Na estrada: 10 destinos na Bahia para mulheres que querem viajar sozinhas

Estado é considerado um bom ponto de partida para quem quer começar

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  • Thais Borges

Publicado em 6 de fevereiro de 2022 às 11:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Acervo pessoal

Quando ainda estava na faculdade, a escritora Manoela Ramos, 28 anos, decidiu viajar sozinha pela primeira vez. Era 2015 e ela aportou na Chapada dos Veadeiros, em Goiás, para passar 10 dias. Lá, encontrou uma amiga que também estava sem acompanhante, mas há sete meses, sem parar. “Foi a primeira vez que me permiti me aventurar. Foi a melhor viagem que fiz até então, bem melhor do que outras que me programei horrores”, lembra a jovem, que já percorreu mais de 20 estados brasileiros.

Como ela, cada vez mais mulheres têm encarado o que, até pouco tempo atrás, parecia difícil demais ou assustador demais: viajar sozinhas. De fato, não há como negar que a segurança - ou a falta dela - é um problema que deve ser constantemente considerado, na vida das mulheres. Mas esse temor não deve ser paralisante, como explica a turismóloga Juliana Delgado, CEO da agência Queissada Comunicação. “Nós, mulheres, temos medo até dentro da própria casa. Mas temos que vencer os medos explorando o mundo, porque ele também é nosso. Por isso, o primeiro caminho é estudar o lugar para onde você quer ir, buscar contas de mulheres que viajam sozinhas no Instagram e ter trocas com outras mulheres para entender se aquele lugar é seguro”, orienta. No Brasil, a Bahia é considerada um dos melhores lugares para quem quer aprender a viajar sozinha, como explica a escritora Manoela Ramos, hoje já uma viajante experiente. "O estado da Bahia é ótimo para viajar sozinha, porque é um povo muito receptivo. A galera recebe bem, acolhe, dá dicas. É um ótimo estado para começar", explica ela, que mantém o perfil @escritoraviajante. 

Dificuldades Em muitos lugares, a figura de uma mulher viajando sozinha ainda causa estranheza. No entanto, para Manoela, a melhor forma de lidar com isso é normalizar esse desconforto. “Muitas meninas que vão para a estrada carregam até canivete, mas eu prefiro não levar nada disso por esperar que não vou passar por essas situações”, analisa. 

A estrutura nas cidades também precisa se adaptar a essas modalidades de turismo individual. “Pelo menos nas baixas temporadas, devia existir um sistema de precificação para uma pessoa, sem precisar pagar um quarto para dois ou até ter quartos individuais. Nos restaurantes, o ideal seria investir em pratos individuais que não sejam só o PF”, sugere. 

Para a criadora de conteúdo Gabriela Valverde, 36, responsável pelo perfil @viajandocomgabi, as maiores dificuldades de ser uma mulher na estrada ainda são os casos de assédio e outras possíveis violências de gênero. A depender do país onde a viajante esteja, essas nuances podem ser mais ou menos explícitas. "Se topamos um date com alguém que conhecemos num aplicativo, se caminhamos sozinhas por uma rua escura, se contamos que estamos viajando sozinhas a alguém que conhecemos na estrada… Nunca se sabe quem tem boas intenções ou não", pondera ela, que fez o primeiro mochilão sozinha em 2012, por três meses e meio na Europa. Experiências A analista comercial Maria Gonsalves, 39, fez a primeira viagem sozinha em 2018, justamente na Bahia. Morava em Brasília e foi para Porto Seguro, onde passou sete dias. De lá para cá, ela já viveu "algumas situações chatas", principalmente com relação à estrutura das hospedagens, incluindo falta de segurança em portas, janelas e câmeras que não funcionavam. "Muitos hóspedes não preenchem os dados corretamente nas fichas cadastrais. Já aconteceu de tentarem abrir a porta do quarto em uma das viagens e, na averiguação de dados entre os hóspedes, não batia com os dados reais. Aliás, nem existiam", lembra. Para Maria, ainda existem algumas dificuldades, como o assédio, machismo e preconceito. "Mas acredito que, pouco a pouco, certos paradigmas vão sendo quebrados. A liberdade e o desejo de conhecer outras culturas e novos lugares vão além de ter ou não uma companhia", acrescenta. 

