Principal facção do estado, BDM marca território com pichações no Pelourinho

Segundo moradores, criminosos se instalaram na região há seis anos

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  • Bruno Wendel

Publicado em 13 de agosto de 2019 às 05:25

- Atualizado há um ano

. Crédito: Marina Silva/CORREIO
. por Fotos de Marina Silva/CORREIO

Uma das maiores facções da Bahia está presente em um dos principais cartões-postais do estado. Nesta segunda-feira (12), o CORREIO circulou pelas ruas do Pelourinho, um dia após a execução do entregador Bruno Farias Conceição, 25 anos, que havia acabado de assistir a um show quando foi morto, e encontrou inscrições que fazem referência ao Bonde do Maluco (BDM) em imóveis históricos.

Também ouviu depoimentos de moradores e comerciantes, que afirmam que a presença do grupo criminoso é uma realidade na região há pelo menos seis anos. A Secretaria da Segurança Pública (SSP) informou que combate a atuação do BDM no local.

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Bruno foi assassinado na Rua Padre Agostinho Ramos por dois homens numa moto, por volta das 20h. Ele havia acabado de assistir à apresentação do Olodum, na Praça Tereza Batista. A cerca de 100 metros dali, na Rua das Flores, o CORREIO encontrou a sigla BDM em muros de casarões. Patrimônio Cultural da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), o Centro Histórico é povoado também por outras organizações criminosas, como a Katiara, conhecida pela atuação no Recôncavo baiano.

As inscrições estão uma de frente para a outra em muros distintos. Lá, no entanto, a maioria dos moradores abordados não quis falar sobre o assunto. Em anonimato, um disse apenas que “o tráfico aqui não traz problema pra gente, não tem encurralação”, disse o homem, que também criticou a Polícia Militar.

O lugar onde os atiradores surpreenderam Bruno fica em frente a um módulo da PM, que fica posicionado diante da ladeira do Largo do Pelourinho. Segundo os moradores, o único PM que estava na unidade móvel correu para buscar reforço.  Entregador caiu morto em um dos principais acessos do Pelourinho (Foto: Tailane Muniz/CORREIO) “Eles ficam sempre ali, mas ou estão sentados, ou mexendo no celular. Os bandidos ficam livres pra agir, não é à toa que nem ligaram, já chegaram metendo bala no menino”, disse um outro homem, também sem se identificar.Área da BDM Moradora da vizinhança, a dona de casa Maria Fernanda Gomes, 50, disse que conhecia Bruno desde “muito novo”. Ao ver o rapaz caído no chão, achou que havia sido vítima de assalto, que relatou ser comum na região. “Fiquei chocada, nunca soube que esse rapaz se envolvia com algo de errado. Nunca soube de nada que comprometesse a conduta dele”, se limitou a dizer.  (Foto: Tailane Muniz/CORREIO) Sem se identificar, o comerciante de uma rua próxima àquela onde ocorreu o assassinato, disse ao CORREIO que o crime teria relação com a briga entre as facções. Segundo ele, boa parte do Centro Histórico é área de comando do BDM, e que “alguns traficantes acabam encontrando rivais em eventos”.

Um outro morador do Centro Histórico disse que há uns dez anos o tráfico era pulverizado e que o BDM existe há pelo menos seis anos. “Aqui era tranquilo. Não tinha esse negócio que é hoje, um comando. Naquela época tinha uns casos isolados, o tráfico avulso. Há dez anos chegou a primeira facção, os Caveiras. Só que depois houve um racha e quem ficou aderiu ao BDM, que se espalhava por Salvador”, disse ele.  “A situação piorou quando a maioria dos moradores do Centro se concentrou nos casarões antigos da Rua do Gravatá, o que hoje é chamado de Cracolândia”, completou o morador.Ainda de acordo com o homem, o tráfico no Centro Histórico é compartilhado por outras facções. Do Taboão até o Pilar é BDM.  A região da Feirinha de São Miguel é Comando da Paz (CP). A organização criminosa Caveira controla o tráfico no bairro da Saúde e na Rua 28 de Setembro. A surpresa é a instalação da facção Katiara - que antes era restrita ao Recôncavo - na Rua da Independência. “A Katiara é atuante, mas só quando vão para cima deles. Por isso pouco se fala sobre ela. Chegou aqui há quatro anos e se abriga nos casarões antigos”, contou. 

