Polícia investiga assassinato de jovem ativista no interior

Pedro Henrique Santos Cruz Souza, 31 anos, foi atingido com oito tiros de pistola na sala de casa

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  • Mario Bitencourt

Publicado em 17 de janeiro de 2019 às 05:00

- Atualizado há um ano

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São poucas as pessoas em Tucano, cidade de 50 mil habitantes, situada no nordeste da Bahia, que não achavam que alguma coisa de muito ruim poderia acontecer a Pedro Henrique Santos Cruz Souza, assassinado aos 31 anos dia 27 de dezembro de 2018.

O rapaz foi morto por três homens encapuzados que invadiram sua casa no bairro Matadouro, dizendo ser policiais militares e que o levariam preso. Colocado de mãos para cima, ainda de cueca, foi morto com oito tiros de pistola no quarto de casa.

A namorada dele estava na residência e é uma das testemunhas da execução. Ela já prestou depoimento à polícia. Antes do crime, os assassinos foram na casa do pai de Pedro Henrique, José Aguiar, pensado que o rapaz estivesse por lá.

Segundo relatos dos familiares, o pai foi forçado a dizer onde era a casa do filho, sob ameaças de morte. Procurada nesta quarta-feira (16) pelo CORREIO, a Polícia Civil de Tucano declarou que ninguém ainda havia sido preso pelo crime.

A Polícia Civil informou que “a investigação está em andamento. Familiares foram ouvidos e estamos aguardando alguns laudos periciais. Nesse momento é prematuro passar qualquer informação acerca da investigação.”

Desde 2012 que Pedro Henrique se dedicava ao ativismo social em direitos humanos e denunciava casos de abusos de autoridade por parte de PMs. Naquele ano, ele teria sido supostamente espancado durante uma abordagem de rotina por dois policiais militares, os quais negam que tenha havido excessos.

Apesar das denúncias à polícia e à Corregedoria da PM, em Euclides da Cunha, o caso foi arquivado. Um dos PMs que Pedro Henrique acusou é o tenente Alex Andrade, segundo o qual a abordagem a Pedro Henrique ocorreu como qualquer outra.

Pedro Henrique, por não conseguir comprovar as denúncias, acabou processado por calúnia e foi condenado a prestação de serviços sociais por três meses. “Essas arbitrariedades nunca ocorreram”, disse o tenente, segundo o qual Pedro Henrique “era muito abordado pela polícia porque vivia andando em locais de venda e uso de drogas”.

“Ele defendia abertamente a liberação das drogas, sobretudo maconha, então era um constante suspeito de estar portando droga”, afirmou o tenente Alex, que hoje é corregedor setorial da PM. “Pela função que exerço, tenho de dar exemplo do trabalho da PM, jamais pratiquei algo que abonasse a minha conduta”, disse.

Caminhadas

A partir de 2012, Pedro Henrique começou a organizar em Tucano a Caminhada da Paz, evento anual que ficou também conhecido como “caminhada contra a PM”, já que a tônica dos discursos no evento era denunciar os abusos de policiais.

“Ele gerou a ira em muitos policiais militares e também da guarda municipal. Ele não tinha medo de falar. Ia à rádio, rede social, participava de reuniões, encontros. Era bem ativo”, disse uma amiga de Pedro Henrique que prefere ter o nome preservado.

A Caminhada da Paz passou a ser um dos principais eventos de Tucano, e agora com a morte de Pedro Henrique deve tomar mais força, tendo em vista que amigos e familiares prometem ampliar o movimento depois do assassinato.

Ela era realizada em todo o mês de abril por Pedro Henrique, que com apoio de outros amigos saia pela cidade com faixas e um minitrio enfeitado com as cores da Jamaica, em referência ao cantor de reggae Bob Marley, de quem Pedro Henrique era fã.

Pedro Henrique gostava também de fumar maconha, dizia isso abertamente. “Mas era um maconheiro calmo, do bem, que ajudava muita gente. Não traficava, plantava o pé dele em casa e fumava o seu baseado sossegado”, contou a amiga.

