Noite de Iemanjá: bares lotados e festas com feijoada ficaram para 2022

Chuva esvaziou ruas e bares do Rio Vermelho

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  • Carolina Cerqueira

Publicado em 3 de fevereiro de 2021 às 00:08

- Atualizado há 10 meses

. Crédito: Foto: Tiago Caldas/CORREIO
Paula Rocha, à direita, ao lado da irmã e da amiga, na feijoada que fez em 2020. por Foto: Arquivo pessoal

Os protocolos contra a covid-19 mexeram com a celebração religiosa do 2 de Fevereiro e também com as tradicionais feijoadas e festas que costumam ocorrer na data, após a entrega das oferendas à Iemanjá. Os bares e restaurantes do Rio Vermelho passaram todo o dia desta terça-feira fechados e só foram liberados para abrir a partir das 19h. Não funcionaram também os depósitos de bebidas, food trucks e o comércio informal.

Os donos dos estabelecimentos que oferecem a tradicional feijoada, bem como os fiéis e admiradores da Rainha do Mar que preparavam festas em suas casas para receber os amigos, tiveram que se reinventar em 2021, por conta da pandemia. Para muitos, a esperada iguaria ficou na lembrança, água na boca e na torcida por um 2022 melhor. 

A estudante mineira Eduarda Cavalcanti, 23 anos, já pode se considerar soteropolitana. Morando em Salvador desde 2004, ela e o pai, o engenheiro Rodrigo Moreira, 45, começaram a receber os amigos no apartamento no dia de Iemanjá ao se mudarem para o Rio Vermelho, em 2016. 

“Desde então, a gente comemora todos os anos. No ano passado, meu pai se empolgou, aí fizemos copos personalizados, tirantes, teve até cabine de foto. Mas sempre tem feijoada e música. E passam várias pessoas durante todo o dia. Tem gente que fica o dia todo, tem gente que desce para a rua e tem gente que só passa para comer”, conta Eduarda. 

Ela confessa que se emocionou nesta terça ao ver as fotos das festas anteriores. Esse ano, o dia não vai ter a agitação de sempre. Para quem costumava ir para a orla na madrugada do dia primeiro para ver a alvorada e depois encarar um dia inteiro de festa, o baque é grande, mas ela reconhece que é também necessário. 

“Esse ano nem passou pela nossa cabeça fazer alguma festa. Por mais que a tradição tenha que ser mantida, a parte da comemoração perde o sentido. Não tem por que colocar em risco as nossas vidas e as vidas de outras pessoas. O dia dois de fevereiro acontece todo ano e em 2022 vai ser melhor do que qualquer outro”, acredita a estudante.   Eduarda e o pai, Rodrigo, na festa que fizeram no apartamento, em 2020. (Foto: Arquivo pessoal) Para a médica Paula Rocha, 54 anos, o 2 de fevereiro sempre foi sinônimo de festa e tem um significado ainda mais especial. Ela, que se apega ao lado profano da celebração, faz, desde 2012, uma feijoada para os amigos e aproveita para comemorar antecipadamente o seu aniversário, que é no dia oito desse mês.

Quem vai, leva uma cervejinha e os presentes são na verdade cestas básicas que ela arrecada para doação. A festa só termina de noite, com direito a pausa para show na praça perto de casa e mais feijoada para quem ainda conseguir ficar de pé depois de tanta folia.

O apartamento no Rio Vermelho é pequeno, mas ela garante que o que importa mesmo é a animação e a alegria. “Eu sou festeira, gosto de casa cheia, aí decidi fazer a feijoada. A gente começou com 7kg, aumentamos para 10, depois para 15 e a do ano passado foram 20 quilos de feijão. E não tenho a mínima ideia de quantas pessoas são porque eu não convido ninguém, todo mundo vai chegando e o apartamento fica lotado de gente, de precisar empurrar as pessoas para conseguir passar”, conta a médica. 

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Este ano, a feijoada não aconteceu por lá, mas 2022 promete ainda mais animação para compensar. “Não tinha como fazer uma festa assim, com tanto calor humano, no meio de uma pandemia. A consciência profissional não me deixa aglomerar. Desde ontem (anteontem) de noite eu estou numa tristeza danada. Faz falta, é como um compromisso. E não é só a festa, é um encontro de amigos, de dar risada, bater papo”, diz Paula.  (Foto: Tiago Caldas/CORREIO) Nos restaurantes do Rio Vermelho, que têm a tradição de se misturarem aos festejos, a feijoada e a animação também tiveram que ficar para o próximo ano. Na véspera, dia 1º de fevereiro, a chef Tereza Paim preparou um balaio, para que os clientes que foram ao restaurante Casa de Tereza pudessem depositar flores para a mãe das águas.

Nesta terça-feira, 02, Tereza foi à Praia da Barra para levar os presentes para o mar. Ela lamentou as restrições impostas a bares e restaurantes do Rio Vermelho. “O bairro está com pouco movimento, está triste. Os restaurantes, que são ambientes seguros reconhecidos pela prefeitura, poderiam estar funcionando e alimentando as pessoas”, opinou. 

Tereza conta que, todo ano, no 2 de fevereiro, a Casa abre às 6h e uma barraca é montada do lado de fora, alimentando quem vai passando nas ruas com quitutes como mingau, sarapatel e caldinhos. Depois, o restaurante funciona com almoço, servindo a tradicional feijoada, e também à noite. Este ano, seguindo o decreto, abriu somente às 19h.

