'Tenho condições de transformar ela (sic) numa princesa'

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  • Flavia Azevedo

Publicado em 8 de abril de 2019 às 12:57

- Atualizado há um ano

Na minha vida, é comum que a conversa da mesa ao lado se misture com a conversa da minha mesa, nos botecos e restaurantes que gosto de frequentar. Foi uma dessas, nesse fim-de-semana. A poucos metros, um senhor papeava com a irmã de uma moça com quem ele gostaria de namorar. Logo que entendi o enredo, comecei a acompanhar e pescar partes do texto. "Tenho condições de transformar ela (sic) numa princesa", dizia o pretendente a uma interlocutora visivelmente entediada. 

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Ele, um tipo comum. E foi com aquela autoestima exacerbada do homem brasileiro comum que afirmou preferir ficar com essa criatura "mais velha" do que com a menina de 22 anos "completamente apaixonada" por ele, que acabara de dispensar. Era quase um "favor" para a moça mais velha, que - principalmente porque ele tem alguma grana - deveria aceitar. Aí, eu não aguentei e comecei a interferir. 

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(Pode me julgar que eu não ligo, porque militância é isso. De acordo com a definição que escutei, ontem, de um amigo, "é se por em risco por um bem maior". No caso, o risco do ridículo pelo bem maior de tirar um sarro educativo da cara daquele senhor que tava merecendo demais)

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Tudo na simpatia e sem discurso pronto, pra não perder o canal. Perguntei se a moça sabia que ele gostava dela e o que achava disso. Ele respondeu que sim e que ela não dava trela. "Então é assédio, o senhor tem que parar", eu disse. "Agora tudo é assédio? Se eu falar que uma mulher é bonita, é assédio?", mas eu não me rendi ao tédio nem mordi a isca da raiva e seguimos juntos na explicação, conversão, tentativa de salvar aquela alma. 

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(Ainda que não fosse minha obrigação, fique claro)

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Ele tentava defender seu modo "infalível" de sedução e me pediu pra opinar: "se você fosse convidada para um jantar com rosas vermelhas e champanhe, ia resistir?". Não tinha clima pra falar de clichês nem que eu não gosto tanto de champanhe e rosas nem que dependendo de quem convida pode ser até Corote com cravo de defunto, então escolhi a galhofa: "nesse caso, a minha Pombagira perguntaria pelo charuto e pela farofa amarela, pra começar".

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Gargalhamos, claro. E a irmã da moça pretendida era quem mais se divertia. Além da minha comadre Rose que só faltava cair da cadeira de tanto dar risada. O que eu sei é que ele foi ficando meio sem graça. Pegou a carteira profissional e veio se apresentar. Suave. Entre risos, pequenas trolagens, pizzas e uma Heineken estupidamente gelada, a conversa começou a ficar séria quando ele disse "eu tenho uma filha e faço de tudo para que ela se forme e nunca dependa de homem". Uau!

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Pronto. Era mais ou menos aí que eu queria chegar. No momento onde ele, desarmado, mudaria de lugar. Agora é o pai quem fala e ora, ora, vejam só: o senhor que, no começo da conversa, falava da proposta de "transformar ela (a pretendida) numa princesa", agora assumia que aquele não seria um bom negócio para a moça. Pois, se não quer para a própria filha é que não deve prestar.

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"O senhor tem toda razão. Depender financeiramente (e/ou emocionalmente) de homem é um dos motivos pelos quais as mulheres permanecem em relacionamentos violentos e/ou abusivos", eu disse. Contei que já tentaram me bater, por exemplo, e que deu muito errado pro cabra. E que depois desse, nenhum nunca mais teve essa empáfia, nem terá, porque eu não preciso de homem e, portanto, mando qualquer um embora, ao primeiro sinal de abuso. Aí ele ficou mais sério e disse: "mas só de olhar pra você dá pra saber que não tem como, o homem sabe, conhece a mulher que tá na frente dele". Aí eu concluí: "boi sabe onde arromba a cerca?" e ele: "Pois é".

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Conta paga, despedida amigável, aperto de mãos e nenhuma gracinha porque, você sabe, homens comuns se desconcertam e tratam mulheres com uma certa distância, quando passam a respeitar. Gostei do saldo. E constatei, mais uma vez, que só autoestima, independência (financeira e emocional) bastante ousadia e muita conversa - todos os dias - podem nos salvar. 

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(Next please)

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