MP entrará com ação contra governo do estado para suspender concessão do Palácio Rio Branco

Governo não acatou a recomendação do MP para suspensão; reunião de licitação acontece na manhã desta quinta (20)

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  • Carolina Cerqueira

Publicado em 19 de janeiro de 2022 às 18:50

- Atualizado há um ano

. Crédito: Divulgação/Setur

O Ministério Público da Bahia (MP-BA) informou que entrará com ação civil pública contra o governo do estado. O motivo é a recusa do governo em acatar a recomendação do MP para suspensão por 30 dias da concessão à iniciativa privada do Palácio Rio Branco, situado na Praça Tomé de Souza, no Centro Histórico de Salvador. A reunião de licitação está mantida e acontecerá nesta quinta (20), às 9h, na sede da Secretaria de Turismo (Setur).

As promotoras Cristina Seixas e Rita Tourinho alegam preocupação com a preservação do patrimônio público. “O MP tem agora o dever de adotar providências judiciais para, ao mínimo, garantir a transparência para a elucidação de dúvidas que ainda restam em relação à concessão. Uma vez não acatado, a gente só tem um caminho: a judicialização”, declarou Cristina Seixas.O edital de licitação foi publicado no Diário Oficial do dia 18 de dezembro de 2021, informando a concessão para a iniciativa privada para a transformação do Palácio em hotel de luxo em janeiro deste ano. O Palácio Rio Branco é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), pois faz parte do conjunto arquitetônico do Centro Histórico. Dessa forma, a venda do imóvel não é permitida, mas a concessão, sim. 

O palácio foi construído em meados do século XVI, se tornando a primeira Casa de Governo do Brasil. O espaço pertence ao governo do estado, por meio da Setur. Atualmente, a Secretaria de Cultura da Bahia (Secult) administra o local, que abriga sua sede. O palácio também possui um museu e está fechado para visitação desde o início da pandemia. 

De acordo com a promotora de Justiça Cristina Seixas, o processo vem sendo analisado pelo MP desde 2019, quando a intenção de concessão veio a público, e o órgão foi surpreendido pela abertura da licitação. A promotora alega que há uma série de problemáticas envolvidas que ainda não foram explicadas ao órgão. “Uma delas é a própria condição do bem, que tem uma importância nacional porque agrega um valor histórico e cultural inestimável. A preocupação é: como ficaria o acesso do público ao local, já que trata-se de um patrimônio histórico e a sociedade tem direito à visitação?”, questiona. Foto: Arisson Marinho/CORREIO “Outro ponto é o perfil da concessão. É algo de 35 anos e o MP entende que o valor que foi estipulado precisa ser questionado. Foi feito um cálculo de divisão do valor total ao longo dos 35 anos, configurando um aluguel mensal de somente cerca de 12 mil reais. Aí o MP quer entender qual é a vantagem da concessão diante desses valores”, coloca. O valor referencial da licitação é de R$ 26,5 milhões; sendo aproximadamente R$ 25,5 milhões referentes à concessão do Palácio Rio Branco; e R$ 988 mil para o terreno localizado na área anexa ao imóvel.    A outra questão é justamente esse terreno que fica atrás do palácio e que já foi desapropriado. “Nessa licitação, ele vem junto no edital para ser alienado pela concessionária que ganhasse a licitação. Assim, o objetivo é construir ali um anexo do palácio para abrigar mais quartos de hotel, dando sustentabilidade econômica para a instalação do hotel. Aí, observamos o risco para se o Estado quiser fazer a reversão dessa concessão e retomar o palácio. Como fica esse anexo? Porque é um bem privado no fundo e um bem público na frente, que na verdade é uma coisa só”, completa.   Foto: Arisson Marinho/CORREIO O terreno foi desapropriado para atender ao projeto de viabilidade técnica e econômica, desenvolvido pelo grupo português Vila Galé - o primeiro a se candidatar a dono do imóvel. A área desapropriada (de 1,4 mil m²) teve como objetivo atender a um dos itens principais do estudo que aponta que a área física atual do prédio comportaria apenas 37 apartamentos, o que tornaria o negócio inviável economicamente. Segundo fontes do setor, seriam necessárias 80 acomodações para tornar o hotel autossustentável. 

Procurado, o Grupo Vila Galé não quis se manifestar sobre o pedido do MP e a decisão da PGE de manter a concessão, mas confirmou que se mantém como candidato e estará presente na reunião marcada para a manhã desta quinta (20). 

