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Bruno Wendel
Publicado em 21 de janeiro de 2019 às 18:00
- Atualizado há 2 anos
Os respingos de sangue no chão do Caminho 4F reforçam as lembranças de um momento de terror e que, dificilmente, os moradores de Vila Nova de Portão, em Lauro de Freitas, esquecerão. >
No entorno do campo de futebol, único local de distração da comunidade, marcas de tiros em paredes, resquícios de uma bomba de efeito moral e uma poça de sangue de um dos três baleados - o auxiliar de produção industrial Herbert Farias, 26 anos, jogador atingido durante um campeonato local, após uma ação da Polícia Militar, no domingo (20). O caso aconteceu na localidade de Pé Preto, bairro de Portão.>
O relato dos moradores é contrário à versão oficial dada pela Polícia Militar, de que houve uma troca de tiros entre os policiais e bandidos da localidade, que acabou com os baleados - sendo um morto."Eles cercaram tudo. Vieram em cinco viaturas e já desceram atirando, foi um pânico total. Foi terrível. Era um campeonato de futebol, tinha umas 200 pessoas. Não respeitaram os pais e mães de família, os jovens e as crianças", disse uma testemunha que preferiu não se identificar.Herbert, atingido na região do peito, está internado no Hospital Geral Menandro de Faria, em Lauro de Freitas. Ele não corre risco de morte. Além dele, foram baleados um adolescente de 16 anos, ferido de raspão na perna e socorrido para o Hospital Geral do Estado (HGE), e um rapaz apelidado de Cágado – na versão oficial, ele chegou já morto ao HGE, mas a população garante que foi executado em um matagal, pois era envolvido com o tráfico e seria o alvo da operação. >
Jogo interrompido Tudo aconteceu em um dia que prometia ser de diversão para a comunidade. Por volta das 11h30, a bola rolava para Chapecoense x Sem Querer, pela segunda rodada do Campeonato de Novos da Vila Nova – um tradicional torneio de moradores de Portão. Quando o jogo chegou aos 30 minutos do segundo tempo, foi interrompido.>
Nesse momento, os moradores relatam que policiais chegaram em cinco viaturas, já com arma em punho. Segundo relatos, foram mais de 50 tiros. “Atiraram sem parar. Foram muitos disparos. Herbert estava sentado quando foi atingido. Ferido, ele gritava para os policiais: ‘sou trabalhador, não sou envolvido não’. Foi terrível”, relatou outra testemunha. Herbert era jogador do Sem Querer e estava no banco de reservas quando foi baleado. Ele teve mais sorte que Cágado, que, segundo testemunhas, foi levado para um matagal na companhia de outro rapaz. >
“Lá, eles mataram Cágado. Deram muitos tiros nele", disse um morador. Segundo ele, a vítima foi exibida como um troféu."O corpo foi arrastado pra todo mundo ver e jogado no porta-malas da viatura. Já o outro rapaz, que estava ferido na perna, estava algemado e foi jogado na viatura junto com o corpo. A gente pensou que eles (policiais) iam terminar o serviço depois, mas ele está vivo”, completou. Campo onde ocorria o campeonato; jogo interrompido e três baleados. Um morreu (Foto: Bruno Wendel/CORREIO) Terror O sentimento é o mesmo para todos os moradores da comunidade de Pé Preto que aceitaram conversar com o CORREIO: terror. Eles aceitaram narrar o que viram no fim da manhã do domingo, mas todos pediram anonimato. O motivo é o medo de represálias.>
Segurando o pino e os fragmentos da bomba de efeito moral lançada pelos policiais na multidão, uma testemunha contou:“Além de atirarem para todos os cantos, lançaram bombas de efeito moral. Tinha muita criança no local. Algumas precisaram de atendimento médico por causa do cheiro do gás das bombas”.Outra relata que, por pouco, não teve o mesmo destino dos atingidos. Ele estava perto de Herbert e precisou se jogar no chão para escapar. Restos de bomba de efeito moral são exibidos por morador (Foto: Bruno Wendel/CORREIO) "Eu estava na mesma direção dos três baleados. A minha sorte foi que, quando vi os policias descendo, já armados, me joguei no chão. Em seguida, só ouvi os tiros. Fui engatinhando até o outro lado do campo e os policiais passando por mim, atirando contra as pessoas. Nunca vou esquecer essa cena”, declarou. >
Hábito Os relatos apontam ainda que a ação truculenta do domingo não foi um fato isolado. “Esse campeonato acontece há mais de dez anos. Eles não sabiam que no campeonato isso aqui não estaria cheio de gente? Tinha bem umas 200 pessoas", reclamou um jogador."Essa atitude de chegar atirando é uma prática comum deles (policiais). Vez e outra é assim. Chegam atirando, xingando, batendo em todo mundo, sem distinção. Para eles, todo mundo que mora em favela é bandido”, completou.PM apura Em nota, a Polícia Militar informou que a “Corregedoria da Polícia Militar já instaurou procedimentos investigatórios para apurar as duas ocorrências atendidas pela PM em Portão, Lauro de Freitas, neste domingo (20)".>
Disse ainda que "a PM ouviu ontem (domingo) mesmo os policiais militares da Companhia Independente de Policiamento Tático (CIPT)/Rondesp RMS, sobre um auto de resistência, e da 52ª CIPM, que efetuaram disparos, cujas imagens estão sendo divulgadas nas redes sociais”.>
Sobre as acusações dos moradores, a Corporação afirmou que denúncias devem ser formalizadas na Corregedoria ou Ouvidoria (através do site www.pm.ba.gov.br ou do telefone 08002840011) da Polícia Militar, para que sejam investigadas. A identidade do denunciante será mantida em sigilo.>
Segundo a PM, foram apreendidos com os suspeitos dois revólveres calibre 38, 53 papelotes de maconha, 125 pinos de cocaína, 25 pedras de crack e R$ 189 em espécie. O material e a ocorrência foram apresentados à 34ª Delegacia (Portão). >