As experiências podem ser diferentes, a depender de como seja o destino - se é uma cidade menor ou se é grande, por exemplo. Em Salvador, isso fez diferença para a turismóloga Juliana Delgado. "Salvador é uma grande metrópole, outra realidade. Mas tem que ver onde você vai ficar. A Bahia me abriu muitas portas de trabalho", diz ela, citando que 40% das viagens a trabalho são feitas por mulheres, segundo um estudo da Global Business Travel Association. 

No entanto, muitas vezes, essas incursões são limitadas a mulheres que trabalham em empresas maiores. "Empreendedoras muitas vezes tendem a ficar no seu mundo ou no digital, mas você fecha negócio grande quando aperta a mão. Acho que muitas mulheres acabam se limitando ao espaço que estão ao invés de sair porque requer coragem, planejamento e ficar alerta o tempo todo. Mas, no final, vale a pena", diz. 

Primeira vez  As experiências que fazem com que mulheres decidam viajar sozinhas pela primeira vez são únicas. Cada uma tem motivos próprios. No caso da comunicadora Amanda Noventa, que organiza grupos de viagens para mulheres e tem o perfil @amandanoventa no Instagram, a primeira viagem foi aos 24 anos, quando morava nos Estados Unidos e decidiu viajar para São Francisco, na Califórnia. 

Era um contexto diferente, em que pouco se falava sobre mulheres que viajam sozinhas ou redes de mulheres que discutem suas vivências de viagem."A primeira experiência não é necessariamente boa. É isso que eu falo para as pessoas: ‘não fica achando que você vai viajar sozinha e vai ser logo incrível’. Para algumas pessoas, isso acontece. Eu errei no hotel, errei no roteiro, o que é normal. Viajar sozinha é prática", explica. Para ela, há dois tipos de medo: o da violência em geral, como o medo de ser sequestrada ou assediada, e um medo psicológico, que diz mais a respeito do receio de ser julgada pela sociedade. Para o primeiro, a primeira dica é ter uma viagem organizada e bem planejada. Já para a segunda, Amanda recomenda 'treinamentos' na própria cidade. 

"Vá para o cinema sozinha, almoçar sozinha, fazer compras sozinha, as pequenas coisas do dia a dia que você não está acostumada a fazer. Você está se exercitando e se acostumando a estar naquela posição.Começa a procurar entretenimento na sua cidade e faça sozinha, para isso se acostumando". 

Pensando nisso, o CORREIO pediu que mulheres com experiência em viajar sozinhas - e conectar outras mulheres a esse universo - indicassem quais são os melhores destinos na Bahia para quem quer cair na estrada por conta própria. A lista completa você confere a seguir. 

10 destinos na Bahia para mulheres que querem viajar sozinhas1) Chapada Diamantina A Chapada é quase unanimidade entre os destinos preferidos para mulheres viajarem sozinhas. Apesar de contar com cidades pequenas, como Lençóis e Ibicoara, são comunidades que já se acostumaram a receber um fluxo grande de mulheres viajando sozinhas, inclusive as chamadas pessoas ‘estradeiras’.  A Chapada Diamantina foi escolhida por viajantes como Manoela (Foto: Acervo pessoal) “É um lugar onde você consegue aprender bastante com outros viajantes. É ótimo para começar porque você se sente bastante acolhida e as pessoas vão te dar muitas dicas”, diz a escritora Manoela Ramos. Para ela, um dos locais mais impressionantes da Chapada, o Vale do Capão, pode ser um bom ponto de partida. “O Capão foi fundamental na minha escolinha de viajantes. A Chapada é legal para você pegar carona pela primeira vez, por exemplo. Fui desbloqueando várias coisas pela primeira vez lá”, diz. 2) Boipeba A Ilha de Boipeba fica no município de Cairu e é vizinha à ilha de Tinharé, onde fica Morro de São Paulo. Por se tratar de uma área de proteção ambiental, não permite a entrada de carros e se tornou um dos destinos preferidos de quem gosta de estar em contato com a natureza. 

