Violência deixa bairros de Salvador sem alguns serviços; veja

Correios, combate à dengue, reparos nas redes de água e energia são afetados

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  • Da Redação

Publicado em 17 de novembro de 2017 às 05:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Marina Silva/CORREIO

A violência enfrentada por quem mora em Salvador tem afetado serviços básicos ao cidadão: por medo, agentes de endemias e funcionários da Coelba, por exemplo, buscam estratégias para atender à população sem colocar a própria vida em risco. Mas há lugares em que o serviço nem funciona: em cinco bairros da capital, encomendas enviadas pelos Correios não chegam - o mesmo vale para quem precisa de serviços da Embasa, ligada ao governo do estado.

A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (Correios) afirmou não entregar encomendas em Fazenda Grande, Lobato, São Caetano, Alto do Cabrito e Boa Vista de São Caetano - que somam mais de 150 mil moradores, segundo o IBGE - temendo furtos e violência aos seus agentes. A decisão é de novembro de 2015. Já a Embasa, para ter acesso aos mesmos pontos, faz um engajamento com lideranças comunitárias.

O medo também é mapeado pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Salvador, que listou 28 bairros com algum tipo de risco aos agentes de endemias. Essas localidades são evitadas pelos agentes, quando há conflitos. O jeito é pedir auxílio dos agentes comunitários de saúde, que normalmente são moradores das áreas.

Encomendas O tipo de violência vivida pelo carteiro Júlio* está entre os motivos pelos quais os Correios deixaram de fazer entregas em  alguns pontos. Em menos de um mês, o carteiro teve a arma apontada para a  cabeça duas vezes em assaltos enquanto estava trabalhando. Depois da primeira ocorrência, no início de outubro, ele ficou afastado por causa do trauma.

Logo após retornar ao trabalho, foi novamente roubado e ainda ameaçado quando tentou fugir. Júlio é o perfil de carteiro mais assaltado em Salvador: os motorizados, que levam encomendas, segundo o Sindicato dos Trabalhadores em Correios e Telégrafos no Estado da Bahia (Sincotelba). Por causa da frequência de assaltos, os moradores dos bairros citados precisam ir a uma agência para retirar suas encomendas.

Há pelo menos um ano, a comerciante Maria do Socorro, 57 anos, que mora em Fazenda Grande do Retiro, precisa fazer isso. Ela compra pela internet os medicamentos necessários para controlar a pressão arterial e para o tratamento de artrose. Mas, como a encomenda não é entregue pelos Correios, ela tem que ir pessoalmente a uma unidade no Comércio.

Mas ela trabalha o dia todo. “Sempre chega um papel informando que os Correios não fazem a entrega. Tem dias que a gente trabalha e não pode. Quando isso acontece, alguém vai por mim, mas, nesse caso, eu preciso fazer uma declaração”, explica Socorro.

Em São Caetano, a situação é a mesma. De março para cá, o comerciante Lucas Carlos Silva, 22, teve que ir dez vezes até a unidade dos Correios no Comércio para receber suas encomendas. “Dois meses atrás, eu fiz três pedidos diferentes que chegaram em datas aproximadas, uma diferença de três dias. Tive que ir quase no limite de uma das encomendas, só para poder pegar as três de uma única vez, porque ficaria inviável gastar mais de uma vez com o transporte”, conta.

Agente baleada No caso dos agentes de endemias, a prudência também é reflexo de violências já vividas: um motorista da prefeitura que estava com uma equipe de agentes foi rendido por homens armados, que queriam saber o que eles faziam ali.

Há alguns meses, uma agente foi baleada no pé enquanto trabalhava. “Um homem tentou atirar em outro e ela acabou sendo atingida”, conta a diretora de Vigilância à Saúde, Gerusa Moraes.

Seis distritos sanitários abrigam 28 bairros considerados perigosos pela SMS: Itapuã, Cabula, Cajazeiras, Barra-Rio Vermelho, São Caetano e Subúrbio Ferroviário. “São áreas com conflitos e que não é seguro botar a equipe. Às vezes tem que deixar de ir. A gente sabe de alguns lugares que policiais fazem operação disfarçados e isso nos deixa preocupados, porque podem achar que o próprio agente é um policial disfarçado”, completa Gerusa.

Casos extremos assim são considerados pontuais. Por receio de represálias, as equipes optam por não ser acompanhadas pela Polícia Militar ou Guarda Municipal.

O coordenador do Sindicato de Agentes Comunitários de Saúde e Agentes de Combate as Endemias da Bahia (Sindacs), Ailton Silva, afirmou que a violência e a influência disso no trabalho dos agentes se tornou algo corriqueiro. Ele conta que, no mês passado, uma agente que reside e atua em Fazenda Coutos foi assaltada. Ela chegou a ser ameaçada de morte, caso entrasse em contato com a polícia.

“A gente não tem como dar segurança para os agentes. Esse é um papel da Segurança Pública. O pior é que os trabalhadores não têm alternativa”, diz. Maria do Socorro, que mora em Fazenda Grande, precisa ir uma vez por mês ao Comércio buscar medicamentos enviados a ela via Correios (Foto: Marina Silva/CORREIO) Iluminação A Coelba, que cuida da ilumicação, decidiu contratar moradores dos bairros mais perigosos para conseguir prestar o serviço à comunidade. “Para realizar leitura de consumo e entregar a fatura mensal, em alguns bairros da cidade, a Coelba contrata leituristas nas comunidades, pessoas já conhecidas da população local, para manter a prestação do serviço ao cliente”, informa a empresa. Por segurança, as regiões onde  isso acontece não foram divulgadas.

