Pílulas de gradação da mentira: a melhora do Vitória, o poderio incontestável do Bahia

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  • Gabriel Galo

Publicado em 1 de abril de 2019 às 14:00

- Atualizado há um ano

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Em 31 de março de 1999 foi lançado mundialmente o filme Matrix. Obra que misturava conceitos de religião, filosofia e muita ação, foi sucesso instantâneo. Uma passagem em especial chamou à atenção. Nela, Morpheus pergunta a Neo sobre qual pílula ele escolheria, a azul ou a vermelha. Com uma, ele voltava a viver num mundo imaginário, manipulado, mas conhecido; com a outra, abriria a mente para a realidade, para a vida como ela é.

A navegação em questões filosóficas sobre o retorno à fantasia ia ao encontro do que descrevia o filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900). Para ele, a verdade é uma ilusão que assumimos por verdadeira. Como consequência, nos mantêm adestrados, pois paralisa nossas ações, direciona nossos julgamentos e define o que é prioritário.

A grande pegadinha deste 1º de abril é termos aparentemente chegado ao ponto em que a pós-verdade vence sem questionamento. Rememorando Joseph Goebbels, o Ministro da Propaganda de Hitler, “uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade.” À pós-verdade não importam fatos, mas convicção.

Levantam-se em comemorações esdrúxulas aqueles que, municiados da pílula da alienação, revoltam-se como despertos, atribuindo ar de verdade a atrocidades vis, às mentiras repetidas mil vezes. Põem-se dispostos a abrir mãos de direitos para confirmar seus preconceitos e ver ressurgir o mantra do líder autoritário, facilitando a compreensão de um mundo claramente multifacetado, mas reduzido a pauladas ao maniqueísmo.

Atribuindo ação ao passo-a-passo de Maquiavel, que definia que a o poder se faseava em conquistar, manter e ampliar, o Vitória, neste 31 de março, lutou para ampliar a sua debilitada democracia. Se o questionamento de um presidente inapto significa questionar a própria democracia, movimentos de torcedores sem amarras, Davis contra Golias, vão ao fronte de batalha em defesa dos direitos estabelecidos, a ampliar o que está em xeque.

Já dentro de campo, na manhã que nasce neste primeiro de abril, a verdade fria contrasta com o contexto que pode demovê-la de exaltação. Se está na próxima fase da Copa do Nordeste, merecimento não houve por parte do Vitória, incapaz de ganhar um jogo sequer na competição. Já o Bahia, eliminado, caiu para os mais fracos, como se precisasse de pouco para que sua força – anabolizada pela fé da torcida – subjugasse os adversários.

Assim, a classificação do Vitória deve ser apreciada com moderação. Não é avanço em futebol jogado, mas é um alento a tanto dissabor. Já a queda do Bahia, embora na condição de favorito no Campeonato Baiano, é, ora, mais uma queda. Há mentira no entendimento de que há nos lados de Itinga um poderio incontestável, uma força desmedida.

Seguimos, ao fim e ao cabo, bombardeados por informações e barulho, em volume maior do que a nossa capacidade de filtrar o válido do absurdo. Na guerra da pós-verdade, o discernimento tem sido vencido pelo cansaço. Parece que cada motivo de celebração é combatido por uma enxurrada de senões. Não devíamos, assim, julgar os que escolhem a pílula da alienação, tão confortável que é em seu acolhimento fingido.

Há, no entanto, camadas de mentiras. Há aquelas inofensivas, que miram o agrado. Há aquelas menos importantes, as secundárias, às quais podemos abrir concessões eventualmente. E há aquelas cabeludas, escabrosas. É nesta última camada em que o perigo reside e o nefasto se disfarça de boas intenções. É nela que, despedaçando os conceitos de autonomia, conduz-se a massa a escrever um cheque em branco a autoritários travestidos de salvadores da pátria e comemoradores – ou rememoradores – de retrocessos.

A pílula da Matrix, em vez de absoluta – conceito inexistente no estudo da verdade – deveria detectar estas gradações de mentira. Que deixasse o livre arbítrio ao que inofensivo ou secundário, mas que apitasse um sinal de bom senso quando a estupidez fosse incontestável, quando alcançasse o nível em que não se aceita relativização. Neste 1º de abril, é nesta mentira, a da fórmula mágica da evolução civilizatória, que eu escolho acreditar.

*Gabriel Galo é escritor.