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Nizan Guanaes
Publicado em 7 de fevereiro de 2019 às 05:00
- Atualizado há 2 anos
Sou um gaúcho exausto e feliz. Cheguei em Salvador me achando. Lá vinha eu, senhor de mim, para apontar caminhos para a cidade. Até que sentei para jantar com amigos meus, pessoas bem cabeça, e eles me perguntavam: Nizan, você já ouviu BaianaSystem? E eu, envergonhado, disse não. Você já foi no Teatro da Barroquinha? Não. Já viu isso e aquilo e aquilo lá? Não, não e não. Aí eu cheguei à conclusão que eu era um gaúcho, um turista na minha própria cidade. Que eu já não conhecia Salvador.>
Aí foi baixar a bola, calçar a sandália da humildade e visitar a cidade guiado por Licia Fábio, Regina Casé, Pedro Tourinho, Paloma Amado, Paulo Rogério, Dandara Ferreira e Potyra.>
A cidade mudou muito, e assim assumiu o seu próprio lugar: de Roma Negra, capital brasileira da cultura, capital brasileira da diversidade, cidade global afro. E numa cidade onde um grande prefeito (mudou Salvador) e um grande governador (mudou Salvador) disputam quem é melhor, a cidade é que ganha. Quem é melhor é Salvador.>
Vim descansar, estou exausto. Estou ficando no Fasano durante um mês (chego na sexta, fico sábado, domingo e volto segunda de manhã). O Fasano é conveniente para mim porque ele está perto de tudo o que eu gosto. Da Baía de Todos-os-Santos, das igrejas, do Pelourinho onde eu nasci, dos museus, dos melhores restaurantes e dos teatros Castro Alves, Concha Acústica e Barroquinha.>
Caetano me disse que, segundo uma amiga dele alemã, “aqui tem mais coisa para fazer do que em Berlim” (exagero). O gaúcho aqui está exausto e feliz. Minha psiquiatra, Camila Magalhães, que ama Salvador, me prescreveu: “Nizan, volte para a Bahia. A Bahia vai lhe dar régua e compasso”. Ela acertou na mosca.>
Corro sempre do Rio Vermelho ao Porto para fazer meu treino e para tomar banho de mar na praia onde os portugueses chegaram. Mergulhar nas águas do Porto é mergulhar em mim. Já que ela é a praia que a nossa turma frequentava nos anos 1970.>
Saio de barco para ir à Preta, uma das conversas mais chiques e gostosas da Bahia. Volto olhando a cidade amada, mas é ela que atraca em mim.>
Foi a cidade de Florença, uma outra Salvador, que me fez decidir passar o Verão de julho na Califórnia. Porque a Florença de 1542 era o Vale do Silício de hoje. Leonardo da Vinci era o Steve Jobs daquela época. A criatividade é um Buda que nasce em Da Vinci, reencarna em Benjamin Franklin e renasce em Steve Jobs como retrata a biografia de todos eles feita por Walter Isaacson.>
Salvador me faz pensar o futuro. A peça de Regina Casé na Barroquinha é o futuro. A Casa do Carnaval é o futuro, o som do BaianaSystem é o futuro. As cantoras trans são o futuro.>
Sou um homem do mundo, voltando para minha terra para que ela seja o que ela sempre foi: uma cidade do mundo . Sou embaixador global da Unesco, e meu papel em letras garrafais é ser Embaixador de Salvador.>
Vim à Bahia pra tomar banho de mar por horas nas suas águas quentes e dar paz a minha cabeça. Falar merda com os meus amigos de escola, ouvir a voz de Paloma Amado e me lembrar da voz da mãe dela. Eu sempre digo que os planos de saúde deviam pagar estadia na Bahia porque a Bahia cura. Tenho olhado menos para o meu celular, estou pensando menos no passado e vivendo o agora. Foto: Renato Santana/divulgação Vivo em São Paulo, uma cidade que amo. São Paulo me deu quase tudo (Donata, Antônio, Zeca, Helena, sucesso e pista para voar). E com São Paulo eu aprendi disciplina, sonhar grande e chegar na hora. Mas, como toda cidade grande, ela deixa a gente mais neurótico, viciado em celular e em apps. São problemas gerados por coisas boas. Por isso eu amo Florença, Paris e Salvador.>
É preciso colocar passado em tanto futuro. Ter a parcimônia de Dona Canô e Mãe Carmen. Nunca o mundo precisou tanto dos velhos. Todo ano eu vou a Florença. Em suas noites quentes, Donata e eu andamos pela cidade velha e eu enxergo em Florença tudo o que eu quero que seja Salvador. Porque ser florentino é ser moderno, e ser moderno é ser renascentista e florentino.>
Este artigo foi feito no voo 597 da Gol, onde o gaúcho volta para casa exausto e feliz. Numa só temporada, vi Caetano e Paulinha, Gil e Flora , conversei com Zeca Pagodinho, ouvi Bethânia na Concha Acústica e Gal no Teatro Castro Alves, assisti emocionado e chorando Regina Casé no Teatro da Barroquinha, assisti orgulhoso um grande prefeito sambar no seu aniversário e passei uma noite deliciosa e democrática jantando com Aline e o governador Rui Costa.>
Ao contrário do que uma colega azeda me cobrou, não quero fazer política. Não vou apontar defeitos. Vim para elogiar a Bahia, vim para celebrar as coisas boas que estão acontecendo. Eu não sou político, eu sou embaixador, eu tenho que ser diplomático. E sou embaixador do quê? Sou embaixador dos direitos ainda não conquistados pelos negros, dos direitos dos gays, dos direitos dos trans. Sou embaixador do candomblé, culto meu.>
E mais: quero ser embaixador de mim, do meu direito aqui de ser nada, de ser mais um.>
Lembro uma frase minha que explica tudo. Quando cheguei a São Paulo, não parava de falar bem de Salvador. Aí um sujeito chato (todo lugar os tem) me cobrou: “Se Salvador é tão boa, por que você não mora lá?”. E eu respondi na lata: “Porque lá eu não me destaco, somos todos baianos”.>
Eu te amo Salvador. Você é meu “rehab”, minha cura, porque você para mim é a terapia do som que me faz bem.>
Nizan Guanaes é publicitário>
Opiniões e conceitos expressos nos artigos são de responsabilidade dos autores>