Por melhores condições, entregadores ocupam avenidas de Salvador

O #BrequeDosApps se espalhou nas redes sociais e movimentou milhares de motoboys em todo o Brasil

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  • Da Redação

Publicado em 1 de julho de 2020 às 22:39

- Atualizado há um ano

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Em tarde de greve, os entregadores de aplicativos ocuparam ruas das principais cidades do país, pedindo por melhorias nas condições e mais benefícios ao trabalharem para os aplicativos. No Brasil, o setor comandado principalmente por três empresas: iFood, Rappi e Uber Eats. Em Salvador, os motoboys se concentraram durante a tarde na avenida Antônio Carlos Magalhães, uma das principais da capital, e seguiram até o bairro da Barra, onde se dispersaram.

Utilizando as hashtags #BrequeDosApps e #ApoioBrequeDosApps, as redes sociais se solidarizaram com o movimento. Entre as reivindicações está o aumento no valor das corridas e dos pacotes, além de um outro aumento no valor mínimo de cada entrega. Essa é uma das principais queixas de Tayrone Silva Lima, 44 anos, que trabalha no ramo desde 2016, e já experimentou o trabalho em duas empresas.  Câmera da Transalvador flagrou a movimentação da Avenida ACM (Foto: Reprodução) “Para faturar 100 por dia, por exemplo, tenho que sair de casa às 11h da manhã e só voltar às 23h. Outro dia fiz uma corrida da Pituba até o Alphaville [que fica na Paralela] com duas entregas, e recebi R$ 20. Ontem peguei uma entrega do mesmo lugar da Pituba até Caji [Lauro de Freitas] com um pedido só e recebi R$ 22. A diferença é muito pequena para o que percorremos”, explicou o motoboy. 

Ele completa dizendo que não entende como esses valores são medidos, e que não é explicado pelos aplicativos. Essas empresas também não têm a obrigatoriedade de dar seguro de vida ou roubo para os trabalhadores. Essas são também reinvidicações dos entregadores. O motoboy lembra que “há cinco anos atrás, era fácil fazer R$ 130 por dia, mas hoje tem muito prestador de serviço para pouca vaga”, definiu. 

Durante a pandemia, a atenção se voltou também para a necessidade dos uso de EPI´s, que se tornou obrigatório em toda a capital para os locais que continuam prestando serviço. Porém, cada prestador de serviço precisa bancar seus materiais e custear a gasolina, como lembrou Tayrone. “Você corre riscos enormes na rua. Todos sabem que andar em duas rodas na cidade não é brincadeira. E aí se acontece algo e o cliente reclama, a plataforma não te escuta e não quer saber”, afirma.

E esse último ponto tem sido questionado pelos milhões de entregadores no país. Ao receber reclamações dos usuários, o motoboy pode ficar bloqueado ou ser banido do aplicativo, e isso não parece ser um problema para as empresas, como lembrou Tayrone: “Com o desemprego, principalmente agora na pandemia, quem tem moto está migrando para esse trabalho, assim como quem tem carro passa para outros aplicativos. Se você for demitido, vai ser uma fila de 200 para entrar no seu lugar, os aplicativos não estão nem aí”, completou. 

Sobre a ocupação nas ruas, o entregador vê como positivo o movimento de protestar, mas não acredita em uma real efetividade. Ele reforça o alto número de candidatos ao trabalho, e que isso dificulta um engajamento. Outro ponto trazido por ele são aqueles que, além de não se juntarem nas ações, aproveitam o momento para trabalhar. “Tem aqueles que se aproveitam para rodar e pegar mais pedido. Nem todos aderem. Quando se tem milhares de funcionários é quase impossível de conseguir mudar”, lamentou. 

Tanto que, no final tarde, precisou rodar, afinal, como ele lembrou “ficar em casa um dia já prejuízo para a gente”, finalizou Tayrone, que costuma lucrar mais aos domingos.

Movimento se espalhou no Brasil Capitais como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte também receberam o protesto dos entregadores de maneira intensa na tarde desta quarta. Na capital paulista, o bloqueio dos entregadores passou por locais como as Marginais Pinheiros e Tietê, e as avenidas Bandeirantes e Paulista. A manifestação encerrou neste último local, em frente ao Museu de Arte Moderna de São Paulo, Masp, por volta das 14h. 

