Waldir deixa viva a fé na política e na democracia

O ex-governador e ex-ministro foi um dos quadros mais importantes da esquerda brasileira

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  • Donaldson Gomes

Publicado em 23 de junho de 2018 às 00:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Robson Mendes/Arquivo CORREIO

Baiano de Acajutiba, advogado por formação e político por vocação. O ex-governador Waldir Pires, que morreu nesta sexta-feira (22) aos 91 anos, era tão devotado à democracia, quanto era ao Senhor do Bonfim. Hoje, seu corpo estará vestido de branco, sua cor predileta, por causa do padroeiro informal da Bahia, segundo amigos. Na vida pública há quase 70 anos, acompanhou de perto, e ajudou a escrever, alguns dos momentos mais marcantes da história política do Brasil no século  passado e nos primeiros anos do atual.

Waldir foi casado com Yolanda Pires, com quem teve cinco filhos e nove netos. Casaram-se no Mosteiro de São Bento, local do velório do ex-governador baiano. Um dos maiores nomes da esquerda brasileira, o petista teve em Yolanda uma companheira de vida e de lutas.

Na última entrevista que concedeu, em meados de 2016, ao site Opinião e Política, o doutor Waldir, como era carinhosamente chamado por muitos, repetiu a sua profissão de fé na democracia. Para ele, a política é um desafio constante, um caminho para a  construção de um sistema que respeite os cidadãos, um caminho para um projeto nacional. A essa construção, ele dá o nome de democracia. “Continuo acreditando no Brasil.  Essa confiança tem que ser uma convicção. Foi para mim desde o início de minha vida”, contou o então vereador de Salvador. Waldir Pires foi deputado federal, estadual, governador, ministro e vereador por Salvador (Foto: Divulgação) Antes do cargo na Câmara dos Vereadores, o último de sua trajetória política, Waldir foi deputado estadual, deputado federal, consultor-geral do presidente João Goulart, ministro da Previdência, da Controladoria-Geral da República, da Defesa e governador da Bahia – para este cargo eleito em 1986.

Aos 85 anos, quando foi questionado sobre o porquê disputar uma vaga na Câmara, respondeu que gostaria de retribuir o carinho que afirmava ter sempre recebido do povo de Salvador. Sem dinheiro, sem estrutura, sempre  foi bem votado na capital baiana.

Em matéria de eleição, diga-se de passagem, Waldir Pires acumulou mais vitórias que derrotas. Perdeu a disputa pelo governo estadual em 1962, enfrentando forte oposição por aceitar o apoio do Partido Comunista. Em 1994,  encarou mais sentida derrota na disputa a uma vaga no Senado Federal. Waldir tentaria se eleger senador novamente em 2002, mas não foi eleito, e chegou a se colocar à disposição do seu partido em 2010 para concorrer a uma das vagas, mas não foi o indicado para concorrer. Waldir Pires foi eleito vereador de Salvador aos 85 anos (Foto: Robson Mendes/Arquivo CORREIO) Perfil agregador Quem conviveu de perto com o ex-governador Waldir Pires garante que ele jamais guardou qualquer tipo de rancor por qualquer situação vivenciada em sua carreira política. “Era um homem afável, que falava baixinho, não tinha arroubos”, lembra a jornalista Olívia Soares, amiga de Waldir Pires há mais de 40 anos. “Eu sou amiga do doutor Waldir desde que comecei a entender de política. (A morte dele) É a pior notícia que a gente poderia receber, porque era uma das últimas referências de todos os que lutaram pela democracia e pela liberdade”, lamenta.

Todo mundo respeitava ele, conta Olívia. Quando o ex-governador retornou do exílio, na década de 70, o então governador baiano, Antonio Carlos Magalhães, foi recebê-lo e dar-lhe as boas- vindas. “Não era nada pessoal, as divergências entre eles aconteciam no campo político. Eles discutiam o que achavam ser o melhor para país”, explica Olívia.

