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Matriarca dos Velloso, Dona Canô deixa exemplo de fé, força e doçura

Vinda de uma família humilde, Dona Canô viveu para a família e as coisas em que acreditava, como a religião. De lá de Santo Amaro, a mãe de Caetano, Bethânia e mais seis rebentos afirmava que o segredo da vida longa era não querer muito

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  • Da Redação

Publicado em 26 de dezembro de 2012 às 08:06

 - Atualizado há 2 anos

Franco Fuchsmais@correio24h.com.br

Se no Brasil ela era conhecida como a famosa matriarca da família Velloso, na Bahia todos sempre souberam que Dona Canô era muito mais que isso. Transformada em figura pública, suas ações e opiniões tinham muita força. Até o fim, ontem, na sua querida Santo Amaro. Lúcida, ela se despediu do amigo  Jorge Portugal alguns dias antes de morrer: “Tô indo pro céu”.

Na ocasião do seu centenário, quando foi homenageada com um selo comemorativo dos Correios, o amigo  monsenhor Gaspar Sadoc resumiu muito bem a força de Claudionaor Viana Teles Velloso: “Quando eu pergunto lá fora quem é Canozinha, todo mundo responde que é a mãe de Bethânia e Caetano. Pois aqui em Santo Amaro, eles é que são filhos de Canozinha”.

Também os políticos, há  tempo reconheciam o seu poder de influência.  No aniversário dela de 90 anos, o ex-senador da Bahia Antonio Carlos Magalhães(1927-2007) destacou a importância da amiga. “A Bahia se regozija com uma vida a serviço de Santo Amaro e do povo baiano. Dona Canô é símbolo da Bahia, e um símbolo que produziu grandes nomes”, afirmou.

O governador Jaques Wagner, na ocasião do centenário de Dona Canô, também a proclamou símbolo da baianidade, e disse mais: “A fragilidade do seu corpo contrasta com o gigantismo da sua alma”.

Já a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva tinham a santo-amarense em alta conta, devido ao apoio que ela sempre deu a eles. Dona Canô participou da campanha  de Dilma e recriminou Caetano quando ele fez comentários ofensivos a Lula.  “Marina Silva é inteligente como o Obama, não é analfabeta como o Lula, que não sabe falar, é cafona falando, grosseiro. Ela fala bem”, disse ele na época da última corrida presidencial.

Diante da polêmica, Dona Canô se manifestou. “Lula não merece isso. Quero muito bem a ele. Foi uma ofensa sem necessidade. Caetano não tinha que dizer aquilo. Vota em Lula se quiser, não precisa ofender nem procurar confusão”, disse. Pouco tempo depois, ela recebeu uma ligação de Lula, que pôs fim ao constrangimento. “Não fique chateada, preocupada, porque gosto muito da senhora e gosto do Caetano também".

Bandeiras Por saber do prestígio que tinha, Dona Canô sempre usou sua influência em prol da comunidade. Ela que, na juventude, viu o rio Subaé limpo, ao longo da vida reivindicou aos políticos a purificação daquelas águas, tal como o filho Caetano escreveu e Bethânia cantou em  Purificar o Subaé.  “Tenho amizade com os políticos, mas é amizade, amizade, política à parte”.

Caetano Veloso recebe carinho de dona Canô no terno de reis, em novembro de 2011

Ela também devotou muita da sua energia em prol da reforma da Igreja Matriz de Santo Amaro. A restauração em 1997 se deve muito a sua articulação. No campo religioso, Dona Canô se destacava por organizar tradicionais novenas como a de Santo Antônio, em junho, e a de Nossa Senhora da Purificação, em janeiro, ligada à Festa da Purificação, cujo cortejo partia da sua casa. 

A doçura de  Dona Canô sempre coexistiu com uma personalidade  forte, que se afirmou ainda mais após a morte do marido José Teles Velloso. Seu ‘Zeca’ faleceu em 13 de dezembro de 1983, aos 82, em decorrência de um câncer.

“Antes era igual, o que um e outro queria. Quando fiquei só, não tinha com quem igualar”, disse ao CORREIO em 2000. Dona Canô acompanhou a luta do marido até o fim. Foram  53 anos de convivência. “Ele morreu sentado,  dormindo. E eu pensava que ia primeiro”, afirmou.

Canô e Zeca se conheceram na juventude e  logo começaram a namorar. Casaram 15 dias depois que Zeca, agente dos Correios, recebeu a notícia de que seria transferido para Nazaré das Farinhas. Meses depois, de volta a Santo Amaro, foram morar num sobrado de três andares onde viviam 24 parentes de Zeca.

A casa era movimentada dia e noite, e os dois, que só se chamavam por “meu bem”, tinham sossego apenas aos domingos, quando ficavam sozinhos enquanto todos iam à missa.

Matriarca Após alguns anos, o casal se mudou para o endereço onde Dona Canô viveu até morrer: a casa nº 179 na Rua do Amparo. Nesse espaço, ela e Zeca criaram oito filhos: Eunice, Clara Maria, Maria Isabel, Rodrigo, Roberto, Caetano, Maria Bethânia e Irene.

