Um baiano na fronteira do caos: 'Que direito tinha de chorar diante dessas pessoas em sofrimento?'

Fotógrafo Fernando Naiberg fala sobre a experiência que viveu na Romênia cobrindo os refugiados ucranianos

  • Foto do(a) author(a) Priscila Natividade
  • Priscila Natividade

Publicado em 20 de março de 2022 às 11:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Fernando Naiberg/ Autorretrato

Era 24 de fevereiro. O presidente da Rússia, Vladimir Putin, havia autorizado o maior ataque simultâneo por terra, ar e mar de um país contra outro desde a Segunda Guerra Mundial, há 80 anos. As primeiras informações começavam a chegar da Ucrânia, quando o fotógrafo baiano, Fernando Naiberg, levou até o jornal O Público – um dos renomados de Portugal – a ideia de cobrir a fronteira com a Romênia, que, assim como outros países, se preparava para receber refugiados. 

“O jornal comprou a ideia e assim peguei o meu caminho. Contar histórias é o que me move com a fotografia. Apesar de ter a guerra muito próxima, eu vi as consequências iniciais dela sobre as famílias refugiadas e não a guerra do modo figurado em si”, conta. 

Quatro dias depois do início do conflito, Fernando desembarcava no aeroporto Henri Coanda International Airport, em Bucareste, capital da Romênia. Era a sua primeira vez não só no país, mas em uma cobertura jornalística bem próxima de onde um conflito desse porte acontecia.  Inicialmente, montou uma base em Galati, ao sul. De lá, após 1h de carro, o fotógrafo chegou até a fronteira, em Isaccea. “Ali, os refugiados chegam de ferry, atravessando o Danúbio. O ambiente era de dor ao cruzar a fronteira. Muita dor e sofrimento de mulheres e crianças que deixaram suas casas, maridos, a família, fugindo do caos para se salvarem, com longas esperas, em um frio de menos três graus e com neve”, diz. Depois da fronteira sul, Fernando Naiberg subiu de comboio  por mais 6h de viagem para Suceava, cidade ao norte, onde passou mais uns dia. Lá também, os refugiados chegam de várias partes da Ucrânia, inclusive, de cidades já muito castigadas pela invasão russa, como Kiev e Kharkiv. 

“Vi de perto como a guerra é capaz de partir corações e os mais diversos sentimentos: ansiedade, medo, tensão, falta de perspectiva futura. Mas também me deparei com pessoas fortes que, apesar da dor, esperam que tudo termine logo para poderem voltar ao lar, à família, à terra natal”, pondera Naiberg. 

Sofrimento e solidariedade  De um lado, a alegação da Rússia para a invasão está na possibilidade de adesão da Ucrânia à aliança militar com Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e sua expansão para o Leste Europeu, além da vontade de Vladimir Putin de restabelecer a zona de influência da União Soviética. De outro, a Ucrânia reconhece a guerra como desrespeito à soberania do país e ao direito de decidir seu destino e suas alianças. 

[[galeria]]

Durante 10 dias, o fotógrafo Fernando Naiberg passou por cinco lugares, entrevistando pessoas afetadas pela guerra e captando imagens. O clima na Romênia, segundo ele, é o de um país solidário e extremamente organizado para receber os refugiados. “Mesmo sendo uma nação mais pobre do que a Polônia, por exemplo, os romenos estavam muito preparados para acolher. Ainda que houvesse um clima tensão por ter a guerra muito próxima do seu território, existe muita solidariedade. Isso realmente foi confortante em ver”, afirma. Na bagagem, Fernando retornou para Portugal, país onde vive desde 2017, trazendo histórias de partidas,  separações de famílias e  incertezas reproduzidas nas quatro matérias que escreveu para o Jornal O Público focadas no êxodo de crianças, mulheres e idosos ucranianos. 

“Algumas situações me marcaram muito. Durante uma entrevista em Siret, uma mãe não conseguia falar. A emoção dela foi traduzida em um choro ininterrupto que me fez decidir parar para buscar água para ela e desistir de continuar a entrevistá-la. Afinal, que direito tinha eu de chorar diante dessas pessoas em sofrimento?”, explica Fernando, que é neto de Maurício Naiberg, um dos fundadores do Jornal da Bahia. 

Ele revela que não dava para não se sentir impactado ao ver crianças  tremendo de frio, mães chorando com seus filhos, velhos em cadeiras de rodas e as mais diversas expressões traduzidas em muita tristeza. “A guerra é o ápice da ignorância humana. Não existe justificativa para a agressão, principalmente em uma escala bélica deste nível que estamos vendo. Hoje já passamos dos três milhões de refugiados, e nem falei das perdas humanas”, lamenta. 

A guerra na Ucrânia põe o mundo inteiro em alerta máximo diante de um conflito que já passa de 23 dias.  Segundo a Organização das Nações Unidas, 526 civis morreram durante os conflitos, incluindo 52 crianças. Ainda de acordo com a ONU, entre 24 de fevereiro e 15 de março já eram 1.174 pessoas feridas.