Provei o Ayllu: vinho desértico de altitude e terreno salino do Atacama

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  • Paula Theotonio

Publicado em 13 de abril de 2019 às 14:21

- Atualizado há um ano

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Já estou acostumada à ideia de vinho feito em regiões áridas e quentes do mundo, que surpreendem e desafiam a tradição dos terroirs tradicionais. Sou do Vale do São Francisco, região semiárida cuja vegetação típica é a caatinga, onde chove menos de 400 mm por ano e o solo é rico em minerais, mas pobre em matéria orgânica. Conheci em 2018 alguns rótulos de Israel, terra com produção vitivinífera milenar, e vinhos potentes e complexos. Mas ainda assim, não imaginava ser possível encontrar vinhos elaborados no Deserto do Atacama – o mais seco de todo o mundo. Entre as harmonizações, jamón chileno e camembert de queijo de cabra É preciso um pouco mais de contexto para que você entenda minha empolgação.

Os vinhedos ficam em quatro municípios: Toconao, Socaire, Celeste e San Pedro de Atacama, todos em terrenos localizados em áreas com 2.400 a 3.400 m de altitude. Pertencem a 20 pequenos produtores da Cooperativa de Viñateros de Altura LickanAntay, que produzem 8 mil garrafas por ano num total de 5 hectares. Syrah, Pinot Noir, Malbec, Petit Verdot (única barricada), Chardonnay, País e Moscatel de Alejandría são as uvas plantadas.

Os solos variam um pouco; mas em geral, são calcários, arenosos; repletos de sais e minérios, com quase zero de matéria orgânica. A amplitude térmica é de quase 40 graus no verão. E a água que alimenta o parreiral através da irrigação por gotejamento vem da Cordilheira dos Andes. “A planta se estressa muito, então entrega o melhor de si”, conta Wilfredo Cruz, presidente da cooperativa. Contrarótulo mostra produção de 300 garrafas nesta safra de 2017 Assim como no Vale do São Francisco, há produção ao longo de todo o ano. A colheita é manual, e todo o processo – com exceção do desengace – é manual.  Tudo isso resulta em brancos com altíssima mineralidade e acidez, e tintos tânicos e frutados. Ainda que não sejam espetaculares, expressam o terroir perfeitamente. Para encontrá-los, somente no restaurante El Toconar, localizado na gastronômica Calle Caracoles, em San Pedro; ou na bodega da marca, em Toconao.

Em visita rápida a Toconao, também conversei com Luisa Toroco – uma produtora que trabalha exclusivamente, com a cepa Moscatel de Alejandría – fazendo vinhos doces e secos. Considerada uma uva ancestral, assim como os solos locais, foi uma das primeiras a serem trazidas à região pelos espanhóis. E é a mesma uva do Pisco chileno, destilado típico do país.

“Colhemos 1550 kg em 2019, em um trabalho diário com a arte do amor. Usamos apenas leveduras indígenas e quase todo o trabalho é manual”, conta a viticultora. Em sua loja de artesanato localizada na cidade com menos de 500 habitantes, só havia dois exemplares do rótulo. Ambos da safra 2017, quando foram produzidas apenas 300 garrafas. Não foi à toa que escolhi este vinho, de 15 mil pesos, para levar de volta a Santiago em minha mala apertada. Luisa Toroco se especializa, há 6 anos, na produção de moscatel de alejandría - uva ancestral chilena. Na garrafa, o vinho natural com 13,5% de álcool não apresentava a limpidez dos Moscatéis de Alejandría com mais larga produção, e nem a coloração alaranjada dos primos portugueses doces. Era de um amarelo quase dourado, da mesma cor das uvas que o produzem. No paladar, tinha tudo o que eu esperava dele: mineralidade (quase salina) pungente, deliciosa acidez e fruta. Porém, talvez o tempo quente não tenha feito tão bem à bebida e passei a sentir alguns sinais de oxidação, irreparáveis até em temperaturas mais baixas.

Uma pena? Depende do ponto de vista. Prefiro encarar este contratempo como um convite à prova de safras mais recentes em um retorno ao grandioso e surpreendente Deserto do Atacama.