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Carol Aquino
Publicado em 16 de fevereiro de 2017 às 20:15
- Atualizado há 2 anos
A tradicional lavagem de Itapuã, que aconteceu nesta quinta-feira (26), contou com uma participação especial. Pela primeira vez, a Baleia de Itapuã, figura típica do Carnaval do bairro estava lá, marcando presença no cortejo que vai de Piatã e à Igreja de Nossa Senhora da Conceição de Itapuã.>
O motivo foi o destaque que outra colega da mesma espécie estava ganhando: a volta da Baleia Rosa de Itapuã ou simplesmente, Baleia do Amor. Após três anos, a figura folclórica que puxa um dos blocos da Lavagem está de volta à festa. Ela foi uma criação de Gilberto Gil, do poeta Waly Salomão e de João Loureiro. “Me disseram que vinha uma tal de baleia rosa aí, então eu resolvi trazer a verdadeira para as pessoas não confundirem”, provoca Raimundo dos Santos, ou simplesmente Bujão, um dos organizadores da Lavagem.>
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Segundo ele explicou a baleia representa a tradição de Itapuã, que no passado foi um polo de pesca de baleia, animal que movimentava a economia da região. O óleo era exportado para a Europa ou ia alimentar os candeeiros da cidade de Salvador. Todo Carnaval ela aparece e fica na Praça Dorival Caymmi. “Ela vem do mar e volta para o mar. Na quarta de cinzas, a gente bota ela no mar, pois é toda feita de papel”, explica Bujão.>
A tradição da baleia veio do final da década de 80, quando o cantor Gilberto Gil era secretário de cultura de Salvador e criou personagens que representassem o Carnaval nos bairros. “No Rio Vermelho era Caramuru e não pegou, mas aqui a baleia ficou”, lembra Bujão. A primeira vez que a baleia rosa participou do Carnaval foi 1987 e depois ficou um pouco ausente. A partir de 1996, um artista plástico do bairro confeccionou uma baleia jubarte que passou a ser parte da folia de momo em Itapuã.>
A baleia rosa saiu sem ligar para desavenças e fez sucesso na Avenida Octávio Mangabeira. Apesar de certo atraso, ela saiu na praia de Placaford e entrou no meio do bloco Malê de Balê. A cantora Lia Chaves e o instrumentista Fabrício Rios celebraram a volta da baleia cantando e tocando a música composta em homenagem a ela. >
“Foi o maior sucesso, a gente pagou pessoas para carregar a baleia, mas não foi preciso. O povo fez questão de levar e ela foi dando piruetas até a Igreja de Itapuã. Foi uma realização”, celebrou o produtor cultural Cristiano Loureiro, responsável por trazer o bloco “Festa da Baleia Rosa de Itapuã” de volta para a Lavagem. >
RituaisUm dos grandes diferenciais da Lavagem de Itapuã é a presença do bando anunciador. Neste ano, às 2h da madrugada, marchinhas percorrem as ruas fazendo algazarra, avisando que o dia da Lavagem chegou. Segundo o jornalista e pesquisador da cultura baiana Nelson Cadena, esta é a única festa popular de Salvador em que esse anúncio ainda acontece. Raimundo dos Santos, o Bujão, um dos organizadores da lavagem, comemora o fato de apesar de não terem contado com a presença de policiamento, não houve ocorrências de violência durante a passagem do bando.>
Às 5h da manhã foi a vez da Alvorada e às 7h foi da parte católica da festa, a missa na Igreja de Nossa Senhora da Conceição de Itapuã. Quase 11h da manhã era aberto o cortejo das baianas que lavam as escadarias da igreja. Na frente, Pai Eurico do terreiro Aloyá de Itapuã, que há 15 abre o cortejo jogando milho branco e desejando paz. “Estou aqui pela fé, por amor. Estamos vivendo um momento muito turbulento no Brasil, e estou aqui para pedir paz”, disse. >
