No colo de Oxum e Oxalá: orixás que vão reger 2021 devem trazer tempos de calmaria

A paz de Oxalá e a doçura de Oxum serão um alento para nossos corações aflitos

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  • Alexandre Lyrio

Publicado em 2 de janeiro de 2021 às 09:13

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Adeloyá Ojú Bará

Nas horas mais difíceis, não tem esse que não recorra ao colo do pai ou da mãe. É ali que se encontra acolhimento, conselhos e até as broncas mais preciosas. Depois do ano mais tenebroso de nossas vidas, só mesmo o grande pai e uma grande mãe para ter onde repousar nossos oris (cabeças). Segundo alguns dos mais tradicionais terreiros de Salvador, Oxum e Oxalá vão trabalhar juntos para reger 2021. Um alento de fé para tantos corações aflitos e carentes de conforto.   As Águas de Oxalá, um dos orixás a reger o ano de 2021, acontecem normalmente em janeiro, abrem o ano litúrgico dos terreiros, simbolizam a limpeza energética e o equilíbrio dos Ilês e dos Orís (cabeça). Na imagem, ritual no Ilê Asé Ibá Ajunkesy (Foto: Adeloyá Ojú Bará  / Divulgação) Oxum é doçura, maternidade, fertilidade, sabedoria e maleabilidade para se desvencilhar dos problemas. Oxum é encanto, majestade e sutileza, oscila doçura e força. Oxum é como as águas, às quais nos rios percorrerem caminhos tortuosos e cheios de resistência, mas nunca deixam de desaguar no mar. Nas águas de Oxum está o axé da vida. É justamente aí, nas águas, que entra Oxalá. A água é o link entre um e outro. Oxum, que divide a função de reger o ano novo com Oxalá, é a rainha das águas doces, tendo como cores características o amarelo e o dourado. Aqui o amarelo divide espaço com o branco de Oxalá. Na imagem, Oxum da Dofonitinha Rosemary semblante sereno da Yabá encanta a todos no terreiro Ilê Axé Yá T'omin (Foto: Adeloyá Ojú Bará / Divulgação) Isso porque água acalma. Como Oxalá é o pacificador, eles têm tudo a ver. Nos rituais que envolvem as “águas de Oxalá”, louva-se o pai da criação, responsável por conceder a todos o fôlego da vida. É o momento de acalmar a mente, pedir paz e tranquilidade. É com as águas de Oxalá que se faz as lavagens nas festas de largo, das escadarias das igrejas. Não é à toa que a Lavagem do Bonfim acontece no início do ano. Agora, imagine Oxum e Oxalá juntos.

Há 25 anos iniciado no candomblé, o advogado e babalorixá alabeji Washington Santos, do terreiro Ilê Axé Àwòn Funfun, diz que a junção dos dois orixás pode representar um processo de retomada da normalidade. Mas, como bom filho de Oxalá, Washington avisa que os pais também estão aí para dar conselhos, broncas e tirar os filhos do mau caminho. “Oxalá é o orixá da simplicidade. Por isso, a mensagem dele é de humildade. Então, esqueçamos a soberba! Quando ele se junta com Oxum, temos o pai e a mãe. Ou seja: sejamos mais família este ano”, reflete pai Washington. 

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No seu perfil no Instagram (@adeloyaoficial), a fotógrafa Adeloyá Ojú Bará - cujas fotos ilustram esta reportagem - intitula-se fotógrafa de terreiro, trabalho que realiza há sete anos. Nas casas em que tem autorização para fotografar, já fez imagens de muitas Oxuns e de muitos Oxalás - com seus trajes amarelos e brancos, respectivamente. Conhece de perto suas energias. 

“Um ano regido por Oxalá e Oxum é um ano regido pelas águas, que trazem a fertilidade necessária para reestruturar o país após um ano tão difícil e cheio de mortes”. Adeloyá também lembra que Oxalá traz seu alá (pano branco) sagrado para acalmar tanta fúria, tanta violência. “Uma desaceleração necessária, mas também uma cobrança de responsabilidade e persistência para se alcançar o que desejamos como sociedade”.

No caso de Oxum, além da maternidade e doçura, diz Adeloyá, ela vem com seu abebé (espelho). “Cada um será obrigado a ver quem é na realidade, sem máscaras, para provocar uma transformação necessária a partir do indivíduo e que depois se amplia para o coletivo. O respeito ao feminino e às águas será essencial, pois mel é doce, mas também afoga”, observa a fotógrafa, que em 2017 se iniciou para Yansã e Exu no terreiro Ilê Asé Ibá Ajunkesy.

Luta

Mobá de Xangô do Terreiro Aganju, o mestre de capoeira Dadá Jaques alerta que ainda há luta pela frente. As águas de Oxum e Oxalá, diz ele, terão a função de remover ou de driblar pedregulhos imensos. Para eles serem retirados do caminho, vai ser necessário mais simplicidade e consciência de que o material está abaixo do espiritual. “Oxalá e Oxum com certeza vão mostra que ainda não acabou o que estamos passando. Precisamos antes nos reequilibrar mentalmente. Eles, juntos, vão ajudar nesse processo”, acredita.

Filha de Oxum, a ialorixá Jaciara Ribeiro, do terreiro Axé Abassá de Ogum, concorda que é preciso estar firme ainda para vencer os problemas que 2020 trouxe. “A gente só virou o ano, mas as sequelas existem ainda. As máscaras caíram este ano, muita corrupção, muita morte, muito ódio religioso. Essas são as maiores doenças”. Mas Mãe Jaciara também acredita que Oxalá e Oxum chegaram para oferecer os melhores caminhos a seguir. “Eles estarão de mãos dadas para trazer paz e equilíbrio. Vai ser um ano de muito respeito. Oxalá é uma entidade que a gente se curva diante dele. Oxum é mãe!”  

Panteão

Mas, não se pode acreditar que somente esses dois orixás vão nos acompanhar nesse ano novo. No panteão dos deuses africanos só se anda em grupo e o exército para combater o mal é grande. Primeiro que Oxum vem sempre acompanhada de Iemanjá, a mãe de todos os orixás. Onde uma está a outra também se faz presente. Aliás, a divisão que o senso comum costuma fazer de que uma é rainha das águas doces e a outra das águas salgadas não tem sentido. “Em todas as cantigas de Iemanjá, cantadas nos em idiomas africanos, todas falam do Rio e não do mar”, afirma Dadá Jaques. Então, Iemanjá também tá junto nessa missão se tornar nossos mares mais calmos em 2021.

A outra coisa é que os orixás regentes do ano podem variar de acordo com cada casa. Então, certamente vão entrar outras forças aí. Conhecido como pai Bira de Xangô Ogo Odô, Ubirajara Gomes da Silva, 70 anos, do Terreiro Ilê Axé Oju Olá Ogo Odô, diz que existe um equívoco quando se considera que um jogo de búzios feito pelo pai ou mãe de santo responsável por uma casa de orixá vai revelar o mesmo jogo em todo o país ou do mundo.

“Os caminhos de uma casa de orixá são diferentes dos caminhos das outras casas. Não é sensato generalizar o jogo individual de cada casa. Isso pode estar anulando os outros axés, anulando os outros babalaôs (jogadores, olhadores dos búzios”, afirma Ubirajara. Aliás, Pai Bira de Xangô Ogo Odô disse que na sua casa só se joga para saber qual ou quais orixás serão os regentes no terceiro dia do ano. Ou seja, outros orixás poderão se revelar para a luta ferrenha por um 2021 melhor que 2020. Ainda bem. Precisamos de todos juntos e unidos nessa dura empreitada.