Instituto dos Arquitetos do Brasil se diz contra a concessão

De acordo com o presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil Seção Bahia (IAB-BA), Luiz Antônio de Souza, o instituto é contra a concessão do Palácio à iniciativa privada. “Essa movimentação do Estado vai contra o ideal, que é que o governo se preocupe com ações que beneficiem a sociedade; a iniciativa privada não combina com isso”, destacou. “O IAB vem se preocupando há anos com os patrimônios arquitetônicos de Salvador e da Bahia. Não podemos esquecer do impasse que temos até hoje em relação ao leilão do Arquivo Público. A preocupação com o Palácio Rio Branco existe desde 2015, antes do anúncio da concessão, referente ao tombamento. É um local que carrega a história do Brasil e a história da administração pública brasileira”, acrescentou Souza. O presidente ainda afirmou que o IAB “não tem força política nem econômica para impedir o Estado de fazer o que ele entende que deve ser feito, mas irá cumprir o seu papel de alertar que transformar o Palácio Rio Branco num hotel não é a melhor opção”. De acordo com ele, o Conselho Superior do IAB, em novembro de 2021, apresentou ao governo do estado uma moção defendendo o decoro e a integridade arquitetônica do Palácio Rio Branco e outra moção discordando da concessão do espaço para instalação de atividade hoteleira. 

O processo de concessão

A concessão onerosa de uso do edifício é exclusiva para instalação e administração de empreendimento hoteleiro de categoria superior. O edital de licitação autoriza também a realização de serviços complementares precedidas de obras e ações de reforma, restauração, requalificação de uso (retrofit). A licitação diz ainda que a concessão permite ao vencedor a posterior conservação e manutenção durante o prazo estabelecido pelo contrato, além de alienação de área contígua ao imóvel - declarado como de utilidade pública pelo governo da Bahia.  Foto: Arisson Marinho/CORREIO Ainda segundo o edital, a concessão contribuirá para o processo de reurbanização do Centro Histórico de Salvador. A Procuradoria Geral do Estado (PGE) alega que a finalidade econômica “é baseada em estudos e mostra a adequação ao potencial do imóvel, dada sua localização. Esse aspecto também fomentará a revitalização do Centro Histórico de Salvador, com incentivo ao turismo”. A PGE ainda destaca que o projeto foi previamente submetido à aprovação do Iphan, que deu parecer favorável. 

O Palácio Rio Branco não será restrito aos hóspedes. O grupo que vai operar o hotel deverá assumir o compromisso de instalar no imóvel um museu para contar a história dos governadores. A concessão, inicialmente, é válida por 35 anos, mas, como é comum nesses casos de cessão onerosa do poder público para a iniciativa privada, este prazo pode ser renovado. 

O que diz a PGE

De acordo com a PGE, todo o processo de licitação “obedece aos preceitos de legalidade, moralidade, transparência e publicidade, inclusive com a disponibilização das peças técnicas do projeto e da licitação no site da Setur. A documentação foi toda entregue desde o ano passado ao Ministério Público Estadual”. 

O órgão informa ainda que o museu que fica localizado no palácio - Memorial dos Governadores Republicanos da Bahia - será reaberto à visitação pública após a realização de obras com a concessão, sendo administrado pela Fundação Pedro Calmon (FPC). 

Por último, a PGE sustenta que “o modelo de concessão vincula o uso do imóvel à prestação de serviços hoteleiros e afins, seguindo exemplos europeus bem-sucedidos, nos quais se obtém a recuperação e a conservação do prédio público a partir de recursos privados, assegurando a proteção do patrimônio histórico-cultural”.

A Setur informou que corrobora o posicionamento da PGE. 

Um palácio cheio de história

O Palácio Rio Branco foi a primeira Casa de Governo do Brasil erguida para ser a residência do primeiro governador-geral, Tomé de Sousa. O nome homenageia um dos maiores diplomatas brasileiros, o Barão do Rio Branco.

O palácio primitivo começou a ser construído em meados do século XVI. No início era de taipa de pilão, recebendo posteriormente pequenas ampliações. Teve várias funções, como quartel e prisão. Recebeu membros da realeza portuguesa, o Imperador D. Pedro I e a Imperatriz Leopoldina, e o Imperador D. Pedro II e a Imperatriz D. Tereza Christina. No fim do século XIX, ainda ostentava a velha fachada colonial portuguesa, símbolo de decadência na nascente República.  Foto: Arisson Marinho/CORREIO Recebeu então uma profunda reforma, ficando pronto por volta de 1900, na gestão do governador Luís Viana. Passava a exibir um nobre e imponente estilo neoclássico, bem ao gosto francês. O prédio ainda recebeu mais uma intervenção, em 1984, quando foi feita uma restauração completa. 

Ao entrar, à direita, fica a varanda com vista para a Baía de Todos os Santos, palco para registros fotográficos. À esquerda, fica o Memorial dos Governadores, administrado pela Fundação Pedro Calmon, uma parte importante para a construção da história do país, muito visitada por escolas e pesquisadores. Lá, é possível encontrar insígnias, espadas, chaves de cidades, diplomas, cartas, punhais, cristais, louças, livros, medalhas, fotos e objetos pessoais como cinzeiros, abridores de cartas e canetas dessas personalidades, todos doados por familiares. 

No andar de cima, duas imponentes salas guardam muitas histórias. Uma delas é a Sala dos Espelhos, onde aconteciam as transferências de cargo e festas do alto escalão. Já a Sala dos Despachos era o local onde o governador se reunia com secretários e assessores. Nela, é possível admirar um quadro de 1930, feito por Antônio Parreiras, intitulado ”Primeiros Passos para a Independência da Bahia”.