Sobre a arte de ser mãe, em 1998, ela afirmou: “A mãe Canô é uma pessoa simples, que nunca teve nenhuma pretensão a não ser criar seus filhos para o bem. Tive um marido maravilhoso que contribuiu para a educação deles. Hoje, eles são o que são, mas são ainda família”.

A matriarca também se orgulhava de ter respeitado sempre as escolhas de vida de cada um. “Nunca obrigamos nenhum filho a ser o que não queria. Cada um seguiu a carreira que quis”. E por mais que Caetano e Bethânia tenham concentrado a atenção da mídia, ela tratava todos de forma igual. “Os filhos são todos iguais. Nenhum é diferente, nenhum é melhor do que o outro. Podem ter naturezas  diferentes, mas filho é filho”.

O amor e a atenção que deu, ela sempre recebeu na mesma proporção dos rebentos, que passaram a vida lhe tomando a bênção. Bethânia, por exemplo, onde estivesse, lhe telefonava pelo menos duas vezes por dia, para saber como ela estava. Já o filho Rodrigo, 76,  lhe devotava tanto cuidado que Dona Canô o considerava um ‘pai’. “Ele já é mais velho do que eu, ele que toma conta de mim! Tudo meu é com ele, ele é quem fica mais responsável”.

Arte de viverExemplo para filhos, netos e bisnetos, Dona Canô revelou, em 1990, o seu segredo para viver bem: “É não procurar ter inimigos nem querer ser superior aos outros”. Da vida ela também sempre pediu pouco. “Nunca tive sonhos. Nunca disse quero isso, quero aquilo, e hoje tenho tudo”. Tais lições de sabedoria ela aprendeu principalmente com sua família.

Nascida em 16 de setembro de 1907, era filha de Júlia Vianna e de Anísio César de Olivera Vianna.  Foi Anísio quem escolheu o nome forte e masculino. O carinho da família, porém, o adoçou e ela virou Canô. De família humilde, só estudou até o primário.

Apesar da pouca instrução, cultura nunca lhe faltou. Lia até em francês, idioma que aprendeu na escola. Já a aptidão para a música era  natural. “As músicas antigas Caetano aprendeu comigo!”, contava. Já aos 90, ela que sempre gostou de cantar, entrou pela primeira vez em um estúdio , com mais 19 mulheres para gravar cânticos de louvor a Nossa Senhora da Purificação, trabalho lançado depois em disco.

“A música é a coisa melhor do mundo, suaviza e dá vontade de viver”, disse ela, que com uma simples frase a seu filho, em referência a Gil – “Caetano, venha ver aquele preto que você gosta!” – deu origem à canção Dona Canô Chamou, de Neguinho Samba(1954-2009).

Nome de teatro há dez anos em Santo Amaro, e até de grupo musical luso-brasileiro, não há dúvida que seu apelido, pequenino e delicado como ela, será para sempre celebrado, evocando a senhora que personificou a bondade e a simplicidade.

Canô, memóriaLaura FernandesNão poderia haver data mais simbólica para a matriarca da família Velloso cumprir seu ciclo de vida. Há quem critique que o Natal é comercial. Tenho uma leitura diferente. Natal significa família e esse valor, que cultivo com orgulho, marcou o último aniversário de Dona Canô. Graças ao jornalismo pude acompanhar a comemoração, que teve direito a dois bolos, missa e caruru em Santo Amaro.

Pude testemunhar como a aniversariante chegou aos 105 com lucidez, carinho e respeito de todos. A alegria estampava o rosto dos filhos, netos e  bisnetos. Tudo foi planejado com dedicação, desde a decoração delicada com rosas e astromélias, passando pelo bufê, até a missa com o padre Reginaldo Manzotti a pedido de Canô.

Rodrigo, um de seus filhos, me perguntou: “Você imagina o que é uma pessoa de 77 anos comemorar os 105 anos da mãe? Ela está feliz, lúcida e alegre porque não sente dor. Tem coisa melhor que isso?”. O sentimento  de orgulho era compartilhado por Bethânia, que se referiu à mãe como “força da natureza, fora do comum. Com lucidez, compreensão, postura...”.

A personalidade forte contrastava com o corpo debilitado de Canô, inevitável resultado de tantos anos de vida. O segredo da longevidade? Ela me revelou bem baixinho, depois que consegui driblar os seguranças e ajoelhei bem perto dela. “A vida toda com meu marido e, depois que ele se foi, com meus filhos, meus netos... São muitos anos porque Deus me deu. Eu não pedi, né?”, resumiu, com sua simplicidade e devoção.

A importância da família era o cartão de visitas para os convidados. Estava ilustrada em  fotos e quadros antigos pendurados nas paredes de sua casa. A admiração era unânime diante daquela resistente e venerada mulher que, enquanto pôde, disseminou seu amor e respeito pelos entes queridos. Nada mais simbólico do que morrer ao lado deles, em pleno Natal.