'Sem Descanso' analisa origem da violência policial no Brasil

Filme surgiu por causa da reportagem 'Onde Está Geovane?', publicada no CORREIO

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  • Roberto Midlej

Publicado em 5 de novembro de 2020 às 18:55

- Atualizado há um ano

. Crédito: reprodução

O francês Bernard Attal, 56 anos, chegou ao Brasil em 2005, decidido a ser cineasta. Depois de trabalhar no mercado financeiro, em Nova York, a vocação falou mais alto e ele decidiu dar início a uma nova carreira. E logo em seu primeiro longa de ficção, A Coleção Invisível, revelou-se um cineasta de altíssima sensibilidade, ao adaptar um conto do brasilianista Stefan Zweig. Só a presença de Walmor Chagas, em sua última aparição no cinema, era o bastante para engrandecer o filme.

Em outra ficção, A Finada Mãe da Madame, foi menos ambicioso, mas se saiu muito bem com uma divertida comédia que criticava com fina ironia a vida burguesa nos anos 70 de um casal baiano muito preocupado em manter as aparências.

Agora, ele volta a uma crítica social, mas desta vez, muito mais contundente. E nada tem de cômico, mas trágico: o documentário Sem Descanso, que chega hoje aos cinemas, nasceu depois de uma série de reportagens que o CORREIO publicou sobre o jovem Geovane Mascarenhas, decapitado por policiais militares em 2014 depois de ser parado numa blitz em Salvador.

Indignado com a ação violenta da PM e com a pouca atenção que a sociedade brasileira deu ao caso, Bernard motivou-se a contar o drama de Jurandhy, pai de Geovane. Depois de ser parado pela blitz, o jovem de 22 anos desapareceu. Sem notícias, Jurandhy iniciou uma peregrinação por delegacias, hospitais e IML em busca do filho. Chegou a ouvir de alguém que lhe atendeu a seguinte barbaridade: "Quando você vir um bocado de urubu rodando no céu, pode ir lá, que é onde tá o corpo de seu filho", lembra Jurandhy no documentário.

Mas aquele pai, inconformado, foi à luta: mesmo sabendo dos riscos que corria, aceitou publicar sua história no CORREIO, em uma série que rendeu ao repórter Bruno Wendel um Prêmio OAB de Jornalismo e uma indicação ao antigo Prêmio Esso de Jornalismo. 

Nas mãos de outro diretor, a história tinha tudo para cair na pieguice ou na exploração de um drama pessoal. Mas não é isso que acontece: Bernard, embora entreviste o pai, o avô, a avó e a namorada de Geovane, jamais apela para a emoção fácil. O uso comedido da trilha sonora é outra prova disso. Ele poderia também cair no maniqueísmo, fazendo uma defesa incondicional de Geovane, retratá-lo como um coitado, um santo. Mas também não o faz. E o mais importante: a partir de um drama pessoal, Bernard realiza uma investigação sociológica da violência policial no Brasil,Ele entrevista historiadores, cientistas sociais e ativistas que fazem uma análise precisa das raízes dessa violência. Como bem lembra o historiador João Reis, a polícia surgiu para fazer o trabalho sujo que os senhores não queriam fazer: "Quando o senhor queria punir o escravo, levava-o para uma delegacia e dizia: quero que este escravo seja punido com 150 chibatadas".

E isso ajuda a entender como chegamos ao atual estágio: somente no primeiro semestre deste ano, 3148 brasileiros foram assassinados pela polícia, segundo levantamento do portal G1 com base nos dados oficiais. Talvez por nós, brasileiros, estarmos anestesiados diante de tanta violência, tenha sido necessário um estrangeiro chegar aqui e dizer: "Não, isso não é normal".

Assista ao trailer.

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