O diretor de Assistência Básica de Saúde José Cristiano, por outro lado, num processo de interiorização de projetos de formação médica. Todos eles esperam o preenchimento das vagas. Nenhum deles, no entanto, consegue garantir que isso, de fato, acontecerá. 

Confira a lista dos 27 municípios que não teve médicos interessados no primeiro edital:Município População Distância de Salvador Abaíra             8.767 542,2 km Andaraí  13.153     408,7 km Baianópolis 13.824 820,9 km Boninal     14.288 530,1 km Brejões 14.370     280,4 km Caravelas 21.937 722,9 km Caturama 9.340 680,1 km Chorrochó 11.154 508,9 km Igrapiúna 13.367 179,2 km Itabela     30.413 556,2 km Itaju do Colônia 6.770 275 km Itambé 23.358 573 km Itanhém 19.499 781,5 km Itapitanga 10.328 296,3 km Morpará     8.542 542 km Mucugê 9.244 478,6 km Muquém do São Francisco     11.280 725,4 km Nordestina 13.095     356,5 km Pau Brasil 9.981 423,2 km Planaltino  9.272 321,6 km Ribeira do Amparo 14.843 271,8 km Rodelas 9.213 547,1 km Santana 26.517 601 km Santo Amaro 59.512 79 km Tabocas do Brejo Velho 12.517 799,5 km Tapiramutá 17.046 352,9 km Várzea do Poço 9.130 333 km *Com supervisão da chefe de reportagem Perla Ribeiro ** Participante de 13ª turma do projeto Correio de Futuro, com supervisão da chefe de reportagem Perla Ribeiro