No Rio, os motoboys saíram do centro em direção Zona Sul, em bairros como o Botafogo. Já em Belo Horizonte e Recife, os entregadores protestam pela manhã. Em diversas cidades era possível ver motoboys com cartazes escritos ‘nossas vidas valem mais que o lucro deles’.   

Confira alguns momentos do protesto

 

O iFood afirmou ao veículo Meio&Mensagem que o valor médio das rotas é de R$ 8,46 e que a quantia é calculada usando fatores como a distância percorrida entre o restaurante e o cliente, uma taxa pela coleta do pedido no restaurante e uma taxa pela entrega ao cliente, além de variações referentes a cidade, dia da semana e veículo utilizado para a entrega. A empresa afirma também que todos os entregadores ficam sabendo do valor da rota antes de aceitar ou declinar a entrega e que todas as rotas têm um valor mínimo de R$5,00 por pedido, mesmo que seja para curta distância. A empresa também alega que, em maio, o valor médio por hora dos entregadores foi de R$ 21,80, esse valor é 4,6 vezes maior do que o valor por hora tendo como base o salário mínimo vigente no país.

Nas redes sociais, a empresa defendeu as medidas de proteção e segurança da marca para os entregadores.

Já o Rappi explicou ao mesmo veículo que o frete varia de acordo com o clima, dia da semana, horário, zona da entrega, distância percorrida e complexidade do pedido. A empresa também diz que 75% dos entregadores ganham mais de R$ 18 por hora, quando ativos em entregas. O Rappi defendeu ainda que possibilita que os clientes deem gorjeta aos entregadores por meio do aplicativo. Entre fevereiro e junho, a companhia diz ter identificado um aumento de 238% no valor médio das gorjetas e de 50% no percentual de pedidos com gorjeta. Há também um mapa de demanda para ajudar os entregadores parceiros a identificar as regiões com maior número de pedidos.

Seguro e outros benefícios Nessa questão, o iFood afirmou que desde 2019 oferece a todos os entregadores cadastrados em sua plataforma o Seguro de Acidente Pessoal. O seguro não representa nenhum tipo de custo para os parceiros. 

O Rappi diz oferecer, desde o ano passado, seguro para acidente pessoal, invalidez permanente e morte acidental, além de parcerias que possibilitam desconto na troca de óleo, na compra de rastreador de veículos e em estacionamentos de bicicletas próximo a estações de metrô. A empresa diz também ter inaugurado o Rappi Points (bases físicas para descanso, que estão fechadas devido à pandemia).

Apoio na pandemia O iFood afirmou ao Meio&Mensagem ter implementado em março medidas protetivas que incluem fundos de auxílio financeiro para quem apresentar sintomas e para aqueles que fazem parte dos grupos de risco. Também foi disponibilizado gratuitamente até o final do ano um plano de benefícios em serviço de saúde. Em abril, a empresa iniciou a distribuição de EPIs (álcool em gel e máscaras reutilizáveis) em kits com duração de pelo menos um mês. O entregador recebe um convite no aplicativo, como se fosse um pedido, e o deslocamento é pago até o ponto de retirada.

Já o Rappi, como medida de segurança aos entregadores, diz ter adotado a entrega sem contato, em que os entregadores deixam o pedido na porta do cliente e se afastam, para evitar a proximidade, além de distribuir álcool em gel e máscaras para entregadores parceiros. A Empresa afirma ter disponibilizado ainda, por meio do aplicativo, um botão específico para que ele notifique a Rappi caso apresente sintomas compatíveis com covid-19 ou confirme o diagnóstico, para que deixe de prestar serviços no aplicativo e seja imediatamente orientado. Nesse caso, o Rappi diz ter criado um fundo que apoiará financeiramente os entregadores parceiros com sintomas ou confirmação da covid-19 pelo período de 15 dias.