“Era uma pessoa muito afável. Sem dúvidas, esta foi a principal marca dele. A sua morte é uma perda sem tamanho”, lamenta o ex-procurador-geral do estado Antonio Guerra Lima. Guerrinha conheceu o ex-governador em 1959, quando Waldir era deputado federal. “Eu era jornalista e o conheci quando trabalhava no Diário de Notícias. Nos tornamos amigos e estivemos sempre juntos desde então”, lembra. Guerrinha foi assessor de Waldir no governo Jango e coordenador da campanha do baiano ao governo do estado. “Sem dúvidas, ele ainda tinha muito a nos ensinar. Vai fazer muita falta”, diz.

Firmeza de propósitos Se era afável e respeitoso no trato com todos, o ex-governador, por outro lado, era firme em relação as suas convicções. Ele e Darcy Ribeiro foram os dois últimos integrantes do gabinete do ex-presidente João Goulart – deposto pelos militares – a deixar o Brasil.

Ao falar sobre o assunto, o ex-governador contou que ele e Darcy protagonizaram uma fuga cinematográfica. Já na primeira lista de perseguidos pelo regime, tiveram que se esconder em um matagal para embarcar de madrugada em um avião monomotor e fugir para o exílio no Uruguai. Segundo Waldir, eles tiveram que carregar em um galão o combustível necessário para a viagem.

Viveu na pele o versículo bíblico que diz que os últimos serão os primeiros. Último a deixar o Planalto, foi o primeiro na luta contra a Ditadura. De personalidade afável, era respeitado e querido por aliados e por adversários políticos em todo o Brasil (Foto: Divulgação) Do Uruguai, onde reencontrou a família, viajou para a França, onde viveu durante seis anos. Antes do fim da ditadura retornou ao Brasil, onde trabalhou como advogado. Em 1979, com a revogação da linha-dura, retomou a trajetória política.

“Waldir Pires deixa um legado muito importante. Ele teve uma trajetória política marcada por duas características básicas. Uma foi a luta pela ética, o combate à corrupção. A outra foi a luta contra o autoritarismo. Duas qualidades que fazem muita falta nestes dias em que há um descrédito com os políticos”, destacou o ex-ministro da CGU Jorge Hage, um dos mais próximos amigos do ex-governador.

Integridade O deputado federal Jutahy Magalhães (PSDB) foi secretário  de Justiça e Direitos Humanos no governo de Waldir. “Um homem absolutamente íntegro, com uma trajetória de vida pública defendendo valores, honradez, seriedade e defesa da democracia. Era um bonito sonhador, um idealista”, lembra Jutahy. “Em 1994, quando fui candidato governador, foi meu candidato a senador. Tivemos sempre uma convivência fraterna, amiga, afetuosa”, destaca.

Segundo ele, a relação se manteve mesmo quando Waldir se filiou ao PT e eles passaram a ter posições políticas divergentes. “É um exemplo para mim. Tento praticar a mesma arte de saber conviver com a diversidade, de não misturar questões pessoais com questões políticas. Waldir teve uma vida íntegra, vocacionada ao interesse público”, disse."A corrupção sempre existiu e tem que ser combatida sempre, sem transigência, como eu fiz no meu governo", Waldir Pires, ex-governador, ex-ministro e ex-vereador, durante entrevista que concedeu ao site Opinião e Política, em 2016O jornalista e ex-deputado Emiliano José (PT) conta que a convivência dele com Waldir Pires foi de companheirismo. “Me considerava um liderado de Waldir, nunca um subordinado, mas alguém que tinha um enorme respeito pela trajetória e os ensinamentos dele”, conta Emiliano, que lançou no último dia 14 o livro Waldir Pires: Biografia Vol. 1.

“O compromisso dele era com a democracia, mas a democracia entendida como aquela capaz de enfrentar as profundas desigualdades que o país enfrenta desde sempre”, ressalta Emiliano.

