Manifestantes protestam contra construção de esgoto na Lagoa do Abaeté

Obra é da Conder e da Embasa e tem autorização do Inema

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  • Bruno Wendel

Publicado em 5 de junho de 2020 às 19:18

- Atualizado há um ano

. Crédito: Tiago Caldas/CORREIO
Manifestantes cercaram a retroescavadeira que trabalhava no local. por Tiago Caldas/CORREIO

Na data em que se comemora o Dia Mundial do Meio Ambiente, manifestantes usaram o próprio corpo para proteger a natureza nesta sexta-feira (5), em Salvador. Destemidos, eles avançaram e cercaram a retroescavadeira que devastava parte da margem da Lagoa do Abaeté, uma Área de Proteção Ambiental (APA), e fizeram uma barreira humana entre o equipamento e a cratera aberta durante a pandemia para construir uma estação elevatória de esgoto na lagoa, símbolo turístico, cultural e de religiosidade da capital baiana. 

A construção da estação é uma obra da Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (Conder) e da Empresa Baiana de Aguas e Saneamento S.A (Embasa), autorizada pelo Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema).

“Eles não querem nos receber para discutir a situação e aproveitam que as atenções estão voltadas para a pandemia para começar uma obra ilegal, que sequer tem uma placa indicado os responsáveis e o valor dela”, declarou a antropóloga Clara Domingas, 36 anos, assessora técnica do conselho da APA e integrantes do Fórum Permanente de Itapuã (FPI), entidade criada pelos moradores de Itapuã para preservar a cultura e o meio ambiente da comunidade.  

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Na tarde desta sexta-feira (5), momentos após a manifestação, a Secretaria Municipal de Desenvolvimento e Urbanismo (Sedur) interditou a obra e informou que trata-se de uma intervenção ilegal, já que não há licença de construção e a execução ocorre em uma área de proteção. A construção da Conder deve ficar paralisada até que a documentação seja regularizada.

A pasta informou que, durante a fiscalização, a empresa também foi autuada, o que pode gerar multa que será determinada pela Comissão Julgadora de Autos do órgão. A sanção pode variar de R$ 500 a R$ 5 milhões.

A região se tornou uma Área de Proteção Ambiental das Lagoas e Dunas do Abaeté através do decreto estadual nº 351 de 22 de setembro de 1987 e redelimitado pelo decreto estadual nº 2.540 de 18 de outubro de 1993, com o objetivo de proteger o último remanescente de sistemas de dunas, lagoas e restingas ainda conservadas no município de Salvador. O espaço tem certa de 1.800 hectares, o que equivale a 2,5 campos de futebol. O CORREIO procurou a Conder, a Embasa e o Inema. Por meio de nota, a Conder disse que a partir da notificação emitida pela Sedur, deu início ao levantamento da documentação que atesta a necessidade de uma estação elevatória de esgoto no Parque do Abaeté, "em substituição ao sistema ultrapassado e existente hoje no local".

Também informou que "manteve em aberto todos os canais de diálogo possíveis com a comunidade local em busca de uma alternativa viável para todos os envolvidos, inclusive os comerciantes do entorno da lagoa que defendem a execução do projeto" e disse que "a escolha pelo local não foi aleatória, mas em observância as condições topográficas da área. Entretanto, em atenção a diversas solicitações, alterou o local original ao máximo permitido pela cota topográfica". Por fim, o órgão acrescentou que "a instalação de uma estação elevatória de esgoto ligada a rede pública já existente teve a aprovação da Embasa (operadora da rede) e anuência do Inema (órgão ambiental do estado e gestor do Parque do Abaeté".

Já a Embasa, também por meio de nota, disse que "o projeto da estação elevatória (estação de bombeamento) é da Conder e visa destinar os esgotos coletados nos estabelecimentos comerciais e públicos do parque do Abaeté ao sistema de esgotamento sanitário de Salvador. Atualmente, os esgotos do comércio local, da Casa da Música e da Casa das Lavadeiras são lançados em fossas sépticas, o que representa um risco de poluição na APA Dunas do Abaeté".

Acrescentou ainda que, para aprovar o projeto, fez uma série de exigências para que o equipamento operasse com segurança, como a adoção de um tanque pulmão para conter extravasamentos, geradores para manter o equipamento funcionando no caso de falta de energia e sistema de alarme operacional, para casos de parada nas bombas. Disse ainda que a Conder acatou as exigências.

Por fim, a Embasa informou que não haverá impacto visual do equipamento na paisagem do parque, já que "a estação de bombeamento (elevatória) é um equipamento subterrâneo na forma de um poço ou de poços. As partes visíveis são passíveis de serem incorporadas ao visual das estruturas em concreto já existentes no parque do Abaeté".

Já o Inema informou que, junto com a Conder, "promoveu a adequação do local destinado à implantação da estação elevatória para o esgotamento sanitário". Informou ainda que esse processo de relocação da estação elevatória para o limite possível da cota de implantação ocorreu após tratativas com a Embasa e o Inema. "A Conder atua na região do Abaeté, como parte das obras de urbanização integrada da Baixa do Soronha, comunidade vizinha ao parque. Com recursos captados junto ao Governo Federal, a intervenção promove a melhoria da qualidade de vida de mais de 200 famílias, através da implantação de unidades habitacionais e sistemas de infraestrutura urbana", disse por meio de nota.