Turismo A ação das organizações criminosas também impacta no turismo do Centro Histórico, segundo o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis da Bahia (Febha), Silvio Pessoa. “Tive conhecimento da morte do rapaz (Bruno) no domingo, fruto da ação dessas facções. Temos o 18ª Batalhão da Policia Militar que faz o policiamento no Pelourinho, mas independente disso, a área de Inteligência da SSP tem que fazer sua parte e coibir essas facções no nosso Patrimônio da Humanidade da Unesco. O Pelourinho é uma das joias da coroa do nosso turismo. Além da sensação de segurança, temos que ter a efetiva segurança. Não adianta ter só policiais e as coisas continuarem a ocorrer. Turistas nacionais e estrangeiros vêm para cá querendo também segurança”, opinou Pessoa.

O CORREIO também procurou a presidente da Associação Brasileira de Agências de Viagens (Abav-Bahia), Ângela Carvalho. Ela disse que não teve conhecimento do crime de domingo. “Essa semana, 800 operadores de agentes de viagens, entre o dia 4 e o dia 10 de agosto, do Brasil e do exterior, visitaram todos os pontos turísticos, inclusive o Centro Historio, e o retorno foi o melhor possível. Todo mundo elogiando,. Isso vai de encontro ao que estão falando (insegurança). O que aconteceu ontem (domingo) não tenho conhecimento. Claro que é muito importante saber que temos problemas de segurança pública, isso é muito importante para a situação do turismo de Salvador, mas está melhorando”, defendeu ela.

SSP O CORREIO procurou a SSP que, através de sua assessoria, informou em nota que “desempenha combate sistemático contra o tráfico de drogas, inclusive contra esta facção. 'Balão Mágico' e 'Guerra e Paz' foram duas grandes operações contra esta quadrilha com criminosos presos e outros mortos em confronto. Na região citada, a SSP atua com o 18º Batalhão da Polícia Militar (BPM/Centro Histórico), com equipes do Batalhão Especializado em Policiamento Turístico (Beptur), com a Delegacia de Proteção ao Turista (Deltur), além de outras unidades especializadas”, diz a nota.

A SSP informou ainda que “a região possui videomonitoramento e o sistema de Reconhecimento Facial em alguns pontos que, no dia 1 de agosto deste ano, foi responsável pela prisão de um traficante foragido de Jaguaquara. Faz parte do planejamento de ampliação deste sistema o aumento da cobertura no Centro Histórico. Por fim, a SSP informa que o caso citado na matéria é investigado pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), ainda sem motivação e causa definidas”.

Já a titular da Deltur, a delegada Marita Souza, disse que não há facção no Centro Histórico. “A facção (BDM) não domina aqui, não tem braço, pode ter sido usuários de drogas que fizeram as pichações como gaiatice. Estamos usando câmeras para saber quem é. Aqui a gente tem usuários que puxam correntes, furtam do bolso da pessoa o celular, para trocar por drogas”,  enumerou a delegada.

O Comandante do 18º Batalhão da Polícia Militar (BPM/Centro Histórico), o tenente coronel César Albuquerque, compartilha da mesma opinião da delegada Marita e diz que as pichações são “brincadeira de adolescentes”.

“As pichações aprecem esporadicamente, estamos mapeamento essas perturbações, mas nada ligado à facção. A área toda é bem filmada. Temos o metro quadro mais policiado de Salvador. Classifico isso como uma provocação, uma brincadeira de adolescentes. Apesar das investigações apontarem os causadores, não chegou até a mim a identificação deles. Aguardamos autorização do Iphan para cobrir as pichações”, declarou Albuquerque.