O perfil oficial de Lula no Twitter postou uma foto do ex-presidente abraçando Pires, a quem chamou de "amigo" e "companheiro".

O corpo do ex-governador Waldir Pires será velado neste sábado (23), a partir das 9h, no Mosteiro de São Bento, no Centro da cidade. Às 16h30, está prevista a realização de uma missa. Após a celebração, o corpo será transferido para o cemitério Jardim da Saudade, onde será cremado amanhã.

7 décadas de vida pública1950 Início  Foi nomeado secretário de Estado no governo de Régis Pacheco e se casou com Yolanda Avena< 1954 Primeiro mandato  Elegeu-se deputado estadual na base do governador Antônio Balbino 1958 Deputado federal  Elegeu-se deputado federal e foi vice-líder do governo Kubitschek 1962 Disputa  Concorre ao governo da Bahia e perdeu 1963 Cargo no Planalto  Tornou-se  consultor-geral da República, no governo de João Goulart 1964 Exílio  No dia 4 de abril, sai com Darcy Ribeiro de Brasília, de madrugada, num monomotor e vai para o exílio no Uruguai e posteriormente na França 1970 Retorno  Volta ao Brasil 1985 Previdência  Assume o Ministério da Previdência Social 1986 Bahia  Eleito governador da Bahia, pelo então PMDB 1989 Renúncia  Renuncia ao cargo de governador para ser vice na chapa de Ulisses Guimarães à Presidência da República 2003 CGU  Assume o cargo de ministro-chefe da Controladoria-Geral da União (CGU) 2006 Defesa  Comanda o Ministério da Defesa durante seis meses 2012 Vereador  Aos 85 anos, é eleito vereador de Salvador 2016 Vida pública   Conclui o mandato como vereador e deixa oficialmente a vida pública 2018 Biografia  No último dia 14 de junho, fez última aparição pública, no lançamento do livro Waldir Pires: Biografia vol. 1, do jornalista Emiliano José Perda de ex-governador é lamentada A morte do ex-governador Waldir Pires foi lamentada por políticos de todo o país, tanto aliados quanto adversários. Por meio de notas e através das redes sociais, muitos deles manifestaram o pesar em relação à perda. O governador do estado, Rui Costa (PT), decretou luto oficial de cinco dias.

O prefeito de Salvador e presidente nacional do DEM, ACM Neto, ressaltou o exemplo de homem público. “Estivemos em lados opostos, mas Waldir Pires nos deixa o exemplo de homem público que exerceu com serenidade o seu papel na política. É um personagem de relevância que escreveu seu nome na história de nosso país”, destacou.

O presidente da Câmara dos Vereadores, Leo Prates, lamentou a perda do ex-colega de legislatura. “Morreu meu amigo Waldir Pires, pessoa generosa e leal! Meu amigo, sei que você está do lado do Criador! Obrigado por tudo, pelos ensinamentos e pela paciência comigo! Saudades eternas”, afirmou Le Prates.

O presidente da Rede Bahia e ex-senador Antonio Carlos Júnior destacou Waldir Pires como “uma grande figura política da Bahia”.

“A Bahia hoje ficou com menos um democrata, menos uma pessoa decente, menos um líder político e eu fiquei com menos um amigo e inspirador”, afirmou em nota o presidente da Assembleia Legislativa da Bahia, o deputado estadual Angelo Coronel (PSD).

“Cumpriu com dignidade e sabedoria todos os cargos que ocupou, homem justo, íntegro de princípios democráticos”, lembrou a senadora Lídice da Mata (PSB).

“De tradicional família amargosense, Waldir Pires, em todos os postos que ocupou, como ministro, governador, deputado, e, mais recentemente, vereador,sempre defendeu a democracia e os direitos humanos”, declarou o presidente da Fecomércio-BA, Carlos de Souza Andrade.