Para a chef, as restrições representam uma perda financeira em um momento em que os estabelecimentos ainda não se recuperaram. “Tem a questão também da relação dos restaurantes com o bairro e com Iemanjá, porque a gente faz parte dessa história. Existe uma coisa que não dá para tirar do baiano, de quem é devoto. Aí muita gente teve que sair do bairro; os restaurantes em volta estão a pleno vapor”, completa.

Já o proprietário do restaurante da Varanda do Sesi, Gustavo Ramos, optou por não abrir a casa, mesmo de noite, após liberação da prefeitura. “Entendemos que a noite não vale a pena, não tem a mesma beleza e a procura seria menor, pois amanhã é dia ‘útil’. A nossa tradição no dia dois é abrir durante o dia para acompanhar o lindo cortejo”, explica Ramos.

Ele conta que todo ano o estabelecimento faz a tradicional feijoada, sempre muito demandada e que geralmente conta com a apresentação musical de Alexandre Leão. “Entendemos que dentro do protocolo municipal contra a covid-19 poderíamos ter funcionado. É uma data importante para nossa cultura religiosa e para o comércio”, lamenta. 

Outros bairros

Mas a feijoada ainda assim foi servida em estabelecimentos de outros bairros da cidade, que tinham permissão para funcionar. Em alguns locais, como o restaurante Benedita, na Pituba, o prato fez parte do cardápio. A Feijoada da Benedita, através das redes sociais, prometeu seguir protocolos de combate à covid-19, com medidas de distanciamento, uso de máscara, higienização e aferição de temperatura. O pedido também podia ser feito por delivery. 

Já em Praia do Flamengo, o feijão foi mais animado. A Feijoada Casa Beach Yemanjá teve ingressos esgotados no Sympla e contou com buffet e programação musical com show ao vivo e apresentação de DJ. Na página do site, a descrição do evento afirmava que seria respeitado “o distanciamento social assim como o uso obrigatório de máscara e com limite de somente 100 pessoas em todo espaço”. 

A noite no Rio Vermelho

Pouco antes das 19h, algumas pessoas já aguardavam pela abertura dos bares e restaurantes. Mas o movimento foi fraco e a chuva forte atrapalhou os planos de quem optou por abrir o estabelecimento. Isso porque muitos preferiram não abrir, com medo do pouco movimento. Na Vila Caramuru, no Largo da Mariquita, muitas unidades fechadas, mesas vazias e apenas um barzinho mais movimentado. 

Para o garçom Jeferson Pereira, 25, mesmo com as restrições e o movimento abaixo do esperado, é preciso agradecer. “Nos outros anos isso aqui ficava muito mais movimentado. A gente funcionava desde às 8h, aí tinha feijoada, mocotó, rabada. Era muita gente, não tinha nem espaço direito. Mas graças a Deus a gente abriu hoje e teve gente aparecendo. Vamos agradecer porque estamos trabalhando, seguindo fortes”, diz. 

As amigas Diana e Lena chegaram por volta das 17h, fizeram seus rituais e ficaram para aproveitar a noite no bairro boêmio. “A gente não chegou a pisar na areia porque estava fechado, mas fizemos nosso ritual de agradecimento. Por conta da pandemia a gente não pode fazer a oferenda do jeito que sempre fazemos, mas ficamos de longe fazendo nossas orações”, conta a personal stylist Lena Nascimento, 34 anos. 

No Largo de Dinha, como é mais conhecido, cenário irreconhecível para um dia de festa. Poucas mesas e cadeiras, poucas pessoas. Nada de fila para comprar acarajé, nada de pessoas em pé disputando espaço ao lado do monumento em homenagem à Zélia Gattai e Jorge Amado. Não se via também food trucks espalhados pelo bairro nem movimentação de ambulantes, apenas alguns poucos pelo caminho. 

Para Seu Edivaldo, vendedor de picolé de 52 anos, o dia não foi tão proveitoso. Dos 300 picolés que normalmente consegue vender na Festa de Iemanjá, este ano vendeu apenas 100. Mas, para ele, mesmo com menos pessoas nas ruas, valeu a pena sair de casa para correr atrás do pão de cada dia. Ele chegou ao Rio Vermelho às 10h e foi embora por volta de 20h. “Deu para vender. Mesmo com a pandemia, que não permitiu festa de verdade, deu para fazer um dinheirinho. Pedir a Deus que isso termine logo porque os preços de tudo estão aumentando, menos a nossa venda”, diz. 

Fiscalização

No final da manhã desta terça-feira. 02, fiscais da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano (Sedur) interditaram um evento fechado que aconteceria às 14h, na ladeira de acesso ao zoológico, em Ondina. A festa não tinha alvará de funcionamento e de autorização sonora, e feria o decreto que proíbe apresentações artísticas.

Dois equipamentos sonoros que seriam utilizados no show também foram apreendidos por equipes do órgão. Além disso, no balanço parcial, 85 estabelecimentos da cidade foram vistoriados e 28 foram orientados a fechar no Rio Vermelho, durante força-tarefa da Prefeitura realizada ontem.

*Com orientação da subeditora Fernanda Varela