Modelo é condenada por roubo em cidade que não estava, diz defesa

Defesa expõe fotos de Babiy, no dia do crime, trabalhando como modelo em Guarujá

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  • Kalven Figueiredo

Publicado em 24 de agosto de 2018 às 13:25

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Acervo Pessoal

A modelo Bárbara Querino, 20, moradora de São Paulo, foi condenada a cinco anos e quatro meses de prisão, pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). Apesar da decisão tomada no último dia 10 de agosto, familiares e amigos garantem que a decisão do tribunal passou longe da justiça. Há fotos, vídeos e duas testemunhas que provam que no dia do referido crime que Babiy é acusada ela estava trabalhando em um evento como modelo, diz a defesa. Além disso, há um réu confesso que assume toda a culpa e garante que Babiy não tem participação alguma no roubo. Mesmo assim, o TJ-SP a condenou à prisão por 5 anos e quatro meses.

Entenda o caso Tudo começou na manhã de sábado, 4 de novembro de 2017, por volta das 9h. Babiy saiu de sua casa para visitar uma amiga e estudar para o Enem, que aconteceria no dia seguinte. No meio do caminho encontrou sua vizinha Mayara Santos e parou um pouco para conversar quando foi surpreendida por policiais que já chegaram perguntando: “Cadê a chave do carro?”. O relato é da amiga Mayara Vieira, 23, assistente social que hoje coordena uma campanha para tentar divulgar o caso e ajudar Babiy a provar sua inocência.

Ainda segundo a amiga da modelo, Babiy teria dito que não sabia de chave nenhuma, mas foi contestada pelos policiais que continuaram a acusá-la e ainda argumentaram que tinham imagens dela e de sua vizinha, que estava presente no momento da abordagem, perto da BMW roubada. 

Mayara defende que Babiy nunca se envolveu em crime algum. Ela ganhava a vida sendo freelancer de modelo e dando aulas de dança. “Ela comentava comigo sobre o irmão, dizia que ele estava envolvido em vários crimes. Por isso, eles brigavam muito. Chegaram ao ponto de se agredir porque ele queria guardar tudo na casa deles e ela o proibiu”, lembra. 

A história é confirmada pela mãe de Babiy, a auxiliar de limpeza Fernanda Querino, 38, que lamenta a falta que sua filha faz. Presa desde janeiro deste ano, a filha mais velha já não consegue auxiliar sua mãe com as despesas de casa, tampouco com o cuidado de seus outros cinco irmãos menores. 

Fernanda explica ainda que no momento da abordagem, enquanto Babiy tentava dizer aos policiais que não tinha relação com o roubo da BMW, o irmão dela, Wesley Querino, 19, guardava os pertences que a vítima tinha deixado no carro em um quartinho alugado de William Querino, sobrinho da auxiliar de limpeza e primo dos meninos. Os policiais descobriram este local e prenderam todos que estavam lá, incluindo a cunhada de Babiy e mais dois amigos de Wesley. Foto: Divulgação  Todos os sete foram para o 98º Distrito Policial de Jardim Miriam, onde foram mantidos por 16 horas em um camburão e apresentados à imprensa como uma quadrilha especializada em roubo de carros. “Eles inventaram uma quadrilha que nunca existiu, porque minha filha nunca participou de crime algum”, lamenta Fernanda.

As meninas foram liberadas por volta das 3h da manhã. “Eu lembro que ela chegou em casa, descansou um pouco e foi fazer a prova do Enem no dia seguinte”, lembrou a mãe. Ela ainda relata que após toda a confusão, foram dias tranquilos até os meados de dezembro, quando os jornais locais começaram a exibir a foto de Babiy como se ela fosse uma foragida da polícia.

“A reportagem dizia que a menina que fazia parte da quadrilha de roubo de carros, nomeada como Os Piratas do Asfalto, estava foragida. Mas na verdade não mandaram intimação alguma avisando”, relembra Fernanda. 

A mãe ainda conta que tudo aconteceu muito rápido e pouco tempo depois, em janeiro, os policiais chegaram em sua casa com a ordem de prisão. “Ela nem estava em casa na hora, eu liguei para ela desesperada, ele tava voltando de um trabalho. Estava tranquila e disse que viria para casa porque não devia nada e iria resolver essa confusão”, narra a mãe. 

Ao chegar em casa Babiy foi levada e permanece presa desde então. Elas ainda questionaram a falta de intimação, mas os agentes policiais alegaram que não havia chegado devido às festas de fim de ano. 

