Tecnologia e pesquisa tornam produtivas as regiões secas

Cidades do semiárido têm superado as adversidades climáticas através de inovação e programas para o armazenamento de água

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  • Daniela Leone

Publicado em 1 de dezembro de 2013 às 09:11

- Atualizado há um ano

Árvore típica do Semiárido, o umbuzeiro ganhou fama na Europa através de doces exportados Em 1938, o escritor Graciliano Ramos retratou o sofrimento do sertanejo nordestino no premiado romance Vidas Secas. As cenas narradas em uma das obras mais importantes da literatura brasileira ainda são vistas em alguns povoados do Semiárido baiano, mas essa realidade pode e vem sendo transformada com o emprego de informação e tecnologia. “Essa coisa de que no Sertão nada se produz não se justifica. Agora, o que precisa é que sejam desenvolvidas tecnologias que facilitem o desenvolvimento da produção e o convívio do homem”, opina o engenheiro agrônomo da Empresa Baiana de Desenvolvimento Agropecuário (EBDA) Antônio Carneiro. “Hoje, nós temos várias técnicas para que o homem vá se adaptando e produzindo cada vez mais”. O Semiárido Produtivo é o tema do último seminário deste ano do Fórum Agenda Bahia, realizado pelo jornal CORREIO e pela CBN, na terça-feira, no auditório da Federação das Indústrias do Estado da Bahia (Fieb). O plantio da palma forrageira de forma adensada (com diminuição do espaço entre as mudas) é uma técnica que está sendo disseminadas pelos técnicos da EBDA, que prestam assistência a agricultores familiares. O trabalho faz parte do Programa de Segurança Alimentar do Rebanho da Agricultura Familiar, lançado em 2011. Rica em sais minerais e composta por 80% de água, a planta, comum no Nordeste brasileiro, é considerada uma grande alternativa nutricional para os rebanhos em períodos de longa estiagem. As técnicas desenvolvidas para esse tipo de plantio distribuem as mudas nos espaçamentos corretos para o crescimento da planta e propiciam a penetração correta do sol. Com o aumento da produtividade, o agricultor consegue fazer uma reserva estratégica de alimentos para os animais e permite que ele continue alimentando o rebanho. Essa iniciativa ajudou a minimizar os efeitos de uma das piores  secas que a Bahia enfrentou nos últimos anos.  Produtividade “Ela plantada juntinha, como um leque ou uma carta de baralho, aumenta em quase 10 vezes a produtividade em área de sequeiro. Antes, era plantado de forma aleatória e, com essa tecnologia, a gente tem conseguido uma produtividade excelente”, afirma Antônio Carneiro. “A mortandade animal está sendo reduzida com esse trabalho e temos intensificado aqui na Bahia”, pontua. Segundo a EBDA, mais de 11 milhões de mudas de palma forrageira estão sendo distribuídas atualmente para agricultores familiares do Semiárido baiano.   Além de utilizar técnicas para aumentar a colheita de plantas típicas da caatinga, o produtor também precisa contar com a tecnologia desenvolvida para o armazenamento de água, já que o período de chuvas vai apenas de janeiro a março e a seca é crítica entre julho e dezembro. “Se a gente tem limitação de água durante o ano, tenho que montar outras estratégias. Tecnologia é fundamental na medida em que você precisa garantir uma produção em período maior, uma agricultura por mais tempo. Se a gente pensa em atividade produtiva no Semiárido, tem que pensar em tecnologia para armazenar água por mais tempo, para manter a água reservada para o momento que não tenho chuva. É fundamental para que a produção não fique limitada ao período de chuva”, afirma a chefe de pesquisa e desenvolvimento da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Semiárido, Maria Auxiliadora Coelho. A especialista aponta a barragem subterrânea, em que há represamento de água através de escoamento natural em área com declive, como uma das tecnologias mais eficientes no Sertão biano. “Ela mantém a água próxima às raízes. Com ela, é possível manter culturas como feijão, abóbora e mandioca”.   A Bahia é a maior produtora do Brasil de mamona, fonte de energia renovável para produção de biodiesel Novas técnicas Mas as tecnologias usadas no Semiárido baiano não se restringem apenas a armazenamento de água e plantio de espécies típicas da caatinga. As técnicas de melhoramento genético para desenvolver variedades que têm capacidade de produzir com menor quantidade de água também são aplicadas na região. “Alguns cruzamentos são feitos e os melhores vão sendo selecionados. Em geral, são variedades que são mais precoces que o ciclo entre plantio e colheita e há uma menor exigência de água. Fazemos isso com o feijão caupi, que é conhecido como feijão de corda”, exemplifica a chefe da Embrapa Semiárido.Exportação Grupo de pesquisa chefiado pelo  engenheiro agrônomo e pesquisador da Embrapa Semiárido Paulo Roberto Coelho Lopes começou, em outubro deste ano, o plantio de mudas de maçã, pera, ameixa e pêssego. Por ter sido iniciado agora, o estudo ainda não apresenta resultados. Ao