O Inema acrescentou ainda que, após a conclusão das obras nessa comunidade, serão iniciados os serviços de construção de uma estação elevatória compacta, que servirá para o esgotamento sanitário dos restaurantes, bares, lavanderias e demais estruturas, com lançamento na rede da Embasa já em funcionamento na ladeira do Abaeté. "Esta estação elevatória moderna irá funcionar com uma tecnologia alemã, priorizando a questão da segurança e  substituindo o já superado sistema de fossas existente, que exige, periodicamente, o esvaziamento por um caminhão limpa fossa. Tal procedimento gera uma série de inconvenientes".

Por fim, o órgão disse que estudos técnicos de topografia e sondagem embasaram a definição do local mais adequado para implantação dessa estação, inclusive por evitar aterro ou tubulação aérea e que "todo processo de definição desta solução teve a anuência do Inema, órgão ambiental responsável pela gestão da Lagoa do Abaeté, que jamais autorizaria uma obra que não fosse trazer benefícios ao meio ambiente". 

Protesto O protesto iniciou com uma caminhada em defesa do Abaeté por volta das 8h, com a concentração no Largo de Cira. Usando máscaras e mantendo distância um dos outros, os manifestantes seguiram rumo à lagoa entoando o refrão: “Negro, negra, negrada, nossa honra tem que ser lavada. População está acuada, a nossa honra tem que ser lavada”. A maioria vestia branco, segurava cartazes pedindo a paralisação da obra, respeito à cultura local e ao povo de matriz africana, que tem a lagoa um local sagrado.

Entre os manifestantes, Verônica Raquel das Virgens, umas das Ganhadeiras de Itapuã. “Estou aqui representado todas elas, que não puderam vir porque fazem parte do grupo de risco da pandemia e por isso estão em suas casas. Mas todas compartilham do mesmo sentimento de luta, de amor pelo Abaeté, berço da nossa cultura, que representa a vida e enquanto estivermos vida vamos lutar”, desabafou. 

As Ganhadeiras de Itapuã vem do momento onde o bairro era apenas uma vila de pescadores e um grupo de mulheres negras já lutava pela subsistência de suas famílias. Elas lavavam de ganho, preparavam peixes e outras iguarias para vender na rua, mercados, feiras. Iam a pé até o centro da cidade, equilibrando balaios nas cabeças. “Essa estação está sendo imposta sem sequer uma audiência pública. Isso é racismo ambiental e estrutural”, completou a ganhadeira.

Ao final do protesto, os manifestantes cercaram a retroescavadeira que abria uma cratera às margens da lagoa. “Não vamos deixar. Isso é um sacrilégio. Respeitem a comunidade, respeitem à natureza, respeitem os orixás, respeitem o povo de santo”, bradava o bailarino Renê Oliveira, 47, filho de santo do terreiro Ilê Axé Guerebetã Gume Sogboada de Itapuã.  Apesar da máquina ter sido retirada do local, os manifestantes estão vigilantes. "Vamos acampar aqui, se necessário, mas não vão continuar", declarou Pedro Abb, integrante do FPI.

Estação A estação de esgoto terá 240 metros quadrados, cercada por um muro de mais de dois metros de altura. Segundo os manifestantes, a Conder tem o aval do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema), órgão responsável por articulação com os órgãos e entidades da administração pública estadual e com a sociedade civil organizada, a fim de dar mais agilidade e qualidade aos processos ambientais.

“A Conder alega que existem sete fossas da década de 90 podem vazar dejetos para a lagoa e que por isso se faz urgente a construção da estação. No entanto, a Conder não nos apresentou nem estudo para que possamos discutir o problema”, disse a assessora técnica do conselho da APA e integrantes do FPI, a antropóloga Clara Domingas. 

Segundo os manifestantes, a Conder e a Embasa haviam se comprometido a realizar uma audiência pública antes do início. No entanto, a população foi surpreendida pela ação da retroescavadeira na terça-feira (2), na margem da lagoa que faz parte da APA (Área de Proteção Ambiental) – Lagoas do Abaeté e é considerada uma Zona de Proteção Visual (ZPV).

O Instituto de Biologia da Universidade federal da Bahia (Ufba) emitiu um parecer desfavorável à obra no local, pontuando que algumas estações elevatórias de esgoto atualmente em atividade na Bahia apresentam um histórico de vazamentos, o que torna inaceitável o risco de transbordamento de esgoto nas águas da Lagoa do Abaeté. Além disso, as estações elevatórias de bairros como Pituba e Ondina são construções subterrâneas, que não apresentam impacto visual algum.  

A estação é para transportar o esgoto dos bares e restaurantes do entorno da lagoa para um central de tratamento. Os manifestantes sugerem alternativas sustentáveis como a substituição da estação por uma bacia de evapotranspiração, conhecida popularmente como “fossa de bananeiras”, é um sistema fechado de tratamento de água usada na descarga de sanitários convencionais. Este sistema não gera nenhum efluente e evita a poluição do solo, das águas superficiais e do lençol freático. Nele os resíduos humanos são transformados em nutrientes para plantas e a água só sai por evaporação, portanto completamente limpa.