“É um lugar com pouco índice de violência. Existem casos de violência contra a mulher, mas a maioria são situações domésticas, familiares. A gente não escuta essas histórias relacionadas a viajantes. Você se sente à vontade para andar na rua sozinha à noite”, diz Manoela. Boipeba foi indicada pela tranquilidade e segurança (Foto: Acervo pessoal) 3) Trancoso  O badalado distrito de Porto Seguro é famoso por unir a calmaria e a simplicidade de vilarejo com festas e opções luxuosas de hospedagem. Por todas as possibilidades, é uma das indicações da comunicóloga Amanda Noventa. Para ela, de forma geral, empreendimentos nos destinos turísticos da Bahia podem investir para que as mulheres se sintam mais seguras para atrair mais viajantes nessa modalidade.  Amanda viajou sozinha para Trancoso, em Porto Seguro (Foto: Acervo pessoal) “Quando a gente de São Paulo pensa em ir para Trancoso, por exemplo, tem que pegar um avião para Porto Seguro. Eu aluguei um carro, dirigi por uma hora e meia e fiz tudo sozinha. Tenho prática, mas, para quem não tem, pode ser um pouco intimidador. Temos que ver se precisa de carro, se tem balsa, como é a balsa. Se preocupar com a segurança e a infraestrutura da cidade é a chave para atrair mais pessoas”, diz. 4) Paulo Afonso Um dos destaques do semiárido baiano, o município de Paulo Afonso é famoso pela cachoeira que leva seu nome, pelos cânions do Rio São Francisco e pela ecorregião do Raso da Catarina. A analista comercial Maria Gonsalves, 39, garante que é uma região possível de ser explorada por mulheres que têm fascínio pelo sertão e estão viajando sozinhas. “Sou a prova (de que é possível viajar sozinha). Eu fiz a rota do cangaço. A cidade de Paulo Afonso tem várias opções de hotéis e pousadas no centro da cidade, locomoção fácil, fora as opções de lazer à beira do Rio São Francisco”, diz, citando o roteiro que inclui, além da Bahia, outros estados nordestinos como Sergipe, Alagoas, Pernambuco e Paraíba.  Em Paulo Afonso, uma das dicas de Maria é visitar o Raso da Catarina (Foto: Acervo pessoal) Em Paulo Afonso, é possível contratar um guia cadastrado para ir até locais como a cachoeira de Paulo Afonso, a casa de Maria Bonita e o Raso da Catarina, onde é possível avistar a arara-azul-de-lear, espécie que só existe na Bahia e corre risco de extinção. As dicas de Maria incluem ainda subir a Serra do Umbuzeiro, a Casa de Dona Generosa (uma das coiteiras de Lampião) e uma trilha com grutas e pinturas rupestres. 5) Salvador  Entre aquelas quem não moram em Salvador, a capital é um dos destinos preferidos das mulheres que viajam sozinhas. Para a turismóloga Juliana Delgado, é uma boa opção para o turismo de negócios - especialmente empreendedoras que querem ampliar a rede de contatos. 

“Fechei muitos negócios em Salvador”, conta, citando o perfil diferente de outras cidades litorâneas do estado. “Salvador é uma grande metrópole, tem que ver onde ficar. Mas é um bom local para aproveitar com tranquilidade. Tente criar conexões, lembrando que você tem que estar alerta”, completa.6) Caraíva  Com uma população fixa de cerca de mil habitantes, o povoado de Caraíva, em Porto Seguro, também costuma entrar na rota de viajantes que gostam do estilo rústico. Nos últimos meses, porém, o povoado foi parar no noticiário por casos de violência de gênero, incluindo casos de estupro e a morte de uma adolescente. 

