'Se ele não lutasse, ia ser mais gente morta', diz mulher de vítima; veja vídeo

Esposa do motorista Genivaldo da Silva Filho, 48 anos, revela que marido ajudou quinta vítima a fugir

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  • Bruno Wendel

Publicado em 14 de dezembro de 2019 às 10:42

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Acervo pessoal

Entre o requinte de crueldade, um ato heróico. Durante a chacina que teve como vítimas quatro motoristas de aplicativo, todos torturados e mortos a golpes de facão, uma das vítimas lutou com criminosos permitindo que um quinto motorista conseguisse fugir e relatar tamanha crueldade. 

"Se ele não lutasse para o outro fugir, ia ser mais gente morta. Meu marido foi um herói. Ele sabia que ia morrer e entrou em luta corporal mandando o outro correr. Então o rapaz pulou o barraco e sobreviveu para contar tudo isso à polícia. Ele disse: 'O coroa me salvou'. Meu marido era o mais velho entre os mortos", declarou a enfermeira Paula Bispo da Conceição, esposa de Genivaldo da Silva Filho, 48, uma das quatro vítimas da chacina. 

Paula esteve na manhã deste sábado (14) para liberar o corpo de Genivaldo no Instituto Médico-Legal Nina Rodrigues (IMLRN). O enterro dele está previsto para às 16h, na cidade de Laje, região do recôncavo do estado, onde nasceu.

Genivaldo era vigilante e trabalhava também como motorista de aplicativo nas horas vagas. "Meu marido trabalhava nisso para complementar a renda. Naquele dia, saiu para trabalhar como todos ali, saiu feliz, mas não deixaram ele voltar por pura crueldade. Aquilo que fizeram com elas foi muita crueldade para o ser humano. Peço justiça. É uma dor muito grande", desabafou Paula, amparada por amigos e parentes. 

O casal era casado há 23 anos e teve um filho. O rapaz disse apenas que o pai saiu de casa para trabalhar às 5h10 de quarta-feira (11). O irmão de Genivaldo, Jonas da Silva, disse ao CORREIO que às 4h56 recebeu uma mensagem da vítima."Ele enviou um áudio dizendo que ia sair para trabalhar rodando de aplicativo e que Deus estava com ele", finalizou. Em nota, a Uber disse que "lamenta profundamente o crime brutal e chocante ocorrido em Salvador e se solidariza com os familiares e entes queridos das vítimas nesse momento de consternação. A empresa está em contato direto com as autoridades responsáveis para apoiar nas investigações do caso". Nesta segunda-feira (16) está marcado um protesto dos motoristas de aplicativo no Centro Administrativo da Bahia. Eles pedirão mais segurança à categoria.

Valença Daniel, também um dos mortos na chacina, será enterrado às 11h30 no cemitério Campo Santo, em Salvador. Já o corpo de Alisson Silva Damascena dos Santos 27 anos, também vítima da barbárie, já foi liberado do IML e será enterrado neste sábado (14), em Valença, onde a vítima morava com a mãe. Segundo a prima de Alisson, a auxiliar de disciplina Adriana Soares, 44, o rapaz nasceu em Salvador e decidiu voltar para a capital porque é onde mora sua filha de 2 anos.

“Ele precisava trabalhar. Era motorista do 99 Pop há pouco tempo e infelizmente aconteceu essa tragédia. Todos nós ficávamos preocupados com a segurança dele, claro, mas nunca que imaginávamos que aconteceria uma coisa dessa”, lamentou Adriana, a caminho do sepultamento do primo. “Agora, a única forma de ajudar é pedindo justiça”, pediu.

Genivaldo da Silva Filho, 48 anos, foi uma das quatro vítimas da chacina (Foto: Acervo pessoal) Sobrevivente O motorista que sobreviveu à chacina que teve quatro mortos, ocorrida nesta sexta-feira (13), gravou áudios para relatar aos colegas de profissão a situação vivenciada no bairro da Mata Escura, onde ocorreu o crime. O conteúdo do depoimento enviado ao CORREIO foi confirmado como autêntico pela Associação de Motoristas Profissionais de Aplicativos da Bahia e pelo Sindicato dos Motoristas por Aplicativos e Condutores de Cooperativas do Estado da Bahia (Simactter).

No áudio, o condutor conta que está bem, mas com algumas escoriações. "Fala aí, meus irmãos. Estou bem, estou vivo, com algumas escoriações. Não tem novidade não... Todo dia eu falo para vocês que Jesus é maravilhoso, que ele sabe de todas as coisas. Se fosse minha hora, amém, mas não foi minha hora”, começa.

A vítima segue descrevendo detalhes dos minutos em que esteve sob poder dos criminosos e diz que além de ter sido amordaçado com fio de internet, teve os pés e mãos amarrados. “Ele falou para mim: ‘Você não vai morrer não. Agora quando eu falar já, é já. Se vire’”, relatou.

