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Andreia Santana
Publicado em 4 de setembro de 2017 às 16:44
- Atualizado há 2 anos
As cidades precisam fluir como os rios. A metáfora usada pelo urbanista Carlos Cadena Gaitán serve para pontuar um dos exemplos que transformaram Medellin, na Colômbia, em uma cidade acolhedora, com um urbanismo amável e conectado com as necessidades de seus moradores. O próprio especialista de 34 anos não conhecia o rio Medellin, de onde a cidade retira seu nome, até que os projetos de requalificação ocorridos nos últimos três anos, permitiram integrar esse manancial à paisagem urbana, mas sem aprisionar suas águas.>
“É impossível viver sem árvores e sem água. As cidades não podem avançar sobre o verde (vegetação) e o azul (rios e lagos). Transformar rios em canais e depois cobrir os canais, é sufocar a cidade”, pontuou o coordenador acadêmico do Centro de Estudos Urbanos e Ambientais da Universidade colombiana Eafit, na conferência de abertura do seminário Cidades, em 30 de agosto, durante o Fórum Agenda Bahia 2017.>
A integração do rio Medellin novamente ao espaço urbano é só um dos muitos exemplos que, em 20 anos, transformaram a face da cidade. Antes conhecida como capital mundial do homicídio, Medellin nos últimos anos, tornou-se a representante latino americana em meio às cidades inteligentes e sustentáveis mundiais, boa parte delas europeias.>
“Se fala muito de Amsterdã (Holanda), mas em Medellin as mudanças foram possíveis e aqui elas também são. Salvador é uma cidade bonita, com potencial enorme de converter-se em mais humana e sustentável”, afirmou Cadena Gaitán durante a palestra que foi acompanhada por uma plateia ávida por esperanças de futuro e que lotou o auditório da Federação das Indústrias da Bahia (Fieb).>
Paz compartilhada >
Antes de mostrar os projetos inspirados nos conceitos do urbanismo social, que mudaram a realidade de Medellin, o especialista provocou a audiência e quis saber do que os baianos lembravam quando ouviam o nome da cidade. Diante das respostas que associavam o local ao tráfico de drogas, provocou: “vamos então descobrir de que forma a ‘cidade de Escobar’ (em referência ao traficante Pablo Escobar) se transformou na cidade que integra as pessoas”.>
Segundo o especialista, metrópole que segrega não é sustentável. Em Medellín, o primeiro passo para as mudanças ocorrerem foi integrar todos os representantes da sociedade na construção de um futuro em comum. É o que Carlos Cadena Gaitán chama de ‘sinergia entre atores sociais’ e que, traduzindo, significa envolver o governo que administra, as empresas que geram riquezas, os cidadãos que produzem com seu trabalho e as universidades que detém o conhecimento, na construção compartilhada das soluções.>
“Projeto pronto não funciona. Decisão imposta pelo governo e que não dialoga com a comunidade não funciona. Para sustentar mudanças significativas, é preciso envolver a comunidade e tomar as decisões de forma horizontalizada”, ensina.>
Ainda de acordo com Gaitán, ao invés da gentrificação - quando as alterações urbanas resultam na retirada da população original, geralmente mais pobre, e na ocupação do local por aqueles com renda maior -, os projetos das cidades do futuro precisam contemplar todas as camadas sociais. “As ruas precisam ser devolvidas aos seres humanos, que têm de reaprender a compartilhar e coexistir. As melhorias precisam ser pensadas para todos e não apenas para determinado setor”, enfatiza.>
Mobilidade cidadã>
Gaitán, que é ativista social, defende que toda a intervenção urbana precisa vir acompanhada de uma intervenção social. Como no caso da implantação dos metrocables (os teleféricos de Medellin), uma cidade que, tal qual Salvador, divide-se em áreas de vale e montanhas. Ainda segundo ele, as intervenções tendo como foco a mobilidade, precisam buscar soluções cidadãs e integradas. >
“As pessoas têm de ser incentivadas a usar o sistema público de transportes, que é a coluna central do desenvolvimento da cidade. Os modais precisam integrar-se. Então tem de ter metrô, BRT, ciclovia, calçadas em boas condições e acessos para pedestres, tudo interligado. Sistemas sozinhos não funcionam”.>
