XV Panorama Coisa de Cinema exibe dois filmes premiados na abertura

Documentário Meu Amigo Fela, sobre o músico e ativista nigeriano Fela Kuti, está no evento que começa quarta-feira (30)

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  • Laura Fernades

Publicado em 30 de outubro de 2019 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Divulgação

“Você quer fazer um filme sobre um africano?”, foi a fala surpresa que o cineasta mineiro Joel Zito Araújo escutou enquanto tentava captar recurso para o documentário Meu Amigo Fela, sobre o músico e ativista nigeriano Fela Kuti (1938-1997), criador do afrobeat. Eleito o melhor filme do maior festival de cinema da África, o Espaço, e exibido no Festival de Cinema de Londres com sessões esgotadas, Meu Amigo Fela abre o XV Panorama Internacional Coisa de Cinema, nesta quarta-feira (30), às 20h, no Espaço Itaú de Cinema Glauber Rocha, com entrada gratuita.

“Fela é um desconhecido no Brasil. Somos um dos poucos países que não conhece ele, então conseguir dinheiro foi complicado”, revela Joel Zito sobre o filme que demorou dez anos para ficar pronto. Além da pré-estreia de Meu Amigo Fela, o público terá a chance de ver, ainda na abertura do Panorama, às 20h, outro filme que se destacou nos principais festivais de cinema do país: A Vida Invisível, de Karim Aïnouz, drama brasileiro pré-indicado ao Oscar.

“São dois filmes que tocaram muito a gente, entre tantos vistos - vimos mais de 110 longas- metragens brasileiros. Os dois filmes da abertura mostram a potência cinematográfica do nosso país. São muito diferentes, bem produzidos e falam de coisas importantes, emergenciais”, resume o idealizador e coordenador do Panorama, Cláudio Marques. “Acho que Meu Amigo Fela é um dos melhores documentários do ano, no mundo, não só no Brasil. É um grande filme, conduzido com maestria pelo Joel Zito”, elogia. Documentário Meu Amigo Fela será exibido nesta quarta-feira (30) (Foto: Divulgação) Tragédias O Fela Kuti performático que ganhou o mundo com sua música está no documentário, claro, mas Meu Amigo Fela vai além da presença de palco catártica e dançante do artista nigeriano e mostra um líder político atuante e cheio de contradições. “Os outros filmes que já existem sobre Fela não tiveram coragem de se debruçar sobre as sombras dele, sobre as tragédias que abateram seu espírito guerreiro”, destaca o diretor.

Diante do desafio “para não ser duramente criticado”, Joel Zito convidou o escritor cubano Carlos Moore - que morou mais de dez anos em Salvador - para ser mais que um consultor.  Carlos foi  amigo e biógrafo oficial de Fela. “Carlos tinha muita sagacidade em frente às câmeras”, justifica Joel Zito, sobre a narrativa que parte do encontro de Carlos Moore com outros amigos de Fela. Juntos, eles passeiam pela complexa vida do artista que morreu em 1997, por causa de uma complicação do vírus HIV.

“Quando Joel Zito me falou sobre a possibilidade de fazer um filme sobre a minha amizade com Fela Kuti, se apresentou uma oportunidade única, pois eu não teria aceito  empreender um trabalho tão delicado com ninguém outro que  não ele”, elogia Carlos Moore, sobre o diretor do documentário que tem uma hora e meia de duração, é falado em inglês e francês e foi gravado em Los Angeles, Nova Iorque, Paris e diferentes cidades da Nigéria. Joel Zito Araújo é o diretor de Meu Amigo Fela (Foto: Tania Rego/Agência Brasil) "O tema era perigoso porque eu teria que falar de maneira crítica de uma figura que havia se tornado icônica e mítica. O Fela real, com suas tremendas contradições, com seu trâgico fim, teria que ser evocado”, confessa Carlos Moore. Então, o autor manda um recado: “Meu Amigo Fela celebra a resistência às forças de opressão, seja onde for. Ao mesmo tempo, ele alerta aos perigos de se cair em incoerências fatais da própria brutalidade que surge de toda luta contra um opressor”.

Joel Zito concorda e diz que essa é a oportunidade de conhecer “essa figura contemporânea que escapou a nós, brasileiros, negros e brancos”. “Outra coisa importante é a mensagem pan-africanista de Fela, da união dos negros na África e na diáspora, mensagem que estava na boca da Mariele Franco, que também teve um fim trágico. Por isso acho que Fela continua tão contemporâneo”, justifica. Carlos Moore, biógrafo de Fela Kuti, conduz o filme Meu Amigo Fela (Foto: DIvulgação) Confira o depoimento de Carlos Moore na íntegra

"Quando Joel Zito me falou sobre a possibilidade de fazer um filme sobre a minha amizade com Fela Kuti, se apresentou uma oportunidade única, pois eu não teria aceito empreender um trabalho tão delicado com ninguém outro que não ele. Nos unia uma longa amizade. Eu admirava seu percurso profissional. E tinha confiança nele.O tema era perigoso porque eu teria que falar de maneira crítica de uma figura que se havia tornado icônica e mítica. O Fela real, com suas tremendas contradições, com seu trâgico fim, teria que ser evocado.E o filme que Joel Zito fez, contrariamente a todos os outros, mostra esse Fela REAL. Por isso considero que a nossa colaboração foi frutífera, na medida em que restitui a verdade não somente do Fela, mas na verdade dos tempos em que ele viveu: tempos cruéis de destruição, em todos os continentes, das grandes lideranças negras.Após ter denunciado e enfrentado com tremenda coragem as forças de opressão, o Fela intransigentemente revolucionário começou a se desintegrar, dando lugar a outro Fela, um homem que sucumbiu à insanidade e começou a aplicar aos seus os mesmos métodos que outrora denunciara no establishment de opressão.Meu Amigo Fela celebra a resistência às foças de opressão, seja onde for.  Ao mesmo tempo, ele alerta aos perigos de se cair em incoerências fatais do fato da própria brutalidade que surge de toda luta contra um opressor".

Serviço O quê: Exibição do documentário Meu Amigo Fela Quando: Quarta-feira (30), às 20h Onde: Espaço Itaú de Cinema Glauber Rocha Entrada gratuita