contrário dessas frutas, o umbu cresce sem precisar de incentivo extra nas terras do Semiárido e sua agroindústria é uma das principais iniciativas de convivência na região. Nesse caso, a tecnologia é empregada para fazer o fruto ser armazenado e transformado em doces, geleias, polpas, o que permite a comercialização durar o ano inteiro e faz com que os agricultores tenham fonte de renda, mesmo durante o período de seca. A qualidade sanitária dos produtos é alcançada com recursos simples e baratos. Técnicas que definem concentração de cloro, temperatura e controle do pH inibem o desenvolvimento de bactérias e fazem com que os produtos sejam armazenados da forma correta. Graças ao emprego dessa tecnologia, 450 famílias do Semiárido baiano têm um complemento de 30% na renda durante o ano inteiro. Elas estão envolvidas direta e indiretamente no processo de produção da cooperativa Coopercuc, que tem 18 fábricas distribuídas nos municípios de Uauá, Curaçá e Canudos. “A colheita acontece de janeiro a maio e fazemos o pré-processamento da matéria-prima na entressafra. Temos trabalho o ano inteiro”, explica Jussemar Cordeiro, coordenador de educação, formação e comunicação da Coopercuc. Ele foi o primeiro presidente da cooperativa fundada em 1997 e comemora o sucesso do trabalho. “As fábricas funcionam o ano inteiro e, além do umbu, que representa 60% da nossa produção, temos também maracujá, manga e goiaba”. Entre compotas de frutas, doces, geleias e polpas, a Coopercuc tem um catálogo com 18 produtos, que são vendidos para todo o Brasil e exportados para Itália, Franca, Áustria e Alemanha.   Fábricas no sertão fazem do umbu ser fonte de renda o ano todo Novas variedades permitem colher a manona mais rápido As tecnologias empregadas para desenvolver melhoramentos genéticos também têm beneficiado o cultivo de culturas que são fontes de energia renovável, como a da mamona, que entrou em pauta nacional para a produção de biodiesel. “Constantemente têm sido feito trabalhos de melhoramento. A mamona antes era alta e difícil de colher, mas foi se criando variedades de porte baixo com melhoramentos genéticos. Com cruzamento essas variedades melhoraram na altura, no fruto e no teor de óleo”, afirma o pesquisador da Embrapa Semiárido, Marcos Drumond. “O ciclo, que era de 260 dias, melhorou. Hoje, já tem variedades de 120 dias, ou seja, precisa de dois meses de chuva para produzir o cacho e crescer. Olha como isso é bom, você reduz o risco da cultura, pois dois meses geralmente chove. Dessa forma a tecnologia ajuda, pois aumentando a precocidade você reduziu o risco”, explica Marcos Drumond.   A Bahia é o maior produtor de mamona do Brasil, com mais de 150 mil hectares plantados. Com condições climáticas adequadas favoráveis ao cultivo, Irecê é o centro de comercialização do estado. Por causa das restrições que se apresentam a curto prazo para o petróleo, a tecnologia aplicada à mamona para a produção de agroenergia desponta como alternativa para substituí-lo. O óleo extraído da mamona é rico em ácido graxo em sua forma hidroxilada e tem uma boa versatilidade para substituir derivados do petróleo. “Tem uma série de vantagens. Para a aviação, por exemplo, é o ideal e considerado um óleo espetacular, porque não altera as propriedades mesmo acima de 40ºC e abaixo de 0ºC”, pontua Drumond. O óleo da mamona também tem outras funções: é usado em cabos para telefonia, tintas, peças automotivas, graxas para motores, cosméticos, detergentes, pigmentos, colas, resinas e poliuretanos. Seu uso vem crescendo bastante na cadeia ricinoquímica.Cacau é plantado no Semiárido entre bananeiras e coqueiros A Embrapa também vem desenvolvendo pesquisas com frutas que normalmente não se adaptariam ao clima semiárido, que tem temperaturas elevadas e umidade relativa baixa. O cultivo do cacau, por exemplo, típico do clima tropical e muito presente no sul do estado, está sendo desenvolvido na cidade de Juazeiro. Para driblar as adversidades do sertão, os pesquisadores plantaram o fruto em áreas de bananeiras e coqueirais. Com o sombreamento, eles conseguiram reduzir a insolação direta e alcançaram uma temperatura mais amena. Técnicas específicas de adubação e poda também fazem parte do processo. “As primeiras colheitas vão ser feitas em 2014, pois alguns contratempos atrasaram o início da produção, mas a gente tem feito avaliações agronômicas e há grande potencial de produção. O pessoal está animado. Estamos muito otimistas com relação à produção do cacau. Na região sul da Bahia, eles tiram uma media de 30 a 35 arrobas por hectare. Aqui a gente está querendo superar 100 arrobas por hectares”, vibra o engenheiro agrônomo e pesquisador da Embrapa Semiárido, Paulo Roberto Coelho Lopes. o estudo é financiado pela Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba (CODEVASF).

As informações geradas poderão se tornar subsídios importantes para consolidar nas novas áreas irrigadas em empreendimentos com desempenho agronômico e econômico sustentáveis.