O cortejo, que já contou com 200 baianas na frente, estava esvaziado, sendo mais um sinal da decadência da Lavagem. Cinquenta baianas do bairro integrantes da Abam (Associação das Baianas de Acarajé e de Mingau) e moradoras do bairro mantinham a tradição viva. “Hoje não tem mais aquela animação, aquela energia. Antes tinha muito mais gente”, contou a baiana Maria Hilda dos Santos, mais conhecida como Tieta, que participa há 35 anos da Lavagem. “Venho mais porque gosto e porque sempre faço novos amigos”.>
A coordenadora do cortejo, Rosenilda Souza, conta que todas as baianas são voluntárias e vão para um cortejo por uma questão de tradição e de fé. “Nosso objetivo é fazer o morador despertar o sentimento de pertencimento. Essa festa é nossa”, pontuou. Ela conta que são as próprias baianas que bancam a roupa, a água de cheiro e as flores e contam com a ajuda somente de alguns comerciantes locais. >
Participante há 30 anos da Lavagem, o morador de Itapuã Arnaldo Quintela, 50, chegou cedo para esperar a saída do cortejo e contou que só ia ficar até a parte religiosa da festa, que se encerra com a lavagem das escadarias da igreja. “Essa é a minha festa religiosa, é uma festa boa, mas até certo horário. Depois das 13h, só tem ladrão”, disse. Para ele, não há nada melhor que encontrar com os amigos durante a celebração e curtir o som dos blocos seguem depois do cortejo. “Para a gente que mora aqui, é uma realização. É um momento próprio de quem é de Itapuã”.>
Além das festas, o morador de Itapuã se sente orgulhoso de manter viva a tradição. É assim com Dona Maria Alice Nunes, administradora de empresa de 52 anos que há 20 marca presença na Lavagem. “Aqui não é só farra. É uma importante manifestação cultural, uma tradição do bairro”, conta.>
AlegriaMuitos dos blocos que desfilam após o cortejo das baianas são tradicionais no evento e não deixam de estar presentes. O balé afro Malê Debalê cumpria a tradição de 30 anos e estreava na festa o tema do Carnaval do bloco. Com a frase Okê Malê, sou sertanejo, sou negro forte, o bloco superou as dificuldades financeiras e colocou o desfile na rua.>
“A gente não podia de mostrar a história do povo negro e de Itapuã. Esse ano, vamos falar da importância do negro e do índio para a história do Brasil e da Bahia”, contou Eduardo Santana, diretor de educação do Malê Debalê. A Lavagem tem um significado especial para o Malê, pois a organização nasceu no bairro, em 1979. Além disso, este foi o evento público em que estreiaram o rei e a rainha do Malê, escolhidos em um concurso que aconteceu no sábado passado.>
Outra presença tradicional foi a Escola de Samba Unidos de Itapuã, que estava pela sexta vez na Lavagem. O desfile, com direito a ala das baianas, mestre sala e porta bandeira, homenageava Antônio Carlos Souza, responsável por transformar a antiga escola de música em escola de samba. “Estou muito feliz. É uma honra e uma alegria muito grande ser homenageado. Quem não queria estar no meu lugar?”, dizia um sorriso enorme no rosto.>
Como parte de toda festa popular na Bahia, não faltou irreverência na Lavagem de Itapuã. Tinha o bloco Kitute com Cerveja, puxado por um cover do cantor Bell Marques, o Só Carona, em que um carro de brinquedo animava os participantes e até um aulão itinerante de ritmos baianos, em que uma professora de dança guiava aos alunos ao som de um “paredão”.>
Tinha lugar para todo mundo, até para os participantes do Arrastão dos Cornos. O organizador, Edson Carlos de Oliveira, conta que é a sexta vez que o bloco vai para a avenida, levando 120 pessoas atrás. “É um momento de descontração e diversão. Tem gente que vem de todo lugar, até de Simões Filho. Tem muito corno por aí, tem os assumidos e os que ficam ao lado do bloco, só observando”, brinca. Dezoito blocos se inscreveram para participar da festa. >