Médicos criam soluções simples focadas no bem-estar do paciente

Receitas com adesivos, vídeos no Whatsapp e cardápio ilustrado são algumas das soluções baratas e replicáveis

Publicado em 23 de setembro de 2019 às 06:20

- Atualizado há um ano

. Crédito: Marina Silva/CORREIO

Lembra de quando você ia ao médico e saia de lá com uma receita que nem você, nem mesmo o farmacêutico entendia? Se depender de uma nova geração de profissionais de saúde essa realidade será cada vez mais rara. Caso da dupla de médicas residentes do Hospital das Clínicas Ana Elisa Almeida, 25, e Mariana Fontes, 27, que criou uma linha de adesivos personalizados para prescrição.

Uma maneira de humanizar o atendimento, especialmente na assistência básica - mas não só nela. "O modelo de atenção à saúde do SUS se centra em níveis de complexidade dos serviços: o primário, que deve atuar como um filtro inicial; o secundário, que diz respeito às consultas marcadas, ao ambulatorial; e o terciário, que engloba os hospitais e é voltado para casos de média e alta complexidade. Na atenção básica, já há uma sensibilidade para essa comunicação, que não é vista nos outros níveis de atenção", comenta Ana Elisa, que durante as disciplinas da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública aprendeu sobre a importância de se estabelecer um vínculo com os pacientes de forma mais horizontal, percebendo suas necessidades, as formas de se comunicar e também suas limitações.

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Mas foi quando começou a atender em posto de saúde que ela e a amiga Mariana se depararam com a necessidade de detalhar melhor as indicações aos pacientes. "A gente já encontra profissionais que usam fitas coloridas, que fazem marcações com canetinhas, isso a gente já vê foi algo que nos sensibilizou e motivou a criar os adesivos. No contexto da residência médica, em que estamos hoje, a gente já vê menos, até mesmo por conta do número de atendimentos", ressalta Ana Elisa. Profissionais do Instituto Couto Maia também aderiram a adesivos como instrumentos para prescrição ilustrada, facilitando a compreensão dos pacientes (Foto: Reprodução/Instagram) Diferente dos desenhos feitos a mão, os adesivos proporcionam mais agilidade e facilidade para os profissionais de saúde que não têm tanta habilidade com os trabalhos manuais. As cartelas criadas por elas são ordenadas por turno (se pela manhã, no almoço, ou à noite), via de administração (xarope, nebulização, comprimido, colírio) e indicações de uso (coração, tireóide, acbeça, estômago). "É um material mais prático poque nem todo mundo consegue desenhar, e o adesivo é replicável", comenta Mariana, ao dizer que a medida implica completamente no cuidado, e na resposta ao tratamento. Juntas, as duas fizeram uma parceria com uma papelaria, que comercializa as cartelas a R$ 6 cada pela internet (www.criativopapel.com.br).  (Foto: Marina Silva/CORREIO) A ideia da prescrição médica ilustrada com adesivos foi finalista no prêmio Intel e Razões para Acreditar, que visa aprimorar rojetos que estão fazendo um impacto social e inovando a partir do uso de computadores para solucionar questões da sociedade nas áreas da Saúde, Educação, Diversidade e Comunidade/Inclusão Social.  Ana Elisa Almeida (Foto: Marina Silva/CORREIO) Mariana Fontes (Foto: Marina Silva/CORREIO) A receita visual é recomendada para pessoas que têm dificuldade em se organizar, que tomam muitos medicamentos ou mesmo para quem não sabe ler. Caso de Dona Cris, paciente do dentista Ricardo Cayres. Por não ser alfabetizada, vinha tomando o anti-hipertensivo de forma errada, fora dos horários e intervalos indicados pelo clínico, o que a impediu de realizar uma extração.

Foi o dentista que a encaminhou para um cardiologista, e para não haver falha na comunicação, ele fez uma espécie de carta onde relatava o problema da paciente. "O médico tem o dever de explicar ao paciente, só que geralmente ele pe leigo, e pode não saber explicar o que se passa corretamente ao colega. O encaminhamento para interconsulta é muito importante para facilitar essa comunicação", explica Cayres, que alerta que essa é uma forma também de evitar a compartimentalização do paciente.

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Essa foto é a nossa querida Dona Cris! Ficou conhecida pela receita ilustrada que fiz para fazê-la entender os remédios que deveria tomar, pois, como não era alfabetizada, estava tomando as medicações de forma errada e as mesmas não estavam fazendo efeito. . Pois bem. A primeiro foto mostra como ela se acostumou a rir ao longo dos anos. Sempre com uma das mãos na frente da boca, escondendo a ausência de alguns dentes. . Havia me comprometido com ela que a daríamos um sorriso novo! Pois bem, promessa feita, promessa cumprida! . Depois de todas as fases de adequação, preparação, hoje Dona Cris retornou e a imagem fala por si só: uma felicidade que não cabía no peito. Sorriso novo e coração transbordando!!! . Nessa história, todos nós aprendemos algo. Aprendemos que a humanização faz diferença, aprendemos sobre o respeito e amor ao próximo (um dos principais mandamentos de Deus), e aprendemos que na vida, devemos deixar um caminho de bem! . Agora é só sorrir muito e nada de mão na boca! ???????????? #IrmaosDentistas #Odonto #Odontologia #Dentistry #DentistaEmDiasDavila #DentistaEmMadre #DiasDavila #MadreDeDeus #LauroDeFreitas #Itinga #SimoesFilho #OdontoPorAmor #Odontopediatria #Odontopediatra #Implantodontia #Periodontia #Dentistica #Ctbmf #Endodontia #Ortodontia #Estomatologia #Estetica #Criança #MaeDeMenino #MaeDeMenina #HarmonizacaoOroFacial #Love #Instagood

