Monte Santo: população salva imagens sacras em incêndio de igreja

Moradores e jovens que encenavam Paixão de Cristo arrombaram porta da frente e se arriscaram para resgatar Nosso Senhor dos Passos e Nossa Senhora das Dores

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  • Alexandre Lyrio

Publicado em 21 de abril de 2019 às 08:17

- Atualizado há um ano

População usou água de carros-pipa para debelar fogo (Foto: Ricardo Prado/Divulgação) Nas primeiras horas do sábado de aleluia, um dos destinos religiosos mais populares do Sertão baiano passou do calvário à ressureição em apenas uma madrugada. Atingida por um incêndio de causas ainda desconhecidas, a Igreja Matriz de Monte Santo, no Nordeste da Bahia, chegou bem perto de perder o seu valioso acervo de imagens sacras feitas em madeira do início do século 19.

Quem vê o cinza nas fotos e vídeos após as chamas debeladas acredita que tudo que estava ali se destruiu. Mas, eis que as imagens de Nosso Senhor dos Passos e Nossa Senhora das Dores, as mais valiosas do templo, escaparam intactas. O mesmo aconteceu com as imagens de Nossa Senhora da Soledade, São João Evangelista e Senhor Morto no Caixão, também em madeira, e a imagem de gesso do Sagrado Coração de Jesus.

Confira fotos e vídeos do incêndio

Pratarias, peças banhadas a ouro e até vestes litúrgicas com mais de cem anos foram destruídas, além móveis e teto. Mas, na véspera da Páscoa, as imagens sacras ressurgiram em meio à fumaça graças ao heroísmo da população, movida pela fé, seja nos santos católicos ou na história do templo e suas relíquias. Os moradores enfrentaram o fogo e os gritos do Diácono Albeci Vieira, que está prestes a se tornar padre e vive na casa paroquial ao lado da igreja. Antes das 3h da manhã, ele foi alertado por um segurança da rua sobre o possível incêndio e chamou a Polícia Militar e os Bombeiros.

As chamas se espalhavam rapidamente e, em uma cidade sem Corpo de Bombeiros, tudo parecia perdido. Foi quando um grupo de jovens que, mais cedo, encenou a Paixão de Cristo, resolveu arrombar a porta da frente do templo. “Eu e os policiais gritávamos desesperadamente para que eles saíssem, mas não teve jeito. Colocaram a vida em risco e isso não foi correto”, diz o religioso.

Um dos jovens da Companhia de Teatro Noite de Reis, que ajudou a arrombar a porta da igreja, disse que não conseguiria assistir tanta história se perder sem fazer nada. “Foi uma cena difícil, principalmente pra gente que cresceu aqui e conhece a história. O nosso diretor avistou a fumaça e suspeitou que vinha da igreja. Pegamos um banco de madeira e arrombamos uma das portas”, narra o músico e ator Antonio Bruno Pinheiro, 25 anos, que ajudou a tirar de dentro da igreja algumas das principais relíquias.  

Bruno passou mal ao inalar fumaça e foi atendido na Upa da cidade junto com outros quatro colegas. A estudante Luana Maria Almeida, 23 anos, que também atuou na peça, chegou a desmaiar depois de resgatar a imagem de Santa Terezinha. “Não pensei duas vezes e entrei. Sei que corri riscos, mas não me arrependo”, que estava junto com os outros na confraternização após a apresentação.  

O diretor do espetáculo disse que, antes de os Bombeiros chegarem vindos de Juazeiro, carros-pipa da cidade ajudaram no combate ao fogo. “Os meninos entraram em desespero, arrombaram a igreja e conseguiram tirar de lá o que puderam. Enquanto isso eu ligava paras as autoridades da cidade e outros moradores, que providenciaram carros-pipa”, conta Ivan Santanna, que todos os anos monta a peça.

Houve também quem usasse escadas e se arriscasse até o telhado para quebra-lo, permitindo que a água dos carros-pipa atingissem a parte interna da igreja. Foi o caso do comerciante Marivan Barbosa Dantas, 42 anos, que fez um trabalho de bombeiro junto com outros tantos moradores.

“Tenho medo de altura, mas a gente precisava fazer alguma coisa. Peguei a escada e fui para o outro lado. Deus me deu força e coragem. Subi, quebrei algumas telhas e apaguei alguns focos com a mangueira do carro pipa”, lembra Marivan. Apesar do incêndio, a programação religiosa foi mantida na praça da cidade. A Polícia Civil vai investigar o caso.  

Intolerância

Não foi a primeira vez que as centenárias imagens de Nosso Senhor dos Passos e Nossa Senhora das Dores “ressuscitam”. Em 2003, elas foram vítimas de possível intolerância religiosa. Esculpidas em tamanho natural, foram arrancadas de suas capelas e queimadas. Sobraram apenas as cabeças das duas imagens, além do braço direito e o tronco chamuscado do Senhor dos Passos.

A destruição das imagens causou comoção em Monte Santo, mas elas foram restauradas anos depois. O curioso é que esse tema foi tratado na última missa antes do incêndio, na noite da sexta-feira da paixão. “Na homilia, o Diácono falou sobre o que essas imagens passaram ao longo da história. Novamente, elas se livraram da destruição total”, disse Ana Dária Pereira, presidente da irmandade da Igreja Matriz.

O nome Monte Santo se refere à serra da cidade em que no alto se encontra a Igreja da Santa Cruz, onde ficam tanto o Senhor dos Passos quanto a Senhora das Dores. Durante a Semana Santa, na madrugada, as duas imagens são trazidas em procissão para a nave central da Igreja Matriz, que tem mais de 200 anos. Na Páscoa deste ano, mais de 10 mil pessoas visitam a cidade para fazer e pagar promessas ou simplesmente conhecer a fé de sua população. “Monte Santo é movida pela fé e foi erguida em cima dessa fé. Seria triste assistir essa história ser destruída”, diz a professora Laiane Almeida.

Campanha

Por conta dos prejuízos sofridos pela Igreja Matriz, o Diácono divulgou a conta bancária em que fiéis, moradores e visitantes de Monte Santo podem fazer depósitos.

Banco Bradesco

Agência: 3621

Conta corrente: 7245-1

Diocese de Bonfim Paróquia de Monte Santo

CNPJ: 13.833.801/0013-13