'Se um juiz me obrigar a entregar o corpo dela eu entrego, diz companheira de Mãe Stella 

Graziela Domini afirma que a própria Mãe Stella deu início aos rituais religiosos da sua morte

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  • Da Redação

Publicado em 28 de dezembro de 2018 às 12:21

- Atualizado há um ano

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. por Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO

Companheira de Mãe Stella há 13 anos, a psicóloga Graziela Domini conversou com o CORREIO sobre a polêmica sobre o local de sepultamento do corpo da ialorixá, que morreu nesta quinta-feira (28) em Santo Antônio de Jesus. O corpo da religiosa está sendo velado desde ontem na Câmara Municipal de Nazaré, cidade onde Mãe Stella viveu com Graziela desde 2017. 

A Sociedade Cruz Santa, entidade civil que mantém e administra o Ilê Axé  Opô Afonjá, entrou com duas petições no Tribunal de Justiça da Bahia em  Nazaré solicitando a transferência do corpo de Mãe Stella de Oxóssi para  Salvador. Como há resistência da companheira de Mãe Stella, a sociedade pede que a  Justiça determine a transferência para que o corpo passe pela primeira fase do Axexê, o ritual fúnebre do candomblé.

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As petições foram protocoladas  durante a madrugada desta sexta-feira (28), enquanto o corpo de Mãe Stella  é velado na Câmara Municipal de Nazaré. Parentes da mais influente líder do candomblé do Brasil, integrantes do Ilê  Axé Opô Afonjá e de outros terreiros também ingressaram com petições na  Justiça de Nazaré, que está analisando os pedidos.

Questionada sobre o assunto, Graziela afirmou que 'se um juiz me obrigar a entregar o corpo dela eu entrego'. Contudo, ela alegou que Mãe Stella vinha se preparando para morrer há muito tempo. "Um ser iluminado morre consciente. Esses últimos 15 dias foram simplesmente magníficos, nós brincamos, nós sorrimos, ela nos deu muitos ensimamentos. Ela chamou a direção do hospital e cada enfermeira para agradecer. Ela elogiou tudo. Mandou eu ler Volter Kilpi (autor finlandês) e ela disse que eu precisaria ter mais tolerância. Ela morreu nos ensinando", destacou Graziela ao lado do caixão da ialorixá. 

Ao ser indagada sobre as críticas do terreiro de que nenhum ritual do candomblé estaria sendo permitido por Graziela, a psicóloga argumentou que a própria ialorixá deu início aos ritos. "Mãe Stella morreu tão dignamente quanto viveu. Não sentiu dor. Não ficou com nenhum aparelho. Pediu para tirar as pulsões. Ela se preparou para morrer. Ela fez a parte religiosa ela. Ela própria fez. Eu sei que isso é estranho para os outros, mas para mim não é. Foi isso que ela me ensinou. Não fui eu que fiz porque eu sou filha de santo dela. Foi feito por ela mesmo. A única coisa que ela pediu é que não mexesse na cabeça dela porque ela já tinha mexido. Eu não estou impedindo rito nenhum. O rito do axexê que começa depois que se enterra eu vou entregar tudo que precisa. O pedido dela para viver em Nazaré está ai na mídia. É onde eu vivo. É onde eu passarei a viver. Ela disse uma coisa muito bonita 'eu não sou raiz. Eu sou semente. Eu espalho o bem e a verdade", afirmou a religiosa. 

Graziela disse ainda que era de interesse da própria Mãe Stella que ela fosse sepultada em Nazaré e que tem um livro, ainda não publicado. "Se ela quisesse ir para qualquer lugar do mundo eu levaria. Eu jamais pirraçaria uma pessoa. Eu sou uma religiosa. Não cabe pra mim. Ela se preocupou e está gravado aqui. Ela se preocupou com as obras culturais. Ela não se preocupou com as obras religiosas. Ela se preocuopou com as obras culturais. Ela tem um livro que ela escreveu há dez anos atrás que já está pronto sobre a relação dela como enfermeira com um pajé (é um livro infantil)", disse. 