Desativação de entregadores O iFood alega que os principais casos de desativação acontecem quando a empresa recebe denúncias e tem evidências do descumprimento dos termos e condições que pode incluir, por exemplo, extravio de pedidos, fraudes de pagamento ou, ainda, cessão da conta para terceiros. A companhia também alega que, quando isso acontece, o entregador recebe uma mensagem via aplicativo e é direcionado para um chat específico para entender o motivo da desativação. Segundo o Rappi, os bloqueios na plataforma são restritos ao não cumprimento dos Termos e Condições e podem ser revistos por meio do aplicativo do entregador.

Uber Eats e Amobitec Diferentemente de seus concorrentes, o Uber Eats encaminhou à redação um posicionamento da Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), entidade que contempla os serviços de aplicativo que atuam no setor de delivery. O texto diz que desde o início da pandemia as empresas ligadas à associação realizaram diversas ações de apoio aos entregadores parceiros, como a distribuição gratuita ou reembolso pela compra de materiais de higiene e limpeza, como máscara, álcool em gel e desinfetante, e a criação de fundos para o pagamento de auxílio financeiro para parceiros diagnosticados com covid-19 ou em grupos de risco.

O comunicado afirma também que os entregadores parceiros cadastrados nas plataformas estão cobertos por seguro contra acidentes pessoais durante as entregas. Por fim, a entidade ainda ressalta a importância do segmento para a economia, sobretudo no contexto atual. “Diante de um cenário econômico crítico como o da pandemia da Covid-19, a flexibilidade dos aplicativos foi essencial para que centenas de milhares de pessoas, entre entregadores, restaurantes, comerciantes e micro empresas, tivessem uma alternativa para gerar renda e apoiar o sustento de suas famílias”.

Senadores apoiam greve de entregadores e apresentam projetos pró-reivindicações A paralisação dos serviços de entrega por aplicativo para pedir melhoria aos motociclistas e ciclistas em todo país marcada para esta quarta-feira (1º) recebeu a adesão de senadores, que usaram as hashtags de apoio ao movimento #ApoioBrequeDosAPPs e #GrevedosApps em suas contas nas redes sociais. Além das manifestações de solidariedade, a greve motivou o senador Jaques Wagner (PT-BA) a apresentar um projeto para melhorar as condições de trabalho da categoria, proposta que se junta a outras em análise no Senado sobre o tema.

Protocolado nessa terça-feira (30), véspera da paralisação, o PL 3.570/2020 atende parte das reivindicações dos entregadores como aumento do valor das entregas e seguros para acidentes.

A intenção do senador é criar a lei de proteção dos trabalhadores de aplicativos de transporte individual privado. A proposta prevê o direito de associação, sindicalização e cooperativismo, além da fixação de um salário mínimo hora, garantia de planos de saúde, auxílio-alimentação, auxílio-transporte, seguro-desemprego, seguro de vida e de acidentes pessoais e acesso a equipamentos de proteção individual (EPIs). O projeto também propõe a concessão de seguro-desemprego a esses trabalhadores.

“Cremos que a apreciação dessa matéria é urgente. Muitos motoristas, ciclistas e motociclistas estão se sentindo na condição de explorados. Está prevista uma greve nacional no dia 1º de Julho. Precisamos estar atentos a esses fenômenos de vazio legal e, mediante intensas negociações, evitar que esses trabalhadores continuem fragilizados durante a pandemia”, defende o senador na apresentação do projeto.

A greve dos entregadores também chega em um momento em que aguarda decisão do Congresso Nacional um veto do presidente Jair Bolsonaro a uma lei aprovada pelo Senado que garantia maior remuneração para a categoria até outubro.

Trata-se da Lei 14.010, de 2020, que cria um regime jurídico emergencial durante a pandemia do novo coronavírus. Emenda sugerida pelo senador Fabiano Contarato (Rede-ES) e aprovada por deputados e senadores prevê a redução em ao menos 15% do valor retido por empresas motoristas pelos aplicativos de transporte e dos serviços de táxi.

A regra também se aplica aos serviços de entrega (delivery), inclusive por aplicação de celular, de comidas, alimentos, remédios e congêneres, como Ifood, Uber Eats e Rappi, mas o governo vetou o trecho sob o argumento de que a medida violaria a livre iniciativa. O Veto 20/2020 será analisado por deputados e senadores, que podem decidir mantê-lo ou derrubá-lo.

