Preço de imóveis no Santo Antônio despenca por conta de infraestrutura antiga

Morar no Santo Antônio pode soar como um paraíso, mas também oferece dificuldades

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  • Carol Aquino

Publicado em 18 de fevereiro de 2018 às 08:47

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Marina Silva/CORREIO

Reduto de artistas e com uma vida noturna agitada, o Santo Antônio Além do Carmo foi alvo de especulação imobiliária na última década por conta do anúncio de um centro comercial de luxo na região. Os preços foram lá pra cima, mas, após a frustração do empreendimento, os preços dos imóveis começaram a despencar. Os motivos da deflação, no entanto, envolvem outros aspectos, conforme moradores.

Um deles é que os antigos moradores estão deixando suas casas no bairro e se mudando para bairros com infraestrutura mais moderna. As casas antigas e muito grandes  não são mais atrativas para quem tem dois ou três filhos e não está interessado em investir em manutenção. Só na Rua Direita do Santo Antônio, dez imóveis estão com placas de venda e outros quatro com placa de aluga-se. Fora aqueles que somente anunciam a venda pela internet.

“Minha mãe faleceu e aqui só moro eu e meu irmão. A casa ficou grande”, mostra o autônomo Mário Augusto Vieira, 62, um dos herdeiros da casa nº 70, que tem 5 quartos. Os corredores compridos e o pé direito alto, por exemplo, revelam o modo de vida no bairro antigamente. As famílias com muitos filhos exigiam espaço para acomodar tanta gente.

Muitas dessas casas funcionavam como pensão ou cortiço. “A casa em que minha mãe morava tinha 17 quartos. Quando meu pai chegou aqui foi que destruiu as paredes e transformou em um imóvel de 5 quartos”, conta o filho da proprietária da casa 79, o vendedor Sérgio Santana, 53. A família passou mais de 40 anos no imóvel, até que a sua mãe ficou sozinha e os irmãos acharam melhor se desfazer do espaço.

“Nenhum dos irmãos quer morar lá, a casa é muito grande. Para manter e reformar é muito custo. As coisas estão sempre quebrando”, reforça. O autônomo Mário Augusto Vieira, um dos herdeiros da casa 70, à venda, cita a dificuldade de reformar como um dos motivos para se desfazer do imóvel (Foto: Marina Silva/CORREIO) A mesma constatação é feita pelo médico Alfredo Nogueira, 66. Também criado no bairro, conta que ele e seus irmãos, depois de adultos, foram morar em outros locais. “O imóvel não nos interessa. Estamos vendendo para repartir. Ninguém quer voltar. Hoje todo mundo quer morar em um apartamento que ofereça lazer, garagem”, revela.

Obstáculos e privilégios Morar no Santo Antônio pode soar como um paraíso por causa da tranquilidade e do clima interiorano, mas também oferece dificuldades. O conjunto arquitetônico é parte da área do Centro Histórico tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) desde 1983. Cada intervenção tem que ter autorização e deve obedecer regras.

“Por dentro pode até mexer, mas por fora, tem que manter a fachada”, conta o dono da padaria Flor do Santo Antônio. Ele precisou trocar o azulejo de mais de 50 anos e enfrentou multas e notificações do Iphan devido a não reposição do azulejo original. “Eu não achei igual para comprar. E se eu achasse, ia ser caríssimo. O que eu ia fazer?”, argumenta o empresário Alex Rodrigues.

Outra dificuldade é estacionar. Como os imóveis são antigos, quase não há garagens e é preciso colocar o carro na rua. As vias estreitas são um empecilho extra e em poucas ruas é permitido parar. Na Rua Direita, por exemplo, só há vagas de um lado da via. Além disso, os frequentadores dos vários bares e restaurantes entram na concorrência por vaga.

Apegados Porém, não é todo mundo que quer deixar o bairro. “Às vezes eu penso duas vezes se fico aqui ou não. Mas você acordar de manhã e olhar para a Baía de Todos os Santos não tem preço”, conta Pereira. Apesar de ter carro, ele elogia o fato de não precisar usá-lo muito no dia a dia, já que o bairro fica perto do Comércio e Avenida Sete, áreas comerciais.

Moradora do bairro há dois anos, a vendedora Cleide Ramos, 29, está ansiosa para saber onde vai morar. O casarão que ela ocupa com os pais será vendido e a família, que aluga o imóvel, terá que buscar uma nova residência. “Se eu tiver que sair daqui vou ficar triste. Às vezes, tem a aparência que eu estou no interior. As pessoas se cumprimentam, deixam você entrar na casa, não tem aquela desconfiança”, conta.

