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Senta que lá vem...
Da Redação
Publicado em 4 de junho de 2019 às 17:23
- Atualizado há um ano
Um bom produto artístico é o melhor veículo para se difundir e defender qualquer tipo de pensamento. O problema é que para fazer um bom produto artístico é preciso ter talento, garra, realizar mergulhos e revisões em suas teses, e, acima de tudo, ter essa humildade dos grandes artistas que nem de longe é passividade, mas, sim, construção.
Invadir um espetáculo e impedir sua continuidade é para mim uma agressão gigantesca. Nas artes, a plateia é sagrada. Está ali para ser convencida, não agredida. Quem agride com imposição de força o faz por não ter outros instrumentos, e isso se chama mediocridade.
E mais, fazer-se isso com uma peça de Paulo Cunha é ainda mais gritante. Um artista que se empenhou e se empenha em formar jovens pela arte, que tem uma linda e - ele sim - aguerrida trajetória no teatro desta terra.
Há ainda, para se somar a tudo, uma agressão a uma professora, que apenas filmava a manifestação. Ora, mas a ideia não era mesmo dar publicidade?
O que faremos, então? Não mais colocaremos em cena Nelson Rodrigues, pois ele trata de convenções e distorções sociais múltiplas, inclusive racismo; Jean Genet, nem pensar. Já sei! Vamos criar uma comissão com esses moços e moças que devem se orgulhar do que fizeram para que eles decidam o que se pode ir à cena, com quem se pode ir à cena, quando se puder ir à cena. Eles, afinal, têm a verdade, não é mesmo?
Sou favorável a toda manifestação que respeite o direito do outro. Sou favorável ao grito pelo produto da arte e da produção intelectual, pois foi assim que sempre aprendi a manifestar minhas inquietudes; sou favorável, sim, a manifestações, desde que feitas com respeito ao contraditório.
Falamos tanto de intolerância e para defender lá nossos pensamentos somos megaintolerantes? E ainda há quem defenda isso? Vai ser agora na base da porrada mesmo?
Não sou contra ir-se às últimas consequências quando colocados somos em uma situação extrema de vilipendiamento. Mas nem de longe a invasão ao espetáculo do diretor Paulo Cunha pode querer se enquadrar nessa exceção: ali foi mesmo é uma ação totalmente grotesca e equivocada, digna de todo o repúdio.
Esta na hora de gente de porte do importantíssimo Movimento Negro baiano - de história e construção fecunda em nossa comunidade, a ponto de influenciar todo o país - dizer a esse pessoal muita coisa sobre algo que aprendemos com os mais velhos - e aí lembro de um espetáculo que bem nos ensinou isso: "Bença", do Bando de Teatro Olodum - que é respeito.
Há muito a se arrumar no mundo, na sociedade, certamente também na Escola de Teatro da Ufba, mas, mano, sair na porrada e dar gritos fortes é coisa que qualquer medíocre pode fazer. Quero ver fazer um puta espetáculo sobre o tema; uma música referencial; um poema definitivo; um quadro à la Guernica. Precisamos de gente que construa um novo mundo com métodos diferentes dos empregados até agora, pois, esses métodos conhecidos nos trouxeram onde estamos, que não é um bom lugar.
Aos que invadiram e impediram a continuidade do espetáculo de Paulinho Cunha (último sábado, dia 1º), usando métodos empregados pelos piores da Ditadura Militar brasileira, que tanto invadiram teatros e deram porrada em atrizes e atores, deixo um ensinamento registrado por Mãe Stella de Oxóssi em seu Ówe: "Questionar é uma arte. Questionar-se é a arte das artes".
Paulinho Cunha, sei da sua construção. Você não merece isso.
Texto originalmente publicado no Facebook e replicado com autorização do autor