São João passou por aqui! Conheça baianos que fazem tradições juninas resistirem

Festas realizadas por moradores do interior e da capital resistem e reafirmam o São João tradicional

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  • Da Redação

Publicado em 18 de junho de 2022 às 11:31

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Divulgação

Para o povo nordestino, São João é santo, mas também reencontro com a infância, memória afetiva e estado de espírito. A comemoração católica veio de Portugal, ainda no século XV. No Brasil, virou festa da colheita do milho e, por isso, se adaptou muito bem à zona rural do Nordeste. Em face da urbanização, associada à violência e aos grandes eventos promovidos pelas prefeituras, os festejos juninos têm enfrentado um processo de descaracterização, mas, apesar disso, ainda é a festa mais popular do país. A resistência vem de pessoas que mantêm a tradição abrindo suas casas, percorrendo as ruas com trios de forró, levando animação pra todo mundo. O que importa é ter a certeza que São João passou por aqui!

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Família unida  “Meu São João é sagrado!”, avisa Zana Tourinho, de 64 anos, que herdou dos pais a empolgação pelos festejos juninos. Morando em Salvador, em junho ela pega o caminho de Amargosa, onde viveu por 16 anos. Lá, mantém uma casa com o marido e, nesse período, recebe amigos para a festa organizada pela família. Todo mundo contribui. “Fazemos o orçamento, dividimos os custos e realizamos o evento dentro de casa, na porta da rua, e onde der para  acontecer. Isso com muito amor, alegria e é, claro, um licorzinho”, brinca. Tem até música personalizada, o ‘Forró da gente'. Também tem churrasco. “Antes, íamos de casa em casa, mas, devido a violência, infelizmente, deixamos de ir”, lamenta Zana. A festança começa no dia 23, véspera de São João, e se entende até o dia 25.

Expectativa Para a ireceense Ana Maria Dourado Pimenta, 58, o São João é o momento mais aguardado do ano. Quituteira de mão cheia, ela prepara, entre outras delícias, amendoim cozido, biscoitinhos, bolos de aipim e de fubá. A sustança fica por conta do mocotó e do sarapatel, que acompanham os licores também produzidos por Ana. O alpendre da casa foi adaptado para a festa, que é decorada com oratórios, bandeirolas, balões coloridos e toalhas de chita nas mesas. Chamam atenção os estandartes com as imagens dos santos juninos: Santo Antônio, São João e São Pedro, “Eu faço tudo. Comecei essa tradição em nossa família há mais de três décadas”, afirma. Depois de dois anos sem comemorar, devido a pandemia, agora ela espera os amigos, os parentes e os filhos que moram em Salvador. A filha,Thiala Karina Dourado dos Santos, 33, vai levar reforços: “Vão comigo meu noivo e umas dez pessoas da família dele”, avisa. 

Olha o Coelho! Aloma Brito Cardoso e Silva Coelho, 40, celebrava o São João com a família desde criança, quando morava em Ilhéus. Ao se mudar para Santo Antônio de Jesus, onde vive com o marido e os três filhos, manteve a tradição. “Todo ano a gente faz o Forró da Toca. ‘Toca’ é o nome da minha casa, uma referência a ‘Coelho’, que é o sobrenome do meu esposo”, ressalta. São quase 10 anos da festa, que foi suspensa por conta da pandemia. No ano passado, a saudade foi tanta, que a comunicóloga decidiu realizar um evento virtual mesmo. “Fiz roupa caipira, botei a família vestida igual; decorei a casa; coloquei Dorgival Dantas e Elba Ramalho pra tocar; dançamos e brincamos só nós cinco”, relembra. Para sentir a presença dos amigos e familiares, Aloma e o marido ligaram pra todo mundo: “Foram muitas videochamadas. Quem estava desanimado, acabou se animando”, garante. Esse ano, para alegria geral, o Forró da Toca voltou ao modelo presencial.  Família Coelho (Foto: Acervo pessoal) Devoção Fernando Pinto, 64, é devoto de Santo Antônio. A trezena organizada por ele já virou tradição em Rio de Contas, na Chapada Diamantina. No mês de junho, Fernando abre a casa antiga no Centro, onde mora com a família para receber vizinhos, amigos e até turistas. Tem forró e fogueira na porta. A mesa vai para a calçada, cheia de delícias: bolos de batata, aipim, arroz e milho, mugunzá e mingau. Quem for passado pode pegar, sem cerimônia. As muitas opções de licores, produzidos por ele e pela esposa, também chamam atenção. Este ano, o fuá vai contar com uma nova integrante da família: “Estou ansioso para conhecer minha netinha Ana Clara. Depois da pandemia, só tenho a agradecer por estarmos bem”, celebra. 

