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Pesquisadores entram no tráfico de fósseis para não ir a campo, diz paleontólogo


 

Três pessoas foram presas e dezenas de fósseis foram apreendidos durante a operação Santana Raptor, deflagrada nesta manhã pela PF

  • Rede Nordeste, O Povo

Publicado em 22/10/2020 às 16:30:00
Atualizado em 21/04/2023 às 17:59:05
. Crédito: Foto: Polícia Federal/Divulgação

Operação da Polícia Federal contra tráfico de fósseis cumpriu 19 mandados de busca e apreensão no Ceará e no Rio de Janeiro e resultou em três prisões em flagrante, em Santana do Cariri e Nova Olinda, na manhã desta quinta-feira, 22. De acordo com o paleontólogo Álamo Saraiva, a prática é antiga no Estado e a Chapada do Araripe "é a mais delapidada entre todos os sítios arqueológicos do País".

Em setembro de 2017, O POVO noticiou que fósseis do Geopark Araripe eram traficados livremente pela Internet. Países como Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido e Espanha estavam na rota do tráfico e venda de fósseis da Chapada do Araripe pela web. Os preços iam de R$ 90 a R$ 16 mil.

"Há muito tempo venho batendo nessa tecla de que somos vítimas de fogo amigo. Professores de outras universidades que não são daqui não têm coragem de vir, perder tempo e talvez não encontrar muito. Preferem se aliar aos chamados peixeiros, traficantes locais que em troca de dinheiro evitam a vinda do pesquisador a campo", explica Álamo, que é curador do Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens da Universidade Regional do Cariri (Urca).

"A gente conseguiu debelar um pouco essa situação com a universidade montando esquema de trabalho com o Geopark Araripe", pontua. A Urca realiza permanentemente trabalhos de escavação paleontológica no Geossítio Parque dos Pterossauros, localizado em Santana do Cariri. Ainda de acordo com o pesquisador, a instituição tem convênio com as Universidades Federais do Rio de Janeiro, Rural de Pernambuco e Espírito Santo, entre outras, além do Museu Nacional e países como a França e a China.

"Temos produção científica a nível mundial, corpo técnico bem treinado com expertise pra trabalhar e, principalmente, não somos donos da Bacia do Araripe", afirma. "Estamos de braços abertos para outros pesquisadores virem para cá, mas só temos uma exigência: que os fósseis fiquem aqui".

Em entrevista concedida ao O POVO em 2015, o professor da Urca lamentou o fato dos fósseis serem levados ilegalmente para museus estrangeiros. Na época, pesquisadores europeus publicaram artigo sobre a descoberta de uma serpente de quatro patas, que viveria na Chapada do Araripe, há cerca de 120 milhões de anos. "Mais uma vez, material científico-cultural brasileiro é retirado de forma ilegal do nosso País. Mais uma vez o povo brasileiro, e em especial nordestino, fica privado de ter acesso ao que é seu de fato e de direito", criticou.

"As nossas autoridades, especificamente o Legislativo e Executivo, precisam tomar as rédeas dessa situação. Não temos dinheiro para trazer os fósseis que estão fora e a justiça dos outros países diz que temos que ir buscar", aponta. De acordo com ele, a prática criminosa voltou a crescer no ano passado, após a extinção do escritório da Agência Nacional de Mineração (ANM) no Crato, em dezembro de 2018.

Ele cobra posição mais firme do Ministério Público Federal (MPF) para movimentar debates a respeito da recuperação desse material e realizar audiências com as universidades, pesquisadores, mineradores e com o Governo do Estado. Algumas opções, aponta, seriam a criação de bolsa para mineradores e a reabertura do escritório da ANM na região.

"No Geopark e no Museu, seguimos a máxima do Padre Cícero, de que essas pedras ainda iam virar pão. Não sei de que pedras ele tava falando, mas atualmente o Geopark é uma fonte de desenvolvimento do Cariri a partir dos turismos sustentável, científico e de aventura". Ele diz que a área recebe mais de 30 mil visitantes por ano e turistas de 117 países vieram desde 2019 até o começo da pandemia.

Geopark Araripe Considerado o primeiro da América Latina e do Caribe, o Geopark Araripe ocupa uma área de aproximadamente 5.000 quilômetros quadrados (km²) e abriga registros geológicos do período Cretáceo, com fósseis de seres que habitaram a região entre 120 milhões a 100 milhões de anos atrás.

O patrimônio se estende pela Bacia Sedimentar do Araripe, ocupando os municípios cearenses de Barbalha, Crato, Juazeiro do Norte, Missão Velha, Nova Olinda e Santana do Cariri, e também os estados de Pernambuco e Paraíba. Em 2015, o patrimônio recebeu da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) o título de Geoparque Mundial Unesco.