'PM não pode dizer que trocou tiros', diz mãe de bebê morta por bala de borracha

Agatha Sophia tinha 7 meses; policiais foram afastados

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  • Nilson Marinho

Publicado em 1 de fevereiro de 2019 às 11:38

- Atualizado há um ano

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A vendedora Jéssica Maciel, 26 anos, esteve na manhã desta sexta-feira (1°), no Instituto Médico Legal Nina Rodrigues (IMLNR), para realizar um dos procedimentos mais dolorosos para qualquer familiar: a liberação do corpo de algum ente querido.

Jéssica veio agilizar o processo de sepultamento da sua filha mais nova, de apenas 7 meses, Agatha Sophia, que teve morte cerebral depois de ser atingida por uma bala de borracha disparada por policiais militares no último domingo (27), no bairro de São Marcos.

Com feridas no lado esquerdo do rosto, outra na altura do peito e uma nas pernas - coberto pelas vestes -, a mãe chegou ao IMLNR, por volta das 10h30, para buscar um atestado de óbito da filha que deve ser encaminhado para o Departamento de Homicídio e Proteção à Pessoa (DHPP), antes da cerimônia fúnebre. O sepultamento da bebê vai acontecer às 14h, no Cemitério Municipal de Plataforma.

As feridas que a vendedora carrega consigo, já cicatrizadas, são bem diferente daquela aberta dentro dela, às 11h30 dessa quinta-feira (31), quando recebeu da equipe médica do Hospital Geral do Estado (HGE), onde Agatha Sophia estava internada, a confirmação da morte cerebral da caçula.

A mãe lamentou ter feito pouco pela filha que, segundo ela, ao ser atingida, chorou muito e desmaiou logo em seguida."Além de ser uma criança, é mais um inocente. Agora eles (policiais) não podem mais dizer que trocaram tiros com a vítima, como costumam afirmar durante as ações. Todo mundo amava minha filha", disse a vendedora, que também é mãe de um menino de 5 anos.Reveja os momentos após a ação dos policiais militares:

Jéssica lembrou ainda que desde que a filha deu entrada no HGE, os médicos a alertavam sobre a possibilidade de uma morte cerebral. A mãe, no leito, passou a tentar estimular alguma reação na filha. Na segunda-feira (29), ela teve uma resposta, mas o quadro de saúde da pequena voltou a piorar. 

"Fazia cosquinhas, mexia nos bracinhos, nos pés, pedia para ela acordar. Ela conseguiu ainda mexer uma das mãos e dos pés, mas depois disso não voltou a reagir. Tão pequenininha a minha filha", lamentou. 

Após o sepultamento, familiares, amigos e vizinhos pretendem fazer uma manifestação cobrando respostas do caso. Eles vão se concentrar em frente a unidade da Prefeitura-bairro de São Marcos.

Resposta da PM Na quarta-feira (30), a Polícia Militar confirmou que "os militares envolvidos no caso foram afastados e apresentados no Departamento de Promoção Social, onde deverão ter acompanhamento psicológico já que estão abalados com a situação lamentável". Informou, ainda, que um Inquérito Policial Militar (IPM) havia sido instaurado para que "todos sejam ouvidos e as circunstâncias sejam devidamente esclarecidas". 

Após a confirmação da morte de Agatha Sophia, o CORREIO voltou a procurar a Corporação - para saber o que muda no IPM com a morte da bebê. A PM enviou nessa sexta-feira (1º) a mesma nota. 

Confira na íntegra a nota da PM: "Os policiais militares presentes na ocorrência de domingo (27), em que um bebê ficou gravemente ferido no bairro de São Marcos, foram afastados e apresentados ao Departamento de Promoção Social (DPS), onde deverão ter acompanhamento psicológico já que estão abalados com a situação lamentável. Ressaltamos que um Inquérito Policial Militar (IPM) foi instaurado para que todos sejam ouvidos e as circunstâncias sejam devidamente esclarecidas, com isso, as providências penais e administrativas foram adotadas."

A vendedora, que mora com a mãe, a irmã e filho no bairro de Pau da Lima, vizinho a São Marcos, esteve na Corregedoria da Polícia Militar na tarde de quarta-feira (30).

'Hora errada e lugar errado' Segundo Jéssica, seu pesadelo começou na localidade Recanto São Rafael, por volta de 19h30 de domingo, quando saía, acompanhada dos filhos e da irmã, do aniversário de uma amiga.

A bebê estava acordada, nos braços da mãe, no momento em que foi atingida na cabeça por uma bala de borracha.

"Eu já estava praticamente na avenida principal do bairro quando eles (policiais militares) chegaram com bomba, spray de pimenta e aquelas armas apontadas. Foi bater e inchar a cabeça dela, imediatamente. Ela chorou até desmaiar", relatou.

Com a filha nos braços, já desmaiada, Jéssica e a irmã pediram ajuda a dois militares que, segundo ela, negaram socorro."Eles olharam pra mim e um deles falou: 'A senhora está na hora errada e no lugar errado, infelizmente não posso fazer nada'. Aí fui correndo e me joguei na frente de uma moto que estava passando'".Com a ajuda de um desconhecido, em uma motocicleta, a vendedora conseguiu chegar com a filha à Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de São Marcos. Em seguida, a bebê foi transferida para o HGE.

"Ainda bem que o atendimento lá não demorou. Quando chegamos ao HGE, os médicos disseram que não entendiam bem o que era aquilo. Machucou e inchou muito. A cada dia, incha mais. É muito triste lembrar que a polícia não me socorreu", lamenta.

Em nota, a PM informou que com a morte da menina o processo adminsitrativo não tem alterações. "Não há mudanças pois todas as providências penais e administrativas já foram adotadas".

*Com supervisão do chefe de reportagem Jorge Gauthier