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Alan Pinheiro
Publicado em 30 de julho de 2024 às 05:00
Jab, direto, cruzado de esquerda e direto. Essa é, talvez, a combinação mais básica de golpes que um pugilista pode repetir dentro de um ringue. No entanto, se existe uma coisa que não é básica no boxe são os homens e as mulheres que mostram a grandeza do esporte. Animado por estar prestes a disputar sua primeira Olimpíada, o baiano Wanderley ‘Holyfield’ Pereira é mais um boxeador com vontade de fazer história, como acusa o apelido. >
“As expectativas são as melhores, estou completamente animado. Acredito que tenho potencial e chances reais de conseguir estar entre os melhores e até sair como campeão. Independente das competições que eu dispute, a expectativa nunca é diferente”, diz o atleta, que estreia hoje, a partir das 15h30, contra Cedrick Belony-Duliepre, do Haiti.>
Natural de Conceição do Almeida, cidade que fica a 160 km de distância de Salvador, o pugilista é uma dessas pessoas que sai do interior, mas o interior não o deixa escapar. Assim como o ditado diz que o “bom filho à casa torna”, Wanderley faz questão de voltar à sua casa em qualquer oportunidade que surja, seja nas férias ou quando há alguma “folguinha”. Lá, estão amigos, família e o início de seu sonho como boxeador. >
Quando tinha entre 15 e 16 anos - o que o próprio boxeador não consegue afirmar -, um projeto social liderado pelo professor Marcos Silva ajudaria o atleta a começar sua jornada. >
“Sempre gostei de artes marciais e ficava assistindo o pessoal treinar boxe. Aí teve um dia que eu consegui convencer minha mãe a me deixar treinar, e foi quando começou. Eu já gostava de esportes de combate, mas só descobri que era isso que eu queria quando tive a oportunidade de ir para São Paulo treinar com o Vanderlei Salles, onde eu comecei a me desenvolver”, explica. Os treinos no Sudeste, além de melhorar o boxe de Wanderley, o permitiram ser convocado para a Seleção Brasileira.>
Entre as conquistas do pugilista dentro dos ringues, está o ouro nos Jogos Sul-Americanos de 2022, no Paraguai, na categoria meio-pesado. Já no Campeonato Mundial de Boxe e nos Jogos Pan-Americano, ambos de 2023, o baiano terminou com medalhas de prata. Com o desempenho no último torneio, ele se classificou para Paris-2024. >
A preparação para a primeira Olimpíada passou por uma exaustiva jornada de treinamentos para que o atleta chegasse na França em sua melhor condição. Dois períodos por dia, de segunda a sábado, e “uma corridinha por fora” no domingo. >
Com a rotina pesada, o baiano - entre uma risada e outra - admitiu que o que mais ama fazer no mundo é não fazer nada. “Ficar sem preocupação” é o que Wanderley mais preza em seus momentos de lazer. Mas, se a preocupação tomar a cabeça do boxeador, um remédio certo para curar a sua enxaqueca é a família - citada recorrentemente por Wanderley, seja ao falar sobre a relação com os parentes ou ao relembrar os momentos da infância, quando jogava bola no fim da tarde em um campinho perto de sua casa.>
Entre as relações mais fortes, está o vínculo com o seu irmão Cristiano Pereira. A união de ambos ultrapassa os limites do sangue e alcança um novo patamar pela influência do esporte. Seguindo no ritmo de Pantera Negra, seu filme favorito, Wanderley e Cristiano podem não ser nenhum T'Challa ou Shuri, mas se apoiam de igual maneira aos personagens da ficção. Ambos começaram no boxe juntos e seguem até hoje na batalha pelo reconhecimento e desenvolvimento no esporte. “Eu sou por ele e ele é por mim”. >
Apesar da vocação de ambos, nunca houve uma luta entre os dois, apenas sparring - que é uma forma de treinamento em que os praticantes aplicam suas habilidades em um ambiente de combate controlado. >
Além das músicas, das festas e das comidas típicas que fazem a Bahia ser reconhecida fora de seus limites, o estado exporta atletas para o boxe em uma frequência já conhecida. A proficiência dos baianos no esporte - que já passou por nomes como Acelino ‘Popó’ Freitas e Valdemir ‘Sertão’ Pereira - agora dá espaço para Wanderley ‘Holyfield’ Pereira brilhar. Em meio a medalhistas olímpicos e campeões mundiais, o sonho do pugilista é ser mais um entre esses, mirando sempre o topo.>
“Eu quero chegar ao mais alto patamar possível, campeão mundial, campeão olímpico. A Bahia é um celeiro [de boxeadores], uma grande parte do pessoal que está na seleção são baianos. Para mim, é uma honra fazer parte disso, poder continuar com o legado da galera que começou antes de mim. É a continuação de uma história, não é? O boxe baiano tá sempre no topo e eu quero ajudar a manter isso”, afirmou.>
Se, em 2024, Wanderley terá a sua primeira chance de mostrar ao mundo mais um expoente da Bahia, o atleta leva nas malas para Paris um apelido de vencedor. ‘Holyfield’, segundo o próprio Wanderley, se tornou parte de sua personalidade ainda na adolescência, quando um amigo o relacionou com o famoso boxeador norte-americano Evander Holyfield pelo comportamento fora dos treinos.>
“Em partes, é [pela influência do pugilista Evander Holyfield] e também não é. Um amigo meu que começou a me chamar assim. Quando eu comecei a treinar, eu estava bastante empolgado. Então eu ficava fazendo ‘sombrinha’ em qualquer lugar que eu tava. Ia jogar bola e jogava de zagueiro, enquanto a bola estava no ataque eu tava fazendo ‘sombrinha’. Aí um amigo começou a me chamar assim por causa do Holyfield. Ele dizia ‘você fica aí se movimentando igual o Holyfield’, começou a me chamar assim e pegou”, explicou.>
Wanderley, que é terceiro-sargento na Marinha, tem como objetivo sempre continuar evoluindo. As derrotas para ele - assim como no Campeonato Brasileiro de 2018, onde voltou para casa relembrando toda a sua trajetória - ensinam a manter os pés no chão, olhar para dentro de si e entender o que está sendo feito de errado. “Ninguém gosta de perder, mas a derrota serve para isso”. E mesmo vencendo, a situação continua a mesma. Afinal, “a gente nunca sabe tudo, então eu sempre quero continuar evoluindo”.>