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Cria de uma linhagem de canoístas, Jacky Godmann mira o pódio em Paris

Baiano de Itacaré disputará prova do C2 500m ao lado de Isaquias Queiroz

  • Foto do(a) author(a) Larissa Almeida
  • Larissa Almeida

Publicado em 5 de agosto de 2024 às 05:00

Baiano é sobrinho dos também canoístas  Vilson Nascimento e Valdenice Conceição
Baiano é sobrinho dos também canoístas Vilson Nascimento e Valdenice Conceição Crédito: Canoagem Brasileira/Divulgação

Na certidão de nascimento, a falta de uma letra não deu a ele a alcunha, em tradução livre do inglês, de ‘Menino de Ouro’. Do mesmo modo, apenas uma posição o separou do pódio em Tóquio-2020. Agora, decidido a fazer a reescrita da sua jornada e superar qualquer distância ou detalhe, o canoísta baiano Jacky Jamael Nascimento Godmann, 25 anos, está prestes a estrear pela segunda vez em uma edição de Olimpíada nesta terça-feira (6), às 5h30, no C2 500m, ao lado do conterrâneo Isaquias Queiroz.

Até chegar a Paris, o caminho de Jacky, que é filho de uma baiana com um alemão – ele quem escolheu o nome Jacky e deu de herança o sobrenome Godmann – teve vários pontos de partida. O primeiro deles é Itacaré, onde nasceu, cresceu e desenvolveu o amor pela canoagem. Criado no Porto de Trás, próximo ao manguezal e longe do centro paradisíaco que atrai famosos no Verão, o atleta encontrou ali o local ideal para aprontar as mais diferentes peripécias.

“Ele brincava e aprontava demais, principalmente na escola”, lembra, aos risos, o amigo Maico dos Santos, prata no Pan-Americano de Canoagem Velocidade 2018 e atual técnico do Flamengo da modalidade.

O primeiro contato com o esporte que viria a escolher como carreira ocorreu aos 8 anos de idade, por incentivo de três tios. Entre eles, Vilson Nascimento, que conquistou uma prata (C2 1.000m) e um bronze (C2 500 m) nos Jogos Pan-Americanos de 2007, e Valdenice Conceição, que obteve um bronze (C1 200m) na edição de 2015 e também se classificou para disputar a Olimpíada de Paris.

“Foi meu tio Valnei, que mora em Salvador desde 2008, quem me levou para remar pela primeira vez. Ele trabalhava na canoagem e, quando eu cheguei lá, me colocou em um barco maior, que não vira. Mas, como eu era muito novo, saí e não consegui voltar. Ele teve que pular na água e me pegar”, conta Jacky.

O começo

O que tinha tudo para virar um trauma tornou-se um desafio a ser superado pelo baiano. Mais cauteloso, ele começou a remar sentado e, só depois, conseguiu se equilibrar de joelhos na canoa. O desejo de ser bom naquilo que até aquele momento era só diversão surgiu por meio da conquista do tio. “Eu lembro até hoje que meu tio chegou em 2007 com duas medalhas. Eu vi aquela euforia toda, todo mundo com a foto dele na camisa e subindo em um trio. Falei ‘pô, um dia quero chegar em Itacaré e fazer isso também”, diz.

Com o apoio da mãe, Valdirene Nascimento, Jacky passou a conciliar os estudos com a canoagem. Nas horas vagas, havia espaço para o futebol e até mesmo para o sonho fugaz de se lançar no judô. No entanto, o tempo para acumular distrações logo deixou de existir em prol da sobrevivência. Aos 10 anos, ele passou a vender os caranguejos pescados pela avó Eunice Conceição – mais conhecida como Nice – para ajudar nas contas de casa. “Meu avô pescava no mar em Itacaré, trazia peixe e eu e minha avó vendíamos. Éramos bem humildes, mas não passávamos fome, graças a Deus”, afirma.

Fosse matando aula para tomar banho no rio ou para fazer bagunça na escola, a fuga da rotina durante a infância e adolescência de Jacky acontecia quando ele tinha a companhia dos amigos Maico dos Santos, Ariel, Maurilio Kamir, Diego e Ismael. Eles, inclusive, foram parte fundamental da base que sustentou Jacky quando sua mãe faleceu, em 2012.

“O momento mais difícil da vida dele na infância foi quando perdeu a mãe. Eu achei que tinha acabado para ele ali. Ele não queria mais remar, porque todo campeonato que Jacky ia, ela estava lá, falando e gritando. Ela era muito incentivadora”, conta Maico.

Em luto, Jacky permitiu que a canoagem perdesse espaço na sua vida. À época, o talento de Maico no esporte foi descoberto, fazendo com que, em 2013, ele se mudasse para São Paulo para servir a seleção brasileira. Aquela seria a segunda perda de Jacky em um curto intervalo de tempo, não fosse o grande gesto de amizade de Maico.