Ao apresentar a emenda, Contarato esclareceu que o custo dessa redução não poderá ser repassado pelas empresas ao consumidor final. E lembrou que profissionais como motoristas de aplicativo são expostos diariamente ao risco de contaminação, sem ter direito trabalhista algum, ou seja, não têm férias, décimo-terceiro salário, descanso remunerado, fundo de garantia, plano de saúde nem seguro desemprego.

Contarato é autor de outro projeto que visa melhorar as condições de trabalho dos entregadores por aplicativo. O PL 391/2020 exige das empresas de entrega por aplicativo algumas obrigações de seguros para os seus entregadores, outra das reivindicações apresentadas neste dia de paralisação, mas que é recorrente desde o crescimento dessa modalidade de serviço nos últimos anos. A cobertura, segundo o projeto, deverá contemplar despesas médicas, hospitalares, odontológicas, casos de invalidez permanente total ou parcial e morte acidental. O senador foi um dos que manifestou apoio aos entregadores nesta quarta-feira (1):

“Eles merecem o mínimo de reconhecimento e dignidade para seguir trabalhando em segurança. Estamos juntos nesta luta por mais direitos”, escreveu o senador em sua conta no Twitter.

Projeto que busca beneficiar outra ponta desse sistema, os restaurantes e lanchonetes, foi apresentado pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). O PL 2.875/2020 reduz as taxas cobradas pelos aplicativos dos pequenos restaurantes, sem aumento para o consumidor final. Randolfe também usou as redes para defender as reivindicações dos entregadores.

“Hoje é dia de apoiar os entregadores de aplicativos do nosso país! Por melhores condições de trabalho, por respeito, por melhorias e garantias salariais! Contem com todo nosso apoio”, escreveu.

Além da paralisação, entregadores pedem para que usuários de serviços de delivery não peçam nada ao longo da quarta-feira, em apoio ao movimento. Em algumas cidades estão previstas manifestações físicas da "breque dos apps", como a greve tem sido chamada na internet. O senador Paulo Paim (PT-RS) manifestou total apoio ao movimento.

“Entregadores de aplicativos enfrentam condições precárias de trabalho, uma verdadeira escravidão moderna. Baixa remuneração, carga horária exaustiva e sistema de pontuação perverso. Meu total apoio à paralisação”, escreveu Paim.

O senador Weverton (PDT-MA) afirmou que as reivindicações como vale-refeição, aumento do valor mínimo da entrega, fornecimento de equipamentos de proteção individual e seguro de vida, roubo e acidente são todas justas: “Desligue o app por 1 dia”, recomendou.

Paulo Rocha (PT-PA) destacou que trabalhadores de serviços de entrega rápida se expõem diariamente à covid-19 para que boa parte da população não precise sair de casa.

“Por isso é fundamental apoiar a causa, o que é bem simples: basta, somente hoje, não fazer pedidos”, escreveu o senador pelo Pará.

Humberto Costa (PT-PE) foi outro a defender os pleitos dos entregadores:

“Entregadores de aplicativos enfrentam jornada diária de 12 horas, sem direitos trabalhistas, INSS, FGTS, aviso prévio ou seguro desemprego", apontou. 

Rogério Carvalho (PT-SE) acrescentou: “Todo o apoio à greve dos trabalhadores de aplicativos!”

ProjetosProjetos  em análise no Senado  PL 3.570/2020 Garante o direito de associação, fixação de um salário mínimo hora, garantia de planos de saúde, auxílio-alimentação, auxílio-transporte, seguro-desemprego, seguro de vida e acidentes pessoais e acesso a equipamentos de proteção individual (EPIs).  Veto 20/2020 Prevê a redução em ao menos 15% do valor retido por empresas motoristas pelos aplicativos de serviços de entrega (delivery) PL 391/2020 Exige das empresas de entrega por aplicativo algumas obrigações de seguros para os seus entregadores, com cobertura de despesas médicas, hospitalares, odontológicas, casos de invalidez permanente total ou parcial e morte acidental. PL 2.875/2020  Reduz em 15% taxa de pequenos restaurantes a aplicativos de entregas