Saiba como lidar com a ansiedade em tempos de quarentena

Pessoas relatam como estão enfrentando o problema; veja dicas

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  • Laura Fernades

Publicado em 30 de março de 2020 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Ilustração: Morgana Miranda/CORREIO

Sentir falta de ar, nos dias de hoje, virou sinônimo de muita preocupação. “Acordei com falta de ar, dor no peito, já achando que era sintoma de coronavírus. Achando que ia morrer”, relata o jornalista Daniel Silveira, 32 anos. Ao menor sinal de qualquer mudança no corpo, o baiano que mora em São Paulo faz uma pesquisa na internet.

“Sei que é insano isso, mas todas as vezes vou lá para conferir se está batendo com o que sinto”, confessa Daniel, que tem sentido o peito cada vez mais pesado em tempos de quarentena. Mas, como nenhum outro sintoma foi detectado, o próprio já desconfia estar enfrentando algo que não é novidade em sua vida: a ansiedade.

O transtorno, que até o ano passado fazia o Brasil liderar o ranking mundial, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), tem se agravado com a pandemia da Covid-19. A preocupação com a saúde, com a morte, os idosos, os empregos, a vida social e o futuro estão entre os gatilhos que têm feito a ansiedade ganhar cada vez mais espaço nos últimos dias.

Quando percebeu o que estava enfrentando, Daniel desativou as notificações do celular: site de notícias, perfis no Instagram e palavras-chave como “coronavírus”, “corona” e “covid”. “Fui para a cama, fechei o olho, fiz uma respiração para tentar me tranquilizar. Meu marido chegou, me abraçou, eu chorei, chorei, chorei. Nesse momento estou melhor”, conta, aliviado.

Ao mesmo tempo em que seu trabalho em home office tem ajudado a passar o tempo, tem também agravado sua ansiedade. “O que mais me deixa chateado é que a gente tem muita informação chegando. Eu me sinto obrigado a ler algumas coisas porque estou trabalhando com isso, mas percebo que cada vez que eu leio, fico pior”, observa.

Pânico Diagnosticada com transtorno de personalidade, que causa eventuais ataques de pânico, Bianca Lins*, 29, se viu diante de um desafio: enfrentar a quarentena sozinha em casa, porque toda a família mora no interior de Macaúbas. Já que os pais fazem parte do grupo de risco e não tinha com quem deixar sua gata, Bianca resolveu ficar em Salvador.

“Estou achando o momento muito difícil. Nós somos humanos, vamos sentir de tudo. O medo, a ansiedade... Estava morrendo de medo, mas depois fui me acalmando e criando uma rotina”, conta Bianca, que pediu para não ser identificada com seu nome verdadeiro. Formada em ciências sociais, a jovem já enfrentou a depressão e hoje lida bem com isso.

Além do acompanhamento médico e dos remédios em dia, Bianca tem outras estratégias para manter a sanidade mental e não deixar sua família preocupada. A principal delas é manter uma rotina em casa para não ficar deitada na cama, algo que foi bem difícil nos primeiros dias de isolamento, já que estava lendo muito sobre o coronavírus. “Não conseguia dormir. Ia até 2h, 3h da manhã”, lembra.

Até que freou o consumo de notícias, porque isso a estava deixando “extremamente agoniada”. “Eu sou ansiosa, então tenho falta de ar. Aí penso: ‘Estou ansiosa, ou com coronavírus?’. Às vezes você pode confundir os sintomas”, pondera. Ao perceber o gatilho, decidiu manter outra rotina: levantar da cama todos os dias, tomar banho, tomar café, lavar os pratos, lavar a roupa, ler, fazer yoga, ou dançar.

Negar é pior “Tem dias que não consigo manter a rotina e também aceito isso. Mas realmente evito ficar deitada, porque pode ser um gatilho muito grande”, relata Bianca, que confessa ter aprendido bastante com o filme infantil Divertida Mente. “A gente precisa viver todos os sentimentos e saber lidar com eles. Sentir medo e angústia, mas tentar lidar. Não adianta negar, porque é pior”, indica.

Como teve um quadro de depressão severa, há uns anos, Bianca aprendeu algumas lições sobre o isolamento. Aceitar o momento é uma delas. “Tem muita gente perdida e a ansiedade é muito forte. Eu mesma parei de pensar no futuro do emprego, na faculdade, no mestrado. Estava ansiosa, mas parei de pensar, porque não é culpa minha”, pondera.

Manter a rotina é a principal estratégia, mas às vezes nem ela está dando conta e parece que a ansiedade vai dominar. O que fazer? Bianca escreve sobre tudo o que está sentindo em um caderninho, para desabafar. Mas ainda assim, o coração segue apertado? Faz uma videochamada com os pais, a família e os amigos.

“Esse processo não está sendo tão difícil pra mim, porque aprendi a lidar com meus sentimentos com terapia. Passo a entender o que está passando dentro da minha cabeça. Criei uma consciência. Mas muita gente nem reconhece os sintomas. Agora a gente precisa de saúde pública mental mais do que nunca”, defende.

Ritmo Diagnosticada com depressão em 2007, a influenciadora digital Joanna Guerra, 35, acrescenta que é necessário ter consciência sobre as cobranças do momento atual. “O mundo já vive essa ansiedade de dar resultados, cumprir metas, ser produtivo, a gente vive isso. Então, era natural que no período da quarentena a gente tentasse manter o ritmo”, compara.