A Sociedade Cruz Santa afirma que o axexê (cerimônia do candomblé feita após a morte) precisa ser feito em Salvador no terreiro Ilê Axé Opô Afonjá. Graziela questiona. "Se o axexê começa com o enterro como envolve o corpo? Isso não procede. Tem uma coisa que normalmente é feita no caminho do cemitério, mas ela pediu que isso não seja feito porque ela já fez. As pessoas precisam entender que existem graus de espiritualidade. Tem pessoas que precisam de algumas coisas e outras não. É uma coisa chamada respeito à vontade individual. Ela não é uma propriedade. Ela é um ser humano que tem vontades e que sempre lutou por isso", destacou. 

A psicóloga ainda explica que não há pressa para enterrar o corpo da religiosa. "Ela morreu às 16h e será enterrada às 16h. Eu não tenho pressa nenhuma para enterrar", afirma Graziela sobre críticas do terreiro sobre o fato da religiosa ser enterrada hoje. 

Graziela falou ainda que no tempo que viveu com Mãe Stella aprendeu sobre a alegria. "A alegria, a leveza e não levar as coisas tão a sério e saber que tudo passa. Isso ela me ensinou. Ela dizia que 'não foi eu que fiz o mundo porque eu tenho que mudar", disse. 

A companheira de Mãe Stella teceu críticas a Sociedade Cruz Santa e declarou que ninguém visitou a religiosa. "Eles não estavam preparados para ter uma ialorixá de 93 anos. Eles queriam que ela desse respostas que ela não podia mais dar. Eles criaram que eu não deixava ela ir nos rituais. Ela tinha arterite temporal, uma doença com dores fortes e ela não aguentava ouvir tantos batuques. Eu não impedi nenhuma visita. Não tem nenhum documento assinado por mim que impeça visita. Ninguém do terreiro foi visitar ela nos últimos 15 dias aqui nem nas três internações do hospital da Bahia. Só foi um rapaz que ficou lá por uma hora. Ninguém visitou", disse.

Ao falar sobre as relações com o terreiro, Graziela preferiu interromper a entrevista. "Eu vou parar por aqui. Eu sou transparente. Eu sou água do mar profunda. Agora se precisa eu viro um tsunami se for para defender as pessoas que amo eu viro um tsunami e viro derrubo tudo. Ontem duas mulheres do Ilê Axé Opó Afonjá invadiram o hospital. Eu precisei chamar o Corpo de Bombeiros e a direção do hospital para poder intervir. Eu vou lutar para fazer valer a vontade dela. Se precisar morrer por isso eu morro. É bom que eu vou ficar ao lado dela". 

De enfermeira a zeladora do axé Mãe Stella de Oxóssi, Odé Kayodé, foi a quinta ialorixá a comandar o Terreiro Ilê Axé Opô Afonjá fundado em 1910 por Eugênia Anna dos Santos, Mãe Aninha. Ela nasceu Maria Stella de Azevedo Santos, em 02 de maio de 1925. Enfermeira de formação e também escritora, publicou seu primeiro livro em 1988. Chamado E daí Aconteceu o Encanto, o livro foi escrito em parceria com Cléo Martins e traz histórias sobre as origens do Opô Afonjá e das primeiras ialorixás que comandaram a casa. 

Mãe Stella também é autora dos volumes Meu tempo é agora (1993); Òsósi - O caçador de alegrias (2006) que traz ìtans (narrativas míticas) de Oxóssi, sei orixá regente; Òwe-Provérbios (2007), uma coletânea de ditos em Iorubá e brasileiros acompanhados das interpretações da escritora; o infantil  Epé laiyé - terra viva(2009), que narra a história de uma árvore que ganha pernas; e Opinião(2012), reunião de crônicas selecionadas entre as que a ialorixá publicou na imprensa baiana.