Mirante da Serra das Baleias

Por Júlio Ernesto Baumgarten* e Maria Isabel Gonçalves**

  • D
  • Da Redação

Publicado em 6 de maio de 2018 às 05:30

- Atualizado há um ano

As baleias estão chegando! Este pensamento, que há poucos anos vinha à mente apenas de pesquisadores e acadêmicos quando o inverno se aproximava, hoje é comum para os habitantes de todo o litoral baiano. Com o fim da caça comercial em 1987, as baleias jubarte começaram a se recuperar e a repovoar nosso litoral. Rapidamente, elas se tornaram protagonistas do então recém-criado Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, desbancando os fantásticos e  exclusivos corais cérebro como estrelas da região. Na última década, elas começaram a marcar presença também no litoral norte da Bahia.

A comunidade da vila de Serra Grande, cerca de 35 km ao norte de Ilhéus, tem o privilégio de acompanhar a temporada de reprodução das jubartes a partir de pontos de observação de até mais de 90 metros de altura junto à praia. Situação única na região Nordeste, que permite o avistamento dos cetáceos até vários quilômetros da costa. O mirante de Serra Grande, cartão postal da região, é agora também o mirante das baleias.

Um trabalho científico recentemente publicado na revista Journal of the Marine Biological Association of the United Kingdon, desenvolvido na região por pesquisadores do Laboratório de Ecologia Aplicada à Conservação da Universidade Estadual de Santa Cruz (LEAC/UESC), mostrou como as baleias jubarte estão usando a área para terem os seus filhotes além do Arquipélago dos Abrolhos, conhecido como o principal berçário da espécie na costa brasileira. “Este estudo apoia a expansão das áreas de reprodução das baleias jubarte na costa brasileira. Como o número de baleias está aumentando, elas tendem a se espalhar por toda a costa” explica a Doutora Maria Isabel Gonçalves, que desenvolveu sua tese na região de Serra Grande.

"Nós verificamos como as baleias mudam o uso do habitat ao longo da temporada reprodutiva. Elas se aproximam mais da costa com o passar do tempo, pois com o nascimento dos filhotes esta zona de águas mais rasas e quentes provavelmente dão maior proteção contra predadores, assim como de machos que estejam procurando fêmeas para acasalar”, diz Maria Isabel. “Os machos tendem a se agrupar para competirem pela fêmea, ficando mais agitados e muitas vezes apresentando comportamentos espetaculares como saltos, batidas de caudal e batidas de peitoral. Essa agitação pode assustar e afastar o filhote da sua mãe, reduzindo o tempo de amamentação, e, portanto, aumentando o gasto energético de ambos. Desse modo, as mães preferem ficar mais perto da costa, onde elas conseguem se dedicar exclusivamente a cuidar do recém nascido. Estas características vão beneficiar o crescimento dos filhotes, tendo melhores condições de sobreviver e crescer nos primeiros meses de vida, se preparando para a sua primeira migração, de aproximadamente 4.000 km rumo às águas mais frias do Sul para a alimentação” completa a pesquisadora.

“Por outro lado, quando as fêmeas com filhote precisam de se deslocar mais afastadas da costa, parece ser interessante ter um macho para as acompanhar, como um guarda-costas, podendo evitar a aproximação de outros machos. Desse modo, verificamos que as estratégias sociais são influenciadas por fatores ambientais como distância à costa e profundidade” acrescenta Maria Isabel.

Este trabalho faz parte do projeto, apoiado pela Universidade Estadual de Santa Cruz, a Cetacean Society International, a Arim Componentes e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, envolveu o monitoramento visual e acústico das baleias jubarte na região de Serra Grande no município de Uruçuca, e contou também com a colaboração de vários pesquisadores de instituições de ensino como a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), pelo Laboratório de Bioacústica; a Universidade de São Paulo (USP), pelo Laborátorio de Acústica e Meio Ambiente; e de projetos independentes como o VIVA baleias, golfinhos e cia.

Os resultados desse estudo podem servir agora como uma referência para o acompanhamento do estado de conservação dessa população de baleias. É importante lembrar que as baleias jubarte passam apenas o período reprodutivo aproveitando as águas da Bahia. Na primavera e verão, essas gigantes frequentam as águas frias e produtivas das altas latitudes, onde se alimentam. Eventuais flutuações na oferta de alimento nas águas antárticas, causadas por fenômenos naturais e cíclicos como o El Niño e La Niña, ou pela ação humana, como as mudanças climáticas e a poluição, devem influenciar a saúde e a intensidade da migração para o norte no inverno.

Do alto dos mirantes da vila de Serra Grande, conhecida pela presença dos ultimos jangadeiros tradicionais e com a extensa Mata Atlântica servindo de pano de fundo, qualquer um pode contemplar a presença das baleias jubarte com os seus filhotes bem próximos à costa. A comunidade local pode participar junto com os pesquisadores no monitoramento da presença e comportamento das baleias na região e alterações nos padrões que podem refletir fatos e eventos, não apenas regionais, mas que ocorrem em pontos muito distantes do planeta. É, de fato, um lugar único na nossa costa que permite unir conhecimento,  educação e turismo.

*É professor titular do Departamento de Ciências Biológica da Universidade Estadual de Santa Cruz UESC - [email protected]

**É pesquisadora da Laboratório de Ecologia Aplicada a Conservação da UESC - misabelcgoncalves @gmail.com