Interior na capital Em Salvador também é possível encontrar os tradicionais festejos juninos. Na Ribeira, para ser mais precisa. É lá que moradores como Mario Agra, 64, celebram, há décadas, o São João como se deve: com comidas típicas, bandeirolas, muito licor e casa aberta. Tudo começou com a mãe do petroquímico aposentado e se firmou com o irmão dele, Aloisio Agra, conhecido como Lulu, que saía pelas ruas da Ribeira tocando acordeon junto aos amigos, com a Barca do Lulu. Com o falecimento do irmão, Mario acabou dando continuidade à tradição familiar. Com a pandemia, a farra se resumiu à garagem de casa. Esse ano, ele volta a juntar todo mundo, com muito forró pé-de-serra. “Como sempre, vai ter Luiz Gonzaga, Genival Lacerda, Sandro Becker. É pra todo mundo entrar no clima”, avisa Mario Agra. 

De mãe pra filha Para a felicidade de Laura Fernandes, 34, a comemoração na fazenda do tio Almir, em Ipirá, foi retomada agora em 2022. Há cinco anos, a festa, que acontecia há três décadas, tinha dado uma pausa. “É um momento que amo e não aguento ficar sem o contato com essa tradição”, entrega ela. Laura curtindo o São João aos 2 aninhos (Foto: Acervo pessoal) Desta vez, a celebração foi a Santo Antônio. Laura levou o marido e a filha de dois anos, pela primeira vez. A pequena usou o vestidinho caipira que a mãe vestiu quando tinha a mesma idade. Como no passado, a jornalista e empresária encontrou cestos de amendoim, milho assado na fogueira, canjica e trio tocando forró. O coração-São João bateu mais forte: "Foi muito emocionante ver minha filha descobrindo esse universo da roça, o que é boi, bode, galinha, andando de cavalo com o pai, foi a coisa mais linda do mundo. Me vi nela também”. Cecília, também aos 2 anos, curtindo o São João (Foto: Acervo pessoal) Disposição e animação O São João não chegou a ser uma tradição na família de Leandro Medeiros, 31. Mas, isso não o impediu de desenvolver paixão pelos festejos juninos. Em Paulo Afonso, ele vai de casa em casa para curtir as festas, no melhor estilo ‘São João passou por aqui?’. “Não sou de multidão e nem de ir pra shows grandes. Gosto mais dessas atividades intimistas, que dá pra curtir a tradição e as pessoas”, afirma o bacharel em  Ciências Contábeis. Para ele, a festa precisa ter pamonha, canjica e bolo de macaxeira (ou aipim, aqui desse lado da Bahia). Em contrapartida, Leandro, que também é ator e dançarino, oferece toda sua desenvoltura para dançar os ritmos juninos. “Quadrilha, xote, forró, baião, xaxado, tudo o que envolve a dança sempre me encantou”, conta ele, garantindo levar animação para onde for. Anarriê!

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APROVEITA, GENTE!   Foto: Divulgação Turma do Pau Aceso ‘Eu venho com o pau aceso / pra alegrar o seu São João/ Tô em riste, tô firme, tô teso/ Vou incendiar o seu coração…’ Quem for passar o São João em Mucugê, na Chapada Diamantina, tem grande chance de se bater com um grupo bem animado pelas ruas da cidade, entoando esse forró de duplo sentido, bem no estilo Genival Lacerda (1931-2021). É a Turma do Pau Aceso, amigos que se reúnem desde 2014 para os festejos juninos. “Paramos na porta das casas e perguntamos ‘São João passou por aqui?’ e quando ouvimos o ‘Passou!’, cantamos nosso hino”, explica Leda Otero, 57. Segundo ela, a ideia é resgatar a tradição das visitas de casa em casa, levando alegria com o autêntico forró pé-de-serra. “A gente se concentra na praça Santa Isabel e, de lá, saímos pelas ruas da cidade. Na primeira parada, elegemos o cidadão ‘Mucu’ e a cidadã ‘Gê’, fazemos a coroação e seguimos pelas casas. O encerramento é na praça do Garimpeiro, com muito forró e licor”, conta Leda. Após a parada por conta da pandemia, esse ano a novidade é o quadriciclo elétrico ecológico, que, ela garante, vai melhorar a qualidade do som dos músicos dos trios de forró, respeitando os limites permitidos por lei. 

23 de junho, 20h; 25 de junho, 15h Concentração: Praça da Igreja Santa Isabel Mucugê, Chapada Diamantina, a 455 Km de Salvador @turmadopauacesomucuge