Em 28 de outubro de 2018, dois dias antes das eleições que elegeram Jair Bolsonaro (PSL) presidente, a contragosto de Pedro Henrique, ele foi preso em flagrante pela PM com oito pés de maconha em casa, localizada no bairro Matadouro.

No momento da prisão, ele estava fazendo tatuagem em um cliente – além de tatuador, Pedro Henrique atuava também como artesão e criava assessórios de uso pessoal, como colares, pulseiras, anéis, brincos, etc.

Numa carta-denúncia divulgada na internet, Pedro Henrique disse que os policiais entraram em sua casa sem mandado judicial: “Eu perguntei se tinham mandado e apontaram uma arma de fogo no meu rosto exigindo que abrisse”.

Pedro Henrique (à direita) durante uma das Caminhadas da Paz realizadas por ele em Tucano (Foto: Divulgação)  

Flagrante ilegal

Pelos oito pés de maconha, Pedro Henrique foi enquadrado como traficante de drogas, mas o juiz de plantão Josué Teles Bastos Júnior avaliou que ele era usuário e o mandou soltar, o que ocorreu 48 horas depois.

“Aceitar o caso como flagrante é o mesmo que legitimar operações policiais sem um mínimo de controle judicial, operações essas que, na maioria dos casos, resulta em violação das garantias constitucionais da população mais pobre”, escreveu o juiz.

“Forte em tais razões, conclui-se que não foi observada a garantia constitucional da inviolabilidade de domicílio, tornando, por consequência, ilícito o flagrante”, continuou.

Segundo familiares de Pedro Henrique, os PMs que invadiram a casa são os soldados Edvando Luiz de Almeida, Gladiston Lucas Vieira Araújo, Leandro dos Santos Santana e Thiago Vieira dos Santos, e mais três policiais da guarda municipal de Tucano. Eles não foram localizados pelo CORREIO para comentar o caso.

Fotos de Pedro Henrique algemado com os pés de maconha ao fundo, com a notícia da prisão, circularam em grupos de Whatsapp, sites e blogs de notícias da Bahia. As imagens foram feitas por policiais militares, segundo ele denunciou.

“As fotos minhas veiculadas em grupos de whatsapp e sites de notícia foram tiradas pelos autores de minha prisão e eles serão responsabilizados por isso e por todas as ilegalidades que praticaram contra mim”, afirmou na carta.

“As plantas não estavam em terreno baldio algum, como esses mentirosos alegaram nas manchetes que eles enviaram aos meios de comunicação, elas foram arrancadas no quintal da minha casa que eles invadiram e onde eu me encontrava trabalhando”.

Na carta-denúncia, Pedro Henrique ainda comentou que “a VII Caminhada da Paz 2019 está chegando e quem estiver incomodado que se mude da cidade. Agradeço a Deus por estar vivo e poder vir aqui, neste espaço pra me defender, infelizmente muitos não podem fazer isso por estarem mortos”.

Agora, quem o defende é a mãe Ana Maria dos Santos Cruz, uma professora de 53 anos que mora em Salvador. Ela diz ter denunciado o caso à Corregedoria Geral do Estado, ao Ministério Público da Bahia (MP-BA) e diz que vai procurar a Defensoria Pública da Bahia também.

“Ultimamente, Pedro vinha sendo abordado por uma guarnição da PM de Tucano, composta por três soldados: Sidiney Santana, Bruno Montino e Samuel. Sempre com agressões e ameaças”, afirmou Ana Maria.

“Fizemos denúncias diversas sobre essas ameaças, tanto na Corregedoria como no Ministério Público, mas nada foi feito para proteger meu filho. Mas não vamos parar, vamos buscar justiça e punição para quem matou meu filho”, ela disse.

Procurado, o MP-BA não respondeu ao CORREIO. A PM informou que “não há nenhum registro na Corregedoria Geral da PM-BA” relacionado ao assassinato de Pedro Henrique.

“No entanto, reiteramos a necessidade de que a denúncia deve ser formalizada junto ao órgão correcional da corporação, a fim de que seja apurada”, informou a PM.