Os sinistros que comprometeram parte do patrimônio baiano

Nelson Cadena

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Publicado em 7 de setembro de 2018 às 05:00

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Agora que o Museu Nacional foi transformado em cinzas e os “responsáveis” pelo patrimônio fingirem choro sem vela e no oportunismo dos três mil metros quadrados de brasas esboçarem projetos de boas intenções, liberarem esmolas a toque de caixa e tirarem o seu da reta, é hora dos cronistas assentarem os quadris num banco de praça e escreverem para a posteridade a crônica de um sinistro anunciado.

E quando todos os escrivas colocarem um ponto final nessa inacreditável história de descaso e omissão - e após o incêndio do oportunismo de políticos e do silêncio que grita dos ex-ministros da Cultura - será a hora de esquecer de fato como é de nossa tradição e sem mais assunto nos prepararmos para a narrativa de um outro evento, quando mais um patrimônio nacional arder de novo.

Enquanto isso os nossos órgãos de cultura se atentos são aos sinais do inferno, literalmente falando, imagino que estejam a assimilar o recado do sinistro ocorrido e já revejam as suas políticas de manutenção de acervos, a contingência de verbas e o seu repasse condicionado à vontade da Fazenda, a má aplicação dos parcos recursos liberados, a burocracia que excede na má vontade, a gestão ineficiente dos ministérios e secretarias e o orçamento focado no atendimento aos lobbys barulhentos, de “artistas” e outros Reis, valetes e curingas do mesmo naipe.

Se há um mínimo de responsabilidade e comprometimento dos órgãos de cultura deste imenso Brasil, os ditos passaram a semana revendo a sua política para os museus, priorizando a questão da segurança, sempre em segundo plano e já se entendendo com os Corpos de Bombeiros para vistorias, treinamento de funcionários, e elaboração de planos de ações específicos para se evitarem outros sinistros do gênero. Se algum órgão de Cultura não fez esse dever de casa na semana transcorrida, é porque incorporamos à barbárie a nossa ideia de civilização.

A Bahia no particular já vivenciou ao longo de sua história alguns sinistros que comprometeram parte de seu patrimônio, historicídios que deixaram sequelas e lacunas: no primeiro vintênio do século XX perdemos o valioso acervo da Biblioteca da Faculdade de Medicina (1905) e milhares de livros e valiosas e exclusivas coleções de periódicos da Biblioteca Pública, durante o bombardeio da Bahia de 1912. E no ano seguinte a maior parte do acervo da Biblioteca do Instituto Geográfico e Histórico, então com sede no Terreiro de Jesus.

E entre as coleções particulares perdemos os vários volumes do dicionário histórico do Dr. Bonifácio Costa, os originais queimados por uma bala de canhão (1912) e o acervo de milhares de metros de filmes e fotografias de Rodolfo Lindemann em 1920. E mais filmes e fotos que teriam sido jogados no mar por Diomedes Gramacho que previa um incêndio, por combustão, no seu laboratório e essa lhe pareceu a única solução. Perdemos ainda parte dos acervos radiofônicos descartados pela Rádio Sociedade e pelo Irdeb em momentos de alienação e despautério.

Que não falte ao governador Rui Costa e ao prefeito ACM Neto o ânimo e vontade para que os órgãos de Cultura atendam essa necessidade básica da preservação de patrimônio histórico e seus acervos, não apenas das inclemências do tempo, que requerem manutenção contínua e mão de obra especializada, mas de acidentes, não digo imprevisíveis, prefiro chamar de circunstanciais. Nada mais previsível que um sinistro para um patrimônio abandonado.