O sobrevivente continua falando ainda sobre as circunstâncias em que os outros quatro motoristas foram assassinados.“Os caras [criminosos] falaram que era sexta-feira 13 e que tinham que matar com requinte de crueldade, que tinham que derramar sangue. Cortaram os caras todo de facão e depois deram tiro. Feio, muito feio”, detalha.  Num segundo áudio, chorando, a vítima lamenta a perda dos colegas. “Oh, irmão, não tinha necessidade de eles matarem ninguém, véi. Só levou tudo, não tinha necessidade, porra. Mataram quatro pais de família”. No terceiro áudio enviado aos amigos, o homem diz que “queria muito viver para contar essa história”. Ele acrescenta que chegou a ir ao Instituto Médico Legal (IML), onde encontrou a família de um dos colegas mortos. “É doloroso, você não sabe o que falar”, finaliza.

Motoristas de Uber e 99 fizeram protesto no final da tarde em vários pontos de Salvador por conta da chacina. (Foto: Bruno Wendel/CORREIO) Crime Os quatro motoristas de aplicativo achados mortos nesta sexta-feira (13) de manhã na Mata Escura foram torturados antes de serem executados. Os corpos foram achados depois que um quinto motorista conseguiu fugir e acionou a polícia. No barraco onde aconteceu o crime, na comunidade Paz e Vida, foi achado um gambá morto em cima de uma cama.

As vítimas foram identificadas como Alisson Silva Damascena dos Santos 27 anos, Sávio da Silva Dias, 23, Daniel Santos da Silva, 30, e Genivaldo da Silva Félix, 48.

Segundo as primeiras informações, os motoristas foram atraídos para o local por chamadas feitas por duas travestis, que acabaram se provando uma emboscada. Ao chegar na comunidade, os motoristas eram rendidos por um trio ainda não identificado. 

“Ele escapou depois de conseguir se livrar de um dos assassinos e se jogar num matagal. Ele chegou a ser perseguido, mas não conseguiram pegá-lo", diz um agente do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) que estava na cena do crime hoje pela manhã.

Depois que o motorista fugiu, ele encontrou policiais do Batalhão de Guardas do Presídio da Mata Escura e contou que tinha sofrido um ataque. Afirmou ainda que seu carro havia sido abandonado na localidade. Policiais da 48ª Companhia Independente de Polícia Militar (CIPM/Sussuarana) foram então até lá averiguar a denúncia.

Lá, encontraram uma cena de crime maior do que esperavam - e mais macabra. Quatro corpos estavam em sacos. Além do carro do motorista que escapou, acharam outro veículo abandonado próximo. Um rastro de sangue levava para um barraco próximo. Um gambá estava morto em cima de uma cama nos fundos do imóvel. Várias poças de sangue estavam espalhadas no local. “Foi aqui que eles foram torturados e mortos”, afirma o perito médico Marcos Mousinho, do Departamento de Polícia Técnica (DPT). 

A polícia acredita que as vítimas foram mortas de maneira separada. "Eram quatro corpos enrolados em lonas e todos apresentavam golpes de facão. A informação que chegou à Polícia Civil é que todas as vítimas eram motoristas de aplicativo, que foram atraídos para o local, colocados em cativeiro por algumas horas, torturados, e executados separadamente", explica Mousinho.

Procurada, a 99 informou que está apurando o caso. Através de nota, a empresa lamentou profundamente a situação e diz que se solidariza com as famílias das vítimas. "A plataforma reitera que repudia veemente esse tipo de violência e está disponível para colaborar com as investigações da polícia", afirmou. Apesar do comunicado, a 99 não confirmou se os condutores faziam parte do banco de motoristas do aplicativo. 

A assessoria da Uber confirmou que alguns dos motoristas faziam parte da plataforma, mas não deu dados individuais. A empresa afirmou em nota que também está ajudando as autoridades policiais na apuração do caso. "A Uber lamenta profundamente o crime brutal e chocante ocorrido em Salvador e se solidariza com os familiares e entes queridos das vítimas nesse momento de consternação", diz o pronunciamento. (Foto: Bruno Wendel/CORREIO) Carros Quatro dos cinco carros das vítimas, incluindo a que sobreviveu, foram achadas pela polícia. Um deles estava abandonado no Centro Industrial de Aratu (Cia). Os demais estavam ainda na comunidade Vida e Paz – dois deles, o Renault Sandero vermelho (PJU-2880), e o Hyundai HB20 (PKL 5B28) estavam próximos de um matagal. Já o Fiat Uno (OVA 9B99) estava estacionado dentro de uma garagem de um barraco vazio – a polícia está à procura também do proprietário da moradia. 

Apesar das informações de que se tratam de motoristas de aplicativo, a polícia diz que ainda está em contato com a Uber e a 99 para confirmar que as vítimas estavam nos cadastros dessas empresas, que ainda não se manifestaram publicamente. "A informação preliminar é que todas as vítimas são motoristas de aplicativo. Já conversamos com alguns parentes, mas estamos confirmando com as empresas Uber e Pop", declarou o delegado Jesus Barbosa, responsável pelo levantamento cadavérico. (Foto: Bruno Wendel/CORREIO)