'Quero as provas', diz viúva de mestre de jiu-jítsu morto pela PM

SSP diz que Iraílson entrou em confronto com policiais da Rondesp; corpo tinha sinais de espancamento

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  • Thais Borges

Publicado em 3 de dezembro de 2018 às 16:27

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Evandro Veiga/CORREIO

“Meu marido está espancado, o crânio dele está esmagado. E não vi marcas de tiro”. Com essas palavras, a esposa do mestre de jiu-jítsu Irailson Gama Costa, Marta Helena Villas Boas, reagiu à declaração da Secretaria da Segurança Pública do Estado da Bahia (SSP-BA) de que seu marido tinha roubado um carro e trocado tiros com a polícia. 

Irailson foi encontrado no Instituto Médico Legal Nina Rodrigues na noite de domingo (2), após cinco dias desaparecido. Durante o velório da vítima, conhecido como Sinho Baiano, Marta, que também é mestre de jiu-jítsu, cobrou respostas da SSP. Ele era um dos principais nomes do esporte no estado.“Eu quero as provas. Cadê as armas? A guarnição, onde foi isso”, questionou, em entrevista ao CORREIO, no Cemitério do Campo Santo. Ela disse que, embora a versão da polícia seja de que ele tenha se envolvido em uma troca de tiros, o corpo de Irailson não tem marcas de perfurações. “Como uma pessoa depois de morta vai trocar tiros? Depois do cérebro afundado vai trocar tiros? Essa é a desculpa que sempre dão”, desabafou.  Marta, a viúva, também é mestre de jiu-jítsu e cobrou respostas da SSP-BA (Foto: Evandro Veiga/CORREIO) Segundo Marta, uma hora antes de divulgar a nota à imprensa, a SSP entrou em contato com a família. Um representante do órgão perguntou se ela sabia das "informações que estavam chegando". Durante a entrevista, Marta frisou que não havia nenhum registro de entrada do marido em hospitais públicos, nem em delegacias. 

De acordo com a SSP, Irailson teria dado entrada no Hospital Geral Ernesto Simões, após o confronto com a polícia. Ele teria morrido na unidade de saúde. Marta nega que exista registro do marido no Ernesto Simões, assim como em outras unidades. 

Ela própria esteve em vários hospitais da cidade, desde a quarta-feira (28), quando ele desapareceu. 

“Eu só fiquei sabendo que o meu marido estava morto porque eu fui até o IML. Persisti na busca. Fui em hospital, no HGE, fui no Hospital do Subúrbio, não tinha entrada nenhuma. Fui em delegacias e também não tinha nada. Até a SSP estava sem entender, porque não existia a entrada dele. E agora apareceu, porque está repercutindo né?”, disse. 

Em nota, a Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab) informou que "não fornece o estado de saúde e informações de pacientes internados na rede de assistência estadual", com intuito de preservar o paciente e a equipe médica.

Confira a entrevista na íntegra

Confronto com a polícia A SSP informou que Iraílson e outro homem ainda não identificado estavam a bordo de um veículo com restrição de roubo e teriam entrado em confronto com policiais da Rondas Especiais da Polícia Militar Baía de Todos os Santos (Rondesp/BTS).

"Após denúncias de que dois homens realizavam assaltos na região da Barros Reis, no último dia 28, policiais da Rondesp/BTS localizaram Iraílson Gama da Costa e outro homem ainda não identificado num veículo HB20 cinza com restrição de roubo, na altura da Avenida Terminal da França, no Comércio. De acordo com os policiais, a dupla reagiu à abordagem e foi atingida. Encaminhada para o Hospital Ernesto Simões, não resistiu aos ferimentos. Dois revólveres calibre 38 foram apreendidos na ação, juntamente com o carro utilizado por eles, tomado de assalto no dia 27 de novembro, pela manhã", disse a SSP, em nota. 

De acordo com a SSP, os dois revólveres calibre 38 foram apreendidos na ação. "Neste domingo, a família de Iraílson reconheceu o corpo e, nesta segunda, fez a retirada no Instituto Médico Legal para o sepultamento. Perícias foram realizadas no local do confronto, cujo registro foi feito na Corregedoria da Polícia Militar", completam.  O corpo do mestre de jiu-jítsu foi velado no cemitério Campo Santo (Foto: Evandro Veiga/CORREIO) Reagido a assalto A suspeita da família era de que ele tivesse reagido a uma tentativa de assalto. A SSP informou que não há registro de assalto. 

De acordo com o cunhado de Sinho, o também mestre de jiu-jítsu Marcelo Villas Boas, 41 anos, a família não sabia o paradeiro do mestre desde quarta-feira (28). Na noite de domingo, a esposa de Sinho, Marta Helena, foi até a sede do Instituto Médico Legal Nina Rodrigues (IML), nos Barris, e descobriu que o corpo do marido estava lá. 

Sinho Baiano começou a lutar jiu-jítsu aos 13 anos. Aos 21, participou do primeiro campeonato vale-tudo. Hoje, boa parte da família – incluindo a esposa, com quem estava há 15 anos, e o filho de 12 anos – também se dedica ao esporte. "A gente construiu uma família no jiu-jítsu", declarou Marta, ao CORREIO, durante o velório do marido. Entre os principais resultados dele, estão o tricampeonato baiano estadual na modalidade, o 3º Lugar na Copa do Mundo de Jiu-Jitsu, em 2010, e o 1º lugar em peso e absoluto da 2ª Etapa do Campeonato Mundial, em 2015, em Buenos Aires. Este ano, Sinho também foi vice-campeão do Floripa Fall International Open Jiu-Jítsu, em Florianópolis.

“Sinho era um campeão. Dedicado ao esporte, cheio de sonhos. Estava com planos para ir para a Europa lutar com o filho, com a família. O jiu-jítsu uniu todo mundo. Infelizmente, o sonho foi interrompido”, lamentou Marcelo. 

Como professor, Sinho tinha um projeto para ensinar o esporte na Base Comunitária de São Caetano, bairro onde morava com a família. No projeto, ministrava aulas gratuitas de jiu-jítsu para crianças e adultos. "Ele era um professor muito importante na cidade pela sua trajetória no esporte. Ele fazia um trabalho social importante no bairro de São Caetano com crianças carentes. É uma perda para o esporte na Bahia", afirmou o diretor da Federação Baiana de Jiu-jítsu e MMA Ricardo Caldeira. Aluno de Irailson, o atleta de jiu-jítsu Felipe Cavalcante, 17, foi um dos que foi se despedir do mestre. Eles começaram a treinar no fim de 2015, quando o adolescente tinha 15 anos. Na época, Felipe já fazia judô e descobriu as aulas de Irailson no Facebook. 

"O mestre era uma pessoa excepcional. Sempre me ajudou e estava me ajudando e correr atrás do meu sonho, que é viver do jiu-jítsu".