Nascida com a sina assinada de assassina

Por Rogério Menezes

  • D
  • Da Redação

Publicado em 22 de abril de 2018 às 02:31

- Atualizado há um ano

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Escritores – que vivemos na eterna lida de amalgamar e emaranhar memória e ficção numa só e sólida concretude – sempre nos flagramos a pensar a seguinte questão: aconteceu de fato ou tudo é apenas fruto de nossa prodigiosa imaginação? [Amanhecer de segunda-feira de abril. A minha mente se multiplica em insights tortuosos e, basicamente, em charadas que não se decifram, como se cobras engolissem cobras – a propósito, o que é a vida afinal, se não coletânea de charadas nunca decifradas, e um coletivo pantagruélico de cobras engolindo cobras?]

Em meio a essa barafunda de charadas nunca decifradas que me devoram alucinadamente refulge – enigmática e acusadora – a palavra ‘assassina’. Aparece de maneira tão peremptória e contundente que se torna a mãe de todas as charadas e preciso – devo, necessito, careço – abandonar todas as outras charadas.

Obrigo-me a priorizar este enigma que me foi disparado à socapa e que lateja no meu cérebro de baterias ainda meio descarregadas – o cérebro padrão do começo de manhãs de segunda-feira, talvez o dia + odiado da semana – se bem que eu odeie + o domingo, com todo o atavio de peixe morto que lhe é peculiar.

[Pergunto-me, com tédio quase imobilizador: por que a palavra ‘assassina’ flutua com tanto impacto e pujança no terreno movediço da minha mente que acaba de acordar? O que a palavra ‘assassina’ me quer fazer lembrar?]

Repito-me feito mantra acusador: assassina, assassina, assassina. Alguns neurônios + aplicados & + cedêefes, sempre alertas, promovem miniassembleia de emergência – e me apresentam explicação razoável para o fato de essa palavra ter invadido o meu cérebro de maneira tão avassaladora em gorduroso amanhecer de segunda-feira. [Falsa ou verdadeira a explicação? Eis falsa questão. Na literatura tudo é falso e tudo é verdadeiro. Nada além.]

A explicação para o enigma: eu lera (ou inventara, dá no mesmo) na minha adolescência, em revista de circulação nacional com enorme grau de confiabilidade à época, que em Minas Gerais nascera menina que, em decorrência de parto difícil, provocara a morte imediata da mãe. O pai, e agora então viúvo, sem pestanejar, depois de enterrar a mulher amada, se dirigiu ao cartório + próximo e batizou a filha com nome aterrador: Assassina.

Não lembro maiores detalhes. O homem do cartório não oferecera resistência a registrar criança com nome tão cruel? Também não me vem à mente o sobrenome de família: Assassina de quê? Assassina Trindade? Assassina dos Santos? Assassina dos Anzóis Pereira? Assassina de Assis? [Pensando bem: com um nome desses na certidão de nascimento ninguém precisa de sobrenome: É Assassina – e pronto. Nada a acrescentar].

Outras questões se sobrepõem: 1. Alguém conseguiria sobreviver com esse estigma marcado a ferro e fogo lhe marcando a pele? 2. Assassina fez jus ao nome e matou a família que a batizou com nome tão cruel? 3. Ou deu de ombros para essa ocorrência, passou a se chamar Sininho e se tornou doce criatura? [Cartas para a redação].