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Malu Fontes
Publicado em 11 de março de 2019 às 05:00
- Atualizado há um ano
Nada pode ser mais irônico e contraditório do que Jair Bolsonaro, eleito com a promessa de devolver à família brasileira a moralidade perdida, começar o ano ensinando ao país inteiro um fetiche sexual cuja matéria-prima é o mijo e ilustrando a prática com um vídeo pornográfico. As listas de família têm ficado chocadas com suas ovelhas negras que, inspiradas nas palavras do presidente em seu Twitter, as recortam, colam no WhatsApp e enviam junto para a família tudo o quanto é cena de aberração sexual flagrada em qualquer beco.
Já que o presidente pode advertir a população sobre a quantas anda a bizarrice do comportamento sexual por aí, aquele parente mais irônico ou cínico agora se sente à vontade para copiar e usar os métodos de conscientização moral da família.
SEXO COLETIVO - Não bastasse ter esquecido que a liturgia do cargo não lhe permite postar aquele tipo de conteúdo, o presidente não parou por ali. Depois que o vídeo já rodara o mundo inteiro, causando constrangimentos diplomáticos em quaisquer brasileiros que circulam por espaços formais no exterior, o presidente conseguiu piorar a cena dantesca que construíra para si, a pretexto de condenar o Carnaval, reduzindo-o a uma chuva dourada protagonizada por tresloucados numa esquina de São Paulo.
Ah se fosse no Nordeste... Mas o fato de ter sido em São Paulo talvez sirva para absolver mais rápido o episódio. Se até na campanha eleitoral paulista teve vídeo de surubão e não se fala mais nisso, imagine no Carnaval. Agora, que o brasileiro descobriu o que significa golden shower e que “Noronhe-se” era apenas um neologismo charmoso, um verbo-senha embutido numa hashtag cujo significado era que metade do elenco do horário nobre da TV e da capa de Caras ia para Fernando de Noronha para fazer “sexo coletivo” estrelado, provavelmente qualquer vídeo pornográfico postado por gente importante correrá o risco de soar tedioso.
KAMA SUTRA - Com o mundo já boquiaberto com o vídeo tosco, Bolsonaro voltou ao Twitter, lugar desde sempre escolhido por ele para dizer coisas ao mundo, para perguntar: “O que é Golden Shower?”. Embora os versados no vocabulário da pornografia soubessem, é óbvio que a maioria dos seus seguidores nas redes sociais e dos brasileiros nunca tinham ouvido falar na expressão. O desconhecimento do termo serviu como fermento para ampliar a repercussão do caso. Todo mundo correu para o Google para saber do que era. O termo, por conta dos brasileiros, ocupou os trend topics mundiais e agora faz parte da cartilha bolsonarista.
Muita senhorinha religiosa foi praticamente obrigada a aprender na web que há gente no mundo que tem prazer sexual em ver seu objeto de desejo urinando ou sendo urinado durante o sexo. Para quem considera o Kama Sutra coisa do diabo, imaginem o nó que não deve dar no cabeção descobrir que existem coisas e gente assim, e aprender isso justo com o estímulo do presidente da República, um homem conservador, moralista e evangélico. Dona Marcela Temer, por exemplo, recatada e do lar como é, provavelmente deve ter feito até o Sinal da Cruz no peito. Não à toa, seu marido agiu como agiu ao ser perguntado pela imprensa sobre o que achara da postagem de seu sucessor. Michel nem se deu ao trabalho de escolher palavras para se manifestar. Encomendou à sua assessoria o suficiente para dizer que não se mistura: “O presidente não comenta pornografia”.
PRÍNCIPE - Ah, e nem venham com o argumento de anencéfalo segundo o qual a gravidade da coisa não está no fato de o presidente divulgar um vídeo daqueles, e sim no fato de o vídeo ser real. Ora, não reduzam o comportamento das pessoas no Carnaval a aquilo. Sem a postagem do presidente, nem meia dúzia de gatos mijados o teriam visto. A postagem original foi feita numa conta com míseros 90 seguidores. Uma conta de rede social com menos de 100 seguidores nem pode ser chamada de perfil. É um arremedo de cemitério virtual. E fica a lição, roubada do Pequeno Príncipe: tu és responsável por tudo aquilo que postas.
Malu Fontes é jornalista e professora de jornalismo da Facom/UFBA