PM usa bombas de gás em ação para demolição de 400 barracos na Massaranduba

Moradores protestam contra desocupação em área da Conder

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  • Bruno Wendel

Publicado em 28 de janeiro de 2019 às 10:36

- Atualizado há 10 meses

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. por Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO

Era por volta das 6h desta segunda-feira (28) quando a tropa da Polícia Militar chegou em mais de 10 viaturas a um terreno da Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia  (Conder), no final de linha de Massaranduba. Rapidamente os 400 barracos de madeira foram marcados pela Conder com "X" para derrubada imediata e "R" para a retirada dos móveis. Dava-se, então, o início da desapropriação da área, para desespero das famílias.

"Se eu tivesse para onde ir não estaria passando por isso". A declaração é da ambulante Suelem Santos Lopes, 30 anos, uma das moradoras que teve um "R" marcado na porta do barraco onde vive. 

"Chegaram aqui esmurrando as portas, perguntando quem estava morando, dizendo que todo mundo vai sair, tratando a gente como cachorros. A Constituição Brasileira dá direito à moradia", disse Suelem em prantos, na porta do barraco, enquanto observava a demolição de outras moradias.

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Ela mora no local há um ano, junto com os dois filhos pequenos e o marido, o também ambulante Davison de Araújo Costa, 34, que igualmente resiste em sair do barraco. "Um deles (policial militar) ainda me deu um tapa no peito quando questionei o porquê da demolição. Eu não vou sair. Vou deitar nessa cama e só sairei morto", desabafou. 

A PM chegou a usar bombas de gás lacrimogênio para dispersar os moradores - no momento em que a retroescavadeira precisou entrar nos escombros para recolher os restos dos barracos. Foi por volta das 10h30, quando começou o tumulto entre policiais e a população.  

Formando quatro fileira, com escudos e cacetetes, os policiais formaram paredões que avançaram contra a população que resistia à derrubadas dos barracos. Diante da resistência, a tropa avançou. Com o uso de bombas de gás lacrimogêneo, os policiais conseguiram abrir passagem. Houve correria e gritos. 

Com o apelo da população, o motorista da retroescavadeira começou a chorar. Em seguida, desligou a máquina e desceu, caminhando no sentido de sair da comunidade. "Mas aí um homem todo de preto disse.pra.ele: 'volte, volte, você é louco de desacatar uma ordem judicial? Você está aqui pra isso'. E o motorista retornou e começou a derrubar os barracos", conta a moradora Laura Felipe de Almeida, 35. 

Feridos Duas pessoas ficaram feridas durante a confusão entre policiais e moradores. Uma mulher foi atingida por uma bala de borracha na perna esquerda e um homem teve a cabeça ferida por uma pedrada. Além disso, uma mulher grávida de sete meses e um bebê de oito meses passaram mal com as bombas de gás lacrimogêneo jogadas pela policia na multidão. 

Durante o embate, a dona de casa Ana Lúcia Marques, 52, disse que foi atingida por uma bala de borracha na perna esquerda. "Eles vieram para cima, jogaram gás na gente e atiraram. Na hora senti minha perna arder. Foi quando vi que tinha sido atingida", declarou ela, exibindo a marca deixada pelo tiro. 

No meio da multidão, policiais abriram passagem para Lavínia Ferreira dos Santos, 19, grávida de sete meses. Ela era carregada pelo marido, o mecânico Reginaldo Souza, 30, e um vizinho. Ela teve os primeiros atendimentos em uma ambulância do Corpo de Bombeiros que estava no local. 

"Ela chegou aqui desmaiada por causa do gás. Ela estava passando na hora perto da confusão quando passou mal", contou o marido dela - o casal já mora no local há um ano. Lavínia relatou ter sentido falta de ar e dores na barriga e por isso foi socorrida para a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da San Martim. 