“Quando eu vim de férias da seleção, eu perguntei se ele queria remar e ele disse que queria. Então, eu disse que daria um remo novo a ele. Quando voltei para São Paulo, perguntei se ele queria ir também. Ele disse que sim, então eu aluguei um lugar e ele ficou lá comigo”, recorda o amigo de infância.

Jacky Godmann, que até então acumulava vitórias nos campeonatos baianos de canoagem pelo time de Itacaré, teve em São Paulo o impulso necessário para sua projeção a nível nacional. O avanço foi em sequência: em 2014, ele ganhou o campeonato brasileiro pelo Flamengo; em 2015, foi quatro vezes medalha de ouro e uma vez prata nas provas do Sul-Americano de Canoagem do Equador; e, em 2016, foi convocado para a seleção brasileira de canoagem e se mudou para Curitiba, onde conheceu a ex-canoísta Miriam Sousa, que viria se tornar sua atual esposa e mãe dos seus dois filhos, Benjamin e Eloá.

Com Isaquias Queiroz, Jacky testa a raia olímpica em Paris-2024
Com Isaquias Queiroz, Jacky testa a raia olímpica em Paris-2024 Crédito: Gaspar Nóbrega/COB

Mesmo na transição do jovem para o homem atleta, Jacky contava com o tratamento de menino de ouro pela avó Nice Conceição, que o apoiava de longe, fazendo questão de mimar o ‘gostosão da vovó’, como chamava. Justamente nessa fase que parecia perfeita, Jacky sofreu mais um duro golpe da vida quando Nice, que fazia o papel de segunda mãe do canoísta, morreu em 2017.

Sem sua principal fortaleza, Jacky parou de remar por mais de um ano. Nesse período, recebeu o respeito dos amigos pela sua decisão, embora, aos poucos, um coro pelo seu regresso à canoagem ganhasse força. Na família, veio também o acolhimento. “Ajudei da melhor forma que pude, sendo uma tia que ele precisava. Na hora certa, estava ali para dar uma palavra de conforto e dizer que ele não estava sozinho, sempre dizendo que, independentemente de qualquer coisa, eu estava ali para o que ele precisasse”, relata Valdene Nascimento, tia do atleta.

Cercado de suporte, o apoio que faltava veio do atual treinador Lauro Pinda, que pediu para que Jacky retornasse à Lagoa Santa, em Minas Gerais, onde fica a sede da seleção brasileira de canoagem profissional. O ‘sim’ da esposa, com quem passou a dividir a vida em Palmas, no Tocantins, foi o empurrão que faltava para que o itacareense, enfim, retornasse ao esporte.

A recompensa pelo feito não tardou a chegar: para a vaga de Erlon Souza, que havia se machucado, surgiu a chance de Jacky ir para Tóquio-2020 competir na prova C2 1.000m da canoagem de velocidade. “Eu tinha acabado de treinar quando o treinador me deu a notícia. Foi uma felicidade. Para quem sonhou por aquele momento, trouxe uma felicidade imensa. E ser o primeiro itacareense a ir para a Olimpíada foi uma felicidade maior ainda. Foi uma festa lá, um dos melhores momentos e um dos melhores anos da minha vida”, diz Jacky.

Jacky ficou em quarto lugar na prova do C2 1.000m, ao lado do também baiano Isaquias Queiroz. A dupla ficou por uma posição de conquistar medalha. “Acho que faltou sairmos em uma raia melhor, na 1 ou na 2. Entregamos tudo na água, mas, infelizmente, os adversários foram melhores”, aponta. “Mas, agora, a distância é melhor e estamos muito bem no treino. Acho que podemos brigar por medalha, sim”, garante.

Atleta novamente do time de Itacaré, Jacky Godmann conseguiu se classificar para Paris-2024 ao vencer o C2 500m do Pré-Olímpico das Américas de Sarasota, nos Estados Unidos, em abril deste ano. Em preparação intensa no mês de julho, ele treinou por seis horas diariamente em Portugal – local de parada da delegação brasileira antes da chegada à França. Agora, se diz pronto para orgulhar o país ao adicionar uma medalha olímpica ao seu currículo – e fazer uma homenagem a falecida avó Nice.

“Eu remo pelos meus filhos, minha família, até por minha mãe e minha avó, por todos que já se foram. [...] Estou com frio na barriga, que sempre dá em qualquer competição. Olimpíadas é o maior evento do mundo, então acaba sendo um frio maior ainda. Minha expectativa é de fazer uma boa prova e trazer o melhor resultado possível para o Brasil”, destaca Jacky.