Uma reportagem do CORREIO mostrou em julho que mulheres da comunidade estavam organizando um grupo chamado Caraíva Sem Assédio para denunciar situações assim. Entre mulheres que viajam sozinhas, o local ainda é um destino comum e indicado. 

“Vivemos em um país machista e com casos diários de feminicídios, então eu acredito que, em qualquer lugar, é necessário tomar cuidado, sendo mulher”, diz a criadora de conteúdo Gabriela Valverde, responsável pelo perfil @viajandocomgabi. Gabriela acredita que é preciso ter atenção com a segurança em todos os lugares, inclusive Caraíva (Foto: Acervo pessoal) Embora recomende a visita a Caraíva, Gabriela reforça a necessidade de cuidados nas viagens.“Apesar de saber que acontece em muitos lugares, diria que Caraíva é um lugar que recomendo muito, mas peço que se cuidem quando estiverem por lá. Fiquem ligadas, não andem muito longe da área mais turística sozinhas e à noite, nem falem tudo da sua vida para desconhecidos”, orienta. 7) Barra Grande  A principal vila da Península de Maraú tem atraído atenção de turistas nos últimos anos. Entre os destaques, estão as praias de Taipu de Fora, Ponta do Mutá e Três Coqueiros, que contam com piscinas naturais e barreiras de coral. 

Para a escritora Manoela Ramos, a Península de Maraú tem a vantagem de ser um local pequeno mas com grande fluxo de turistas. “Se você optar por destinos de natureza, as cidades menores facilitam bastante para ficar sozinha”, opina. 8) Rodelas  Vizinha de Paulo Afonso, a cidade também fica às margens do Rio São Francisco e, nos últimos anos, tem sido chamada de ‘cidade do coco’, pela produção de boa parte do coco que fica na Bahia ou vai para Sergipe. Mas um dos destaques é a Praia de Surubabel, onde fica uma reserva indígena tuxá, como indica a analista comercial Maria Gonsalves.  Em Rodelas, Maria visitou a praia de Surubabel, que é de água doce (Foto: Acervo pessoal) “Consegui, por meio da proprietária da pousada, a indicação de motorista de aplicativo para fazer outros passeios fora da rota convencional, com bons preços, a exemplo da praia”, conta. “É literalmente uma praia de água doce, cercada de dunas e várias opções de barracas na beira do rio”, acrescenta. 9) Cachoeira  Um dos principais roteiros históricos e turísticos da Bahia, Cachoeira também pode ser um bom ponto de partida para mulheres que querem começar a viajar sozinhas. Os principais destaques incluem o Centro Cultural da Irmandade da Boa Morte, a Imperial Ponte D. Pedro II e o próprio Rio Paraguaçu. 

Apesar de ser uma cidade com eventuais situações de violência urbana, a escritora Manoela Ramos define como um dos destinos tranquilos onde esteve. Para ela, muitas vezes, viajar sozinha tem uma vantagem que homens que fazem a mesma experiência não conseguem encontrar: a comunidade costuma acolher as mulheres. 

“Se eu fosse um homem viajando sozinho, seria mais difícil alguém me receber em casa para ficar hospedada. Como sou mulher, sou vista como vulnerável e as pessoas querem me ajudar. Por isso, temos que tirar essa armadilha mental de ficar com medo, porque às vezes a gente desconfia de quem quer oferecer ajuda”, pondera. 10) Morro de São Paulo  Para quem sai de Salvador, Morro de São Paulo é uma das opções mais próximas.  A vila na Ilha de Tinharé, no município de Cairu, também não permite automóveis. Por isso, para chegar lá, é preciso ir de catamarã ou lancha partindo de Salvador ou de Valença. 

Para Gabriela Valverde, do @viajandocomgabi, Morro de São Paulo tem vantagens como a oferta de hostels, a facilidade de explorar os espaços e a estrutura turística. “Acho que (se destaca) pela facilidade de explorar esses lugares, todos a pé, com praias para curtir sozinha ou acompanhada, com restaurantes próximos e hospedagens também. São destinos fáceis de explorar e com vida diurna intensa”, completa.