Joanna destaca, porém, que as inúmeras “listas do que fazer na quarentena” geram ansiedade em quem não consegue acompanhar o ritmo e essa “positividade tóxica” paralisa muita gente. “Você tem uma descarga de adrenalina, a cabeça fica a mil, mas a pessoa fica parada. Por isso, é importante se permitir não fazer nada”, defende.

Apesar da dica, Joanna confessa que não tem sido fácil. Trabalhando em home office desde 2016, a influenciadora diz que só porque está privada de sair de casa, tem ficado ansiosa. “Todo mundo fica em casa a vida toda, mas agora não pode sair, fica atordoado”, ri Joanna.

Mas a crise de ansiedade que viveu há um ano, quando ficou dois dias sem dormir, a ensinou algumas lições. Por isso, não se deixa contaminar. Joanna decidiu ficar longe da televisão e da atualização de números de “mortos e infectados”. Ao mesmo tempo, medita e busca realizar pendências: livros que comprou e nunca leu, gavetas que nunca arrumou.

“É estranho, né? Mas acredito que a gente vai sair dessa crise mais fortalecido como povo e como pessoa. Esse nível de ansiedade que a gente tem vivido é porque estamos tendo que conviver com nós mesmos. A gente vai encarar nossas belezas e feiúras, nossos filhos, nossa família”, defende Joanna. “No lugar do frenesi de bater meta, vai ser só lidar consigo. É um processo do planeta que veio dar uma sacudida. A gente vai sobreviver”, acredita.

Psicóloga alerta: ritmo acelerado é desculpa

Frases como “depois resolvo”, “depois falo para meu marido que nossa relação não está boa” e “depois olho para mim” estão com os dias contados, alerta a psicóloga Marta Érica Souza, 34 anos. É que com o isolamento social provocado pelo coronavírus, as pessoas têm sido confrontadas consigo mesmas, destaca a profissional do Hapvida Saúde.

Esse é, em sua opinião, o motivo do aumento de pacientes em crise de ansiedade que tem atendido no período de quarentena. “Há um sufocamento de emoção e o ritmo acelerado é uma ótima desculpa para que a gente não pense. Não olhamos para nós, nem para o outro. Acontece que agora, esse outro está preso dentro de casa contigo”, lembra Marta.

Segundo a psicóloga, esse é o momento para pensar sobre os incômodos e as resoluções que precisam ser tomadas. Afinal, “o depois virá” junto com pessoas ansiosas porque precisam tomar decisões. “Vão voltar os dias agitados, as cobranças pessoais. Existe um cuidado que precisa ser tomado. Agora é o gatilho, mas o processo continua”, alerta.

Portanto, Marta ressalta que é necessário ter cuidado para não estar reinventando as ansiedades dentro de casa e, para isso, sugere algumas dicas de bem-estar (veja abaixo). Entre elas, estão manter uma rotina em casa, não deixar que as tarefas se acumulem, valorizar as relações com a família e os amigos e respeitar a individualidade do outro. “Vamos valorizar o que temos ao nosso alcance”, sugere.

Dicas para enfrentar a ansiedade

Atenção aos sintomas A chamada ansiedade generaliza- da acontece quando há sintomas contínuos. São eles: angústia, irritabilidade aumentada, desesperança, dificuldade de tomar decisões, incapacidade de sentir prazer e tensão. Sua mani- festação se dá através de crises.

Reconheça É importante identificar o que você está sentindo. Estando acompanhado por alguém, ou morando sozinho em casa, esse é um período de solidão. É o momen- to de olhar para si, tentar se conhecer um pouco mais e entender seus medos e angústias.

Interaja O momento é de solidão, mas é fundamental interagir com o próximo, seja ele um amigo, a própria família ou até um animal de estimação. Caso não possa contar com a presença física de outra pessoa, invista nas  ligações ou até mesmo nas videochamadas.

Mude o ‘disco’ Faça um esforço  para pensar e falar sobre coisas saudáveis. Vale a pena ‘fugir’ um pouquinho do que está acontecendo no Brasil e no mundo, porque se você falar só sobre coronavírus e suas consequências pode prejudicar sua saúde mental e adoecer.

Seja positivo Tente manter uma linguagem corporal positiva, não fique para baixo. Se interesse pelos assuntos que as outras pessoas ao seu redor estão falando. Ouça mais o outro. Espalhe bilhetes com frases otimistas pela casa para te lembrar periodicamente.

Faça terapia Consulte um terapeuta. É impor- tante refletir sobre o momento, conhecer suas fragilidades e suas potencialidades. Esse cuidado deve ser tomado durante e depois da pandemia. Não tem dinheiro? Procure atendimento social que oferece sessões gratuitas.

Se fortaleça Nesse momento, é importante conversar. Não tem para quem ligar? Escreva em um caderno sobre tudo o que está sentindo. Além disso, crie a possibilidade de ter novas relações, as redes sociais podem servir de ferramenta para ajudar nisso.

Viva em harmonia Crie estratégias dentro de casa para que todas as pessoas que estão dividindo o mesmo espaço vivam em harmonia. Para isso, é importante racionar tarefas e respeitar o espaço do outro. Alegre o ambiente com cores,  seja em flores ou em um lençol.

Planeje Faça um planejamento a longo prazo. Em algum momento, a pandemia e a crise vão passar. E depois que passar, você vai fazer o quê? Pense no emprego que gostaria de ter, nas viagens que sonha em fazer, nos cursos que quer ter no currículo.

Se atualize Enquanto a crise não passa, aproveite para se atualizar. É o momento de reelaborar o cur- rículo e fazer cursos gratuitos na internet. Aproveite para apren- der algo que você nunca imaginou, para fazer cursos, ler, estudar, desenhar, pintar, escrever.