O advogado que vem cuidando do caso, Bruno Cândido, explica que a prisão de Bárbara não tem relação com o dia em que ela foi presa, mas com as fotos que foram tiradas e espalhadas nos grupos de facebook e WhatsApp. Prints das postagens repassadas em grupos policiais com a foto de Babiy (Foto: Reprodução / Acervo pessoal) Prints das postagens repassadas em grupos policiais com a foto de Babiy (Foto: Reprodução / Acervo pessoal) “Houve um comportamento antidemocrático por parte de policiais que, representando o estado, cederam imagens de pessoas que não haviam nem passado ainda pelo contraditório”, denuncia. “Dentro da própria instituição policial foi comprovado que Bárbara não havia cometido crime nenhum e ainda assim permaneceu na delegacia o seu registro no fichamento e esse fichamento foi usado para induzir vítimas a crerem que Bárbara havia cometido dois crimes, nos dias 10 e 26 de setembro”. 

Primeiro crime Babiy é acusada de dar suporte a uma quadrilha em um roubo no semáforo. As vítimas do assalto afirmam que viram uma menina ao longe, de costas, desviando os carros enquanto os meninos efetuavam o roubo. “O marido, a esposa e a filha estavam no carro e dizem reconhecer a Bárbara pela estatura e pelo cabelo, mas eles não viram o rosto dela”, argumenta Mayara. Postagem no perfil oficial da agência de modelos que convidou Bárbara para o evento. A postagem tem a mesma data do suposto crime que Babiy teria cometido. (Foto: Reprodução) A defesa ainda conseguiu fotos e vídeos de Bárbara em um evento no Guarujá, quando trabalhava como modelo, na data do referido crime. “Ela fazia parte da Nyt Models que a convidou para participar desse evento com outras modelos. O grupo saiu de São Paulo, no dia 9; passou em Guarulhos para pegar um outro grupo de modelos e de lá foram para o Guarujá. Ela só voltou à São Paulo no dia 11, à noite” esclarece Mayara. Bárbara aparece rapidamente no vídeo que teria sido gravado no dia 10 de setembro, enquanto participava de um evento de modelos no Guarujá. (Foto: Reprodução / Acervo pessoal) A sentença do TJ-SP afirma que as fotos e vídeos no dia do crime  que comprovariam que Babiy não estava em São Paulo no dia do crime não estavam datadas, por isso não poderiam ser consideradas.

O advogado condena as provas utilizadas pela acusação, nas quais a sentença é fundamentada. “São provas produzidas na delegacias, que são nulas. Os policiais influenciaram o depoimento das vítimas. Em um dos relatos inclusive, a vítima narrou que o delegado é vizinho dela e que ele mesmo pegou o telefone e apontou a Bárbara como a integrante de uma quadrilha de roubo de veículos. O estado não pode fazer isso, as vítimas foram influenciadas e foram provocadas nelas o que a gente chama de falsas memórias”, afirma o advogado. 

Ele ainda classifica a condenação como racismo institucional. “É você condenar uma pessoa simplesmente por ser quem ela é. Jovem, negra e periférica”, aponta. Bruno também aponta como absurda a atitude dos policiais, a serviço do estado, cederem as imagens de Bárbara para imprensa e ainda disseminar essas fotos em grupos de policiais para saber se alguém reconhecia a jovem.

Segundo crime Após a condenação no caso do dia 10, a família e a defesa temem que Babiy seja condenada novamente. Para esta segunda acusação, seu álibi é estar em casa cuidando de seus irmãos. 

Bárbara é acusada de roubar um carro sozinha, no dia 26 de setembro de 2017, enquanto outros dois meninos atacavam o carro da frente. A modelo foi reconhecida por uma das vítimas, segundo a polícia. Para o advogado, também houve indução neste caso. A ocorrência já foi julgada, mas a sentença ainda não saiu.

Nova evidência Uma modelo que prefere não se identificar apareceu na última quinta-feira (24) e entrou em contato com os amigos de Babiy dizendo que esteve com ela durante o evento no Guarujá. A testemunha ainda cedeu imagens que estão armazenadas no Google Fotos em que Bárbara aparece com um grupo de modelos na praia. Foto: Reprodução / Acervo Pessoal Em um áudio, a modelo ainda afirma ter chegado com Bárbara em São Paulo por volta de 22h, do dia 11 de setembro de 2017. “Tô aqui morrendo de dó do que a Bárbara tá passando. Podem contar comigo para o que precisarem, porque agora vocês ganharam uma amiga”, afirma.

Esta nova prova será incluída pela defesa no recurso do caso. O advogado da modelo já deu entrada com pedido de recurso e agora está aguardando aprovação do Ministério Público de São Paulo.