Há quatro anos, um funcionário da Coelba foi assassinado próximo ao Hospital Roberto Santos, no Cabula. “Ele foi trabalhar lá, atendeu o telefone e foi confundido com um informante. O homem foi alvejado e a Coelba tomou as providências necessárias”, disse o presidente do Sindicatos dos Eletricitários da Bahia (Sinergia), Erisvaldo Pinheiro.

De acordo com o presidente, objetos pessoais e materiais de uso coletivo que são portados pelos eletricitários que trabalham na rua são os mais roubados. “Para fazer serviços em localidades mapeadas, nós entramos em contato com a Polícia Militar, que realiza uma ronda no dia anterior e presta o serviço no dia da intervenção”, explicou. O Sindicato ainda orienta seus associados a recuar frente a qualquer tipo de suspeita.  Desde março, Lucas Carlos, que mora em São Caetano, também precisa ir à unidade dos Correios no Comércio para buscar suas encomendas (Foto: Marina Silva/CORREIO) Violência ainda afeta serviço de transporte Diminuir a velocidade, ligar as luzes internas, reduzir os faróis e abrir as janelas sempre fez parte da rotina dos taxistas que rodam em bairros perigosos de Salvador. Eles são alertados até mesmo pelos moradores. Mas o passo a passo não garante segurança. “A profissão do taxista já é muito vulnerável, porque nós rodamos com diversas pessoas desconhecidas por dia. Além de ter que nos proteger, ainda existe o fator de proteção do passageiro”, ressalta o presidente da Associação Metropolitana dos Taxistas (AMT), Valdeilson Miguel.

Valdeilson conta que, quanto mais afastado do centro da cidade, pior a situação de violência. Mas, ultimamente, já existe uma preocupação maior com localidades do centro, como Federação, Cosme de Farias, Engenho Velho de Brotas e outros.

“Todos os bairros têm os seus riscos. Nós damos a orientação para que os taxistas prestem queixas nas delegacias. No entanto, acreditamos que unificar esse tipo de ocorrência em uma só delegacia possa fazer com que o processo seja mais fácil”, sugere.

A padronização dos táxis evita que eles sejam confundidos com policiais, como ocorreu com um Uber no Lobato. “Uma passageira pediu o Uber, correu para o veículo e pediu para que o motorista reduzisse o farol e ligasse a luz interna. O condutor já estava cercado de homens armados, que acreditavam que ele era policial e iam executar ele”, contou o presidente do Sindicato dos Motoristas de Aplicativos, Condutores de Cooperativas e Trabalhadores Terceirizados em Geral (Simactter-BA), Átila Santana.

O sindicato chegou fazer um mapa com base nas ocorrências de violência, que é repassado aos motoristas, com a orientação de evitar os locais delimitados. Além disso, quando há alguma ocorrências, os motoristas são orientados a evitar o local. Já são considerados perigosos o Lobato, Nordeste de Amaralina, Valéria e Subúrbio Ferroviário.

A Uber afirmou que o app pode impedir solicitações de viagens em áreas com “desafios de segurança pública” em dias e horários específicos. Já a 99 afirmou que envia alertas de áreas de risco aos motoristas. “Os alertas são guiados por algoritmos inteligentes que mapeiam as áreas de risco baseados em reclamações de usuários, informes de problemas e estatísticas públicas de violência”, diz a 99, em nota.

Para SSP-BA, casos não são frequentes A Polícia Militar da Bahia (PM-BA) falou sobre a insegurança vivida pelos carteiros. Em nota, a corporação informou que foram realizadas reuniões entre os comandos da 9ª e da 14ª Companhias Independentes da Polícia Militar (Pirajá e Lobato, respectivamente) para instituir ações e garantir a normalidade dos serviços nos bairros em que os carteiros são alvos de assaltos.

“A 9ª CIPM, responsável pelo policiamento na região da Fazenda Grande do Retiro, Boa Vista de São Caetano e São Caetano, e a 14ª CIPM, que policia Alto do Cabrito e Lobato, realizam rondas diuturnas, abordagens e contam com o apoio de unidades táticas e especializadas”, informou a PM.

A polícia lembrou, ainda, que em uma das abordagens conseguiu prender suspeitos de terem roubado as agências dos Correios dos bairros de Plataforma e Alto do Cabrito, no início deste mês. Com eles, a PM apreendeu um revólver calibre 38 com seis munições e uma motocicleta que era utilizada para praticar os roubos.

Já a Secretaria da Segurança Pública da Bahia (SSP-BA) disse que “os problemas envolvendo a realização de serviços públicos por conta da violência não são frequentes em Salvador e RMS” e que os relatos dos prestadores de serviços “são unânimes quando informam que tratam-se de casos isolados, em algumas localidades e não em bairros generalizados”. Segundo a pasta, não houve casos registrados nos bairros.

A SSP-BA também informou que mantém aberto o diálogo com os órgãos e prestadores de serviços  e que “toda a necessidade demandada referente à segurança dos bairros e cidades é analisada e, com o apoio das polícias Civil e Militar, dada a resposta necessária e à altura”. Ao contrário de carteiros e funcionários da Embasa, não há locais, segundo a SSP-BA, em que os policiais não entrem.

Por fim, a SSP-BA disse que orienta as equipes das polícias Civil e Militar que mantenham contato direto com representantes e instituições de serviço público. A pasta ressalta que é importante comunicar situações de violência à polícia. Os crimes podem ser informados pelo Disque-Denúncia (71 3235-0000).