O dono da padaria elogia a segurança, que melhorou na última década, devido ao fato de o bairro se consolidar como um ponto turístico. “Hoje em dia, roubos e furtos são quase zero. Há dez anos, as casas eram invadidas e teve ano que a padaria foi assaltada 19 vezes. Faz seis anos que a gente não sabe o que é assalto”, diz satisfeito.

O pároco da Igreja do Santo Antônio, Ronaldo Magalhães, dá um exemplo curioso da paixão dos moradores pelo bairro. “Tem um conhecido que colocou a casa para vender por um valor exorbitante. Ele está pedindo R$ 600 mil num imóvel que não vale tudo isso. Ele está indo embora mais por causa das filhas, que querem que ele esteja mais perto da família. Mas ele não quer ir embora, por isso deve ter colocado o preço lá em cima”, cita o líder religioso.

DEZ IMÓVEIS À VENDA NA RUA DIREITA DO SANTO ANTÔNIO R$ 180 mil Edf. nº 1 – Apartamento de 2 quartos. Área de serviço compartilhada. 60 m² R$ 380 mil  Casa nº 155 – Sobrado de 2 quatros, 155 m² R$ 399 mil  Casa nº 399 – 4 quartos, terraço com vista para o mar R$ 400 mil Casa 139 – 4 quartos, 2 com terraço, 200 m² R$ 425 mil Casa 78 – 5 quartos, 107 m² e vista para o mar. Imóvel em bom estado R$ 550 mil  Casa 102 – 2 pavimentos, 5 quartos, terraço com vista pro mar, 500 m² R$ 650 mil Casa nº 79 – 5 quartos R$ 900 mil  Casa nº 10 - Somente com fachada, terreno de 800 m²

Valor não divulgado Casa 70 – 5 quartos, vista para o mar. Necessita de reformas estruturais Valor não divulgado Casa 501 Projeto de shopping de luxo inflacionou preços, mas promessa não vingou Não só os imóveis de herdeiros estão à venda no bairro, mas também os comprados pela empresa LGR Além do Carmo Empreendimentos LTDA. Pelo menos duas casas na Rua Direita do Carmo pertencem ao grupo e estão anunciadas para venda. Ao todo, o grupo da filha do fundador do Shopping da Bahia, Luciana Rique, chegou a adquirir mais de 20 imóveis para a construção de um shopping a céu aberto. O projeto não foi à frente.

O anúncio do shopping de luxo, contam os moradores, foi o responsável por um pico de especulação imobiliária na região. “Antes, você comprava um imóvel aqui por R$ 100 mil, R$ 200 mil. Depois (do anúncio) os valores subiram exageradamente”, conta o morador da Rua Direita Américo Pereira, 59.

Ele fala o quanto a LGR acabou fazendo um bom negócio. “O casarão amarelo (na esquina entre as ruas Direita do Carmo e o Largo do Santo Antônio) foi comprado por menos de R$ 1 milhão, hoje eles estão vendendo por R$ 6 milhões”, diz. Pereira lembra que o grupo tentou comprar todas as casas do bairro, mas não teve sucesso. Ele se recusou a vender o imóvel onde mora há 35 anos. Até a Casa da Paróquia de Santo Antônio Além do Carmo recebeu uma proposta de compra, mas a Igreja recusou.

Administrador da Padaria Flor do Santo Antônio, o empresário Alex Rodrigues, 29, contou que o pai tentou comprar a casa vizinha. “Há sete, oito anos, o dono tentou vender por 750 mil. Hoje ele está pedindo 350 mil e ainda não conseguiu vender.”

Já tem quatro ou cinco anos que Luciana Rique desistiu do empreendimento comercial e começou a se desfazer dos imóveis. Ninguém conhece exatamente o motivo, mas especula-se que os tão esperados investimentos de infraestrutura da área ainda não chegaram com força total. A fiação elétrica subterrânea, por exemplo, nunca chegou. A LGR foi procurada pelo CORREIO, mas não indicou nenhum porta-voz.

O presidente da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário da Bahia (Ademi), Cláudio Cunha, encara a valorização com o anúncio do projeto do shopping como natural, já que o entorno de qualquer área a sofrer um benefício tem seu valor de mercado aumentado também. Ele acrescenta ainda que o Santo Antônio Além do Carmo é um celeiro de oportunidades, já que estão previstos investimentos públicos no Centro Histórico, visando a sua recuperação e ocupação. “Está acontecendo a recuperação das igrejas, de praças, teremos a da Rua Chile. Hotéis estão chegando naquela região. E em médio a longo prazo aquele espaço estará valorizado”, disse. Ele acrescentou que o projeto Salvador 360, da Prefeitura de Salvador, está oferecendo boas oportunidades para quem quiser ocupar a área.