Bando Anunciador Acorda Maria Bonita Mariângela Araújo de Souza, 53, lembra com carinho das festas juninas que participava quando criança, no bairro de Santa Rita, em Amargosa. O movimento acontecia em frente à igreja de Santa Rita. Tinha quebra-pote, pau-de-sebo, quadrilhas, sorteios de prêmios. Nas casas, todo mundo fazia fogueira (grupos se dividiam em comitivas para buscar madeira); nas portas, colocava ramos representando a fertilidade, e pendurava laranjas nos arbustos, uma referência à fartura da colheita. “Era assim até o final dos anos de 1980, início da década de 90, quando os festejos passaram a se concentrar no Centro da cidade e as pessoas começaram a migrar pra lá”, explica a professora e advogada. Os tempos mudaram, mas essas lembranças a acompanharam. Até que, em 2015, ela criou o Bando Anunciador Acorda Maria Bonita, que sai às ruas no dia 23 de junho, véspera do dia do santo, avisando que São João está chegando. O grupo é pequeno, formado por amigos, mas qualquer pessoa pode seguir o carro de som, que passa tocando ‘Acorda, Maria Bonita’, forró e distribuindo licor. Os integrantes fazem questão de se fantasiar à moda caipira. Esse ano, as vestimentas representam as chamas da fogueira e serão nas cores vermelho, amarelo e laranja.  Muita gente espera o Bando passar: “Tem os que já ficam na porta, tem aqueles de outras ruas que também vem atrás. Podem sair pessoas de todas as idades, mas fazemos questão de passar pelas ruas para que os idosos também possam ver e se divertir”, afirma. O Bando Anunciador Acorda Maria Bonita sai do bairro Santa Rita e encerra o cortejo no Centro de Amargosa, onde  acontece a ‘festa oficial’. 

23 de junho, 13h Concentração: Shopping Valle Amargosa, região Centro-sul, a 269 Km de Salvador  @gruporevitalizar

  Zabumbada Irecê Nesse 2022, a Zabumbada Irecê vem com gosto de gás, na celebração dos 10 anos de existência. A festa de forró, que percorre as ruas do município, nasceu por iniciativa do funcionário público Leonardo Vasconcelos de Araújo, 45, e contou com a adesão fácil dos amigos. “O objetivo é disseminar a cultura nordestina e, mais especificamente, o forró tradicional, para que não percamos a nossa identidade, sobretudo a identidade do sertão”, ressalta ele. Os participantes têm que comprar as camisas temáticas para poder ter acesso ao bloco e ao local do evento, mas qualquer pessoa pode acompanhar a Zabumbada pelas ruas da cidade. Nos dois anos da pandemia, claro, não teve festa. No dia 26 de junho, o grupo pretende colocar o forró em dia, com uma grande quantidade de artistas do gênero: Felipe Rodrigues, Eduardo Dourado, Claudinho do Acordeon, Forró do Molho, Chico Leite, Kina Rodrigues, Gabriel Agni, Edmo Dourado, Diego Miranda, Léia Abreu, entre outros “Nosso entusiasmo é grande, bem como a ansiedade de rever os amigos. Vamos botar essa festa pra bombar!”, garante Leonardo. O tema deste ano é ‘Forró - Patrimônio Imaterial do Brasil’. 

26 de junho, 13h Concentração: Clube da AABB Irecê, região Centro-norte, a 483 km de Salvador @zabumbada.irece

Forró do Jegue A Ribeira é um dos bairros de Salvador que mais tem características do interior. É de lá o Forró do Jegue. A festa é a continuação de uma manifestação carnavalesca que ocorria na Península de Itapagipe, chamada ‘O Jegue de Cueca e a Jega de Calçola’. Na ocasião, a jega saía da Massaranduba e o jegue, do Uruguai, ambos em direção ao Largo do Papagaio. Acompanhados de trios de chão e banda de sopro, eles percorriam as ruas, enquanto os moradores iam oferecendo comidas e bebidas. Com o passar do tempo, os integrantes passaram a desfilar também no São João. Esse é o embrião do Forró do Jegue, que teve início na Praça Conselheiro Nabuco (do Colégio da Polícia Militar), na Ribeira. O evento cresceu tanto que ganhou a Avenida Beira-Mar, onde está há 30 anos. “É uma festa feita pela comunidade para a comunidade”, garante Moyses Cafezeiro, 65, um dos organizadores. As pessoas ainda vão de casa em casa e chega caravana de diversos bairros. As quadrilhas juninas são realizadas de forma espontânea, em frente ao Coreto. A organização distribui três mil chapéus de palha e lenços para quem está na festa. Tem trio de forró e banda de sopro tocando música junina. Mas, se ligue: só toca forró pé-de-serra mesmo. “É para manter a tradição, porque as crianças precisam saber o que é o São João de verdade”, ressalta Cafezeiro. Também tem fogueira queimando, licor, milho cozido, bolo de aipim e carimã, além de feijoada e sarapatel. Os festejos acontecem dias 23, 24 e 25 de junho. “Se tiver um recursozinho sobrando, a gente estende até o São Pedro”, brinca Cafezeiro. 

 23 de junho, 19h; 24 de junho, 14h; 25 de junho, 18h Concentração: Em frente ao Coreto (próximo à Praia do Bogari), na Avenida Beira-Mar, Ribeira, Salvador

*Por motivo do recente aumento de casos de covid-19, o CORREIO volta a chamar a atenção para a necessidade da vacinação completa (de acordo com cada faixa etária) contra o novo coronavírus. Além disso, sugere o uso de máscaras apropriadas, a higienização das mãos e o cuidado com aglomerações.