Isaac dos Santos, oito meses, também passou mal por causa do efeito do gás. "Meu filho estava em casa, quando jogaram a bomba e o gás entrou pela janela. O gás o deixou tossindo, lacrimejando. Ele chorava muito", contou a mãe dele, Marileide Muricy dos Santos, 34. A criança foi atendida na ambulância do Corpo de Bombeiros e liberada. 

Já o pedreiro Sérgio Raimundo, 53, foi atingido por uma pedrada. "Foi na hora do tumulto, os policiais batendo e a população revidando com pedradas", contou. Inicialmente, os bombeiros fizeram um curativo no ferimento, mas o aconselharam a ir um posto de saúde já que estava lúcido. 

Ocupação Segundo os moradores, a área foi ocupada há cerca de um ano. No início da manhã desta segunda (28), empregados à serviço da Conder retiravam as ligações de energia clandestinas e depois puseram ao chão os casebres - a maioria de um vão -  com o uso de  martelos, picaretas e outros instrumentos. 

Moradores contam que o local estava abandonado, cheio de mato e usado por bandidos para consumo de drogas. "Antes morava de favor na casa de uma tia, aqui mesmo no bairro. Não tenho para onde ir", declarou a cozinheira Bárbara Evangelista, 38, que teve um "X" marcado na porta do barraco onde mora com o marido e os dois filhos pequenos. 

Uma boa parte dos moradores não estavam em casa."Muitos aqui sequer estão sabendo do que está acontecendo. Estão trabalhando. Outros já foram informados, mas não puderam vir porque não podem deixar o trabalho. Quem não está aqui, não pode guardar os móveis e tem gente que é de fora que está aproveitando para roubar televisão, ventilador", disse Rosália Evangelista, 24, prima de Bárbara. Pernambucano, o desempregado José Cosme Oliveira de Jesus, 40, veio para Salvador atrás de emprego. "Não tenho para onde ir. Eu, minha mulher e meus três filhos estamos na rua agora. A solução vai ser fazer um barraco na maré", declarou.

Em nota, a Conder informou que a "ação em curso no fim de linha de Massaranduba cumpre uma notificação judicial de reintegração de posse. Nas datas de 9 e 10 de janeiro, as famílias foram oficialmente informadas pela justiça que deveriam realizar a saída voluntária no prazo de 15 dias". 

O órgão do governo estadual destacou ainda que o terreno dará lugar a um condomínio popular, com 174 apartamentos. 

"O terreno em questão foi ocupado no primeiro semestre de 2018, apesar da área ser previamente destinada à construção de 174 unidades habitacionais de interesse social com recursos do PAC II. As famílias já cadastradas para receber os imóveis a serem construídos também são provenientes da área de Alagados e atualmente são beneficiárias de aluguel social enquanto aguardam reassentamento definitivo", informou a Conder em nota. 

Segundo a pasta, "a ação coercitiva é de responsabilidade da justiça" e reforça que a atuação da Conder na reintegração "limita-se à prestação de apoio às famílias que hoje ocupam o terreno, disponibilizando caminhões para auxiliar na mudança". 

A Polícia Militar, em nota, destacou que está no local dando apoio na segurança. "Ocorre uma ação de desapropriação de terreno da Conder. A PM está no local apenas em apoio". A Corporação não informou o número de policiais envolvidos na ocorrência. 

O comandante do Policiamento Especializado da PM (CPE), coronel Humberto Sturaro, disse que os moradores foram notificados da reintegração de posse há 15 dias. "Um oficial de Justiça esteve aqui e todos foram avisados. O que acontece é que muitos não moram aqui. Construíram o barraco com a finalidade de obter vantagem com a reintegração de posse. Nossa equipe de inteligência há 30 dias fez um levantamento daqui e constatou que alguns deles deixam coisas dentro do barraco para depois serem beneficiados com programas sociais do estado", disse Sturaro. 

Em relação à ação dos policiais contra os moradores, o coronel negou o uso das balas de borrachas. "O que aconteceu foi que a tropa usou o trabalho técnico que o momento pediu. Não houve uso de elastrômero (balas de borrachas). Usamos apenas agentes químicos e de forma leve", declarou.