Uma publicação compartilhada por Dr.Ricardo e Dra.Raiane Cayres (@irmaosdentistas) em

Também por conta de uma mãe analfabeta, que não conseguia seguir a dieta escrita, o setor de Nutrição do Hospital Martagão Gesteira desenvolveu um cardápio ilustrado. "Nossa realidade é SUS e pediátrica, então vamos nos adaptando conforme essa realidade. O cardápio surgiu da demanda de uma mãe, que não sabia ler, mas o legal é que mesmo a criança pôde acompanhar melhor suas própria dieta. Nele, nós indicamos as medidas, os alimento substitutos para manter os níveis calórico e proteico recomendados", comenta a coordenadora do serviço Aline Ramalho, que também é membro da comissão de humanização do hospital. 

O projeto do cardápio ilustrado foi vencedor de uma premiação interna do Martagão Gesteira e, em breve, deve ganhar uma versão em e-book, a fim de facilitar a replicação por outras inidades de saúde. Desde 2000, o Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar oferece princípios, diretrizes, métodos e dispositivos que determinam o modo de fazer a gestão e a atenção "humanizadas", mas não diz diretamente o que cada serviço deve fazer, propondo que as instituições elaborem estratégias adequadas às suas realidades locais.

Apesar de ser vedada a caligrafia ilegível de médicos na prescrição, ainda ocorrem denúncias de pacientes levadas aos Conselhos de Ética face a problemas decorrentes de receituário com letra ilegível. Uma das implicações mais perigosas é a troca de medicação, o que pode causar danos às vezes irreparáveis ao paciente, daí decorrendo a obrigação de o médico responder em ações civis ou penais por culpa profissional, por conduta negligente.

"Eu advogo em direito médico desde 2006, e só vi uma vez um médico ser processado por conta da caligrafia. Mas, eu vi, e foi há pouco tempo. Os prontuários eletrônicos reduziram esses casos, mas ainda tem muita queixa de paciente nesse sentido. O que acontece também é que muitas vezes as pessoas não formalizam as queixas", explica a advogada Camila Vasconcelos, Coordenadora do Eixo Ético-Humanístico da Faculdade de Medicina da Ufba e especialista em Direito Médico.

Slow medicine Dedicar tempo para ouvir o paciente; refletir sobre as decisões, que devem ser sempre tomadas levando em conta os valores, expectativas e preferências do paciente; ter como meta a qualidade de vida da pessoa, o que pode significar intervir menos. Princípios básicos da medicina que estão cada vez mais em falta. Para resgatar tais valores, profissionais de diferentes países têm se unido em torno da filosofia conhecida como slow medicine, que deve ser traduzida como medicina sem pressa.

Consultas mais demoradas são um dos pilares da filosofia - a ideia é que o paciente seja visto como uma pessoa completa, não como um conjunto de enfermidades -, mas há outros aspectos envolvidos.

Os exemplos mostrados acima, por exemplo, tangenciam essa perspectiva, que cada vez mais ressalta a necessidade de se olhar para os profissionais de saúde. "A gente oferta aquilo que a gente tem. Acredito que para falar em saúde, eu preciso ser exemplo. Como é que um profissional doente pode cuidar do outro? A gente precisa estar bem! Se eu estou bem, o paciente tem uma melhor adesão ao tratamento", explica Mariana Fontes.

Para ela, a grande virada de chave para uma comunicação focada no bem-estar do paciente está no próprio bem-estar médico. "Há um endeusamento de pessoas que dão maratona de plantão, que perdem noite, mas isso a longo prazo traz prejuízos à saúde - a longo prazo, eu estou sendo generosa, porque até a curto prazo, a gente vê problemas, como os erros médicos ocasionados por essa estafa, comenta.CINCO CUIDADOS BÁSICOS PARA ASSEGURAR O BEM-ESTAR DO PACIENTE - Receitas impressas  - Comunicação entre médicos e outros profissionais de saúde com cartas/relatórios - Oferecer opções de tratamento/medicamentos - Convocar a família se possível, caso o paciente tenha dificuldade de compreensão ou de gerir seu próprio cuidado - Não negligenciar a comunicação interpessoal ("orientar" também é prescrever, se certificar se o paciente entendeu, questionar se há dúvidas, indagar o paciente sobre motivos de não haver adesão a um tratamento, etc)