Pensando na mobilidade acessível a todos, junto com obras de infraestrutura para a instalação dos teleféricos, importante meio de transporte para os habitantes das zonas mais pobres e altas de Medellin, também foram construídas estruturas de microacessibilidade, como escadas rolantes interligando bairros, houve renovação das habitações precárias, construção de praças e de centros culturais. E a comunidade opinou ativamente em cada etapa.>
Para Cadena, as ruas precisam parar de ser planejadas para os carros e precisam ser desenhadas para as pessoas. Em Medellin, vias foram fechadas à circulação de carros e transformadas em espaços de convivência, inclusive com aval de comerciantes das áreas, que perceberam que acolher o pedestre é mais lucrativo para o negócio. >
“A rua é um componente central na transformação das cidades, muitas vezes, se pensa em grandes obras para privilegiar os veículos e se esquece de olhar a rua e as pessoas. E com isso, a cidade morre”.>
Mas, de nada adiantaria toda a revolução urbana em Medellin, se não tivesse ocorrido também um investimento na educação para a cidadania. Os moradores, ao ocuparem um papel de protagonistas das decisões, desenvolveram a noção de que os espaços e equipamentos públicos, na verdade, pertencem a todos.>
Carlos Cadena Gaitán atribui essa consciência cidadã ao diálogo. As pessoas conversaram com outras esferas de poder e não só receberam delas pacotes prontos de mudanças. Tudo foi co-criado. “Informar é diferente de dialogar. A informação tem só uma via, mas o diálogo tem duas, é uma troca. E é compartilhando que o mundo se transforma”.>
Lições para Salvador>
"O fato de vocês estarem no evento já é um sinal de que Salvador está buscando seus caminhos". A afirmação de Carlos Cadena Gaitán para a plateia do Agenda Bahia é só a primeira lição que a capital baiana pode tirar da sua palestra sobre Medellin.>
Além da disposição para integrar setores sociais diferentes em prol da construção da Salvador do futuro, os moradores da cidade também podem aprender com os colombianos o sentido da colaboração e da coexistência. "A cidade não se transforma sozinha. Vocês é que transformam a cidade", ensina.>
Em paralelo a um senso maior de grupo na capital aberta para o mar e que, segundo o urbanista, tem "potencial natural para agregar"; é preciso que Salvador também planeje sua infraestrutura urbana de forma mais eficiente, principalmente em termos de transporte público "Os modais precisam se conectar e os projetos tem de contemplar também pedestres e ciclistas", sugere.>
Para Gaitán, Salvador deveria ter mais ascensores como o Elevador Lacerda. "Assim como Medellin, vocês tem partes altas e baixas, então um sistema de teleféricos também seria útil para interligar a cidade", acrescenta.>
Sobre mais espaços de convivência, ele acredita que o caminho adotado nas obras de requalificação do Rio Vermelho, Piatã e Barra, com calçadões e ciclovias, são uma boa solução; mas é preciso também "valorizar as áreas verdes e não cobrir os rios e lagos, revitalizando e integrando a natureza ao tecido urbano". >
Nas áreas mais pobres da capital, o exemplo que fica da experiência de Medellin é a preocupação com o urbanismo social, que contempla tanto obras de infraestrutura quanto projetos para as comunidades. Na cidade colombiana, o investimento em programas sociais foi seis vezes maior do que os valores gastos em intervenções de infraestrutura ou na instalação dos teleféricos e microacessos nos bairros.>
Por fim, Gaitán acredita que o conhecimento gerado nas universidades precisa ser levado para a sociedade, com os centros acadêmicos funcionando como articuladores entre os demais atores sociais, concentrando as propostas e discussões que devem levar em conta os anseios de toda comunidade. >
O Fórum Agenda Bahia 2017 é uma realização do CORREIO, com apoio institucional da Prefeitura Municipal de Salvador (PMS), Federação das Indústrias da Bahia (Fieb) e Rede Bahia; patrocínio da Braskem, Coelba e Odebrecht; e apoio da Revita. >
Os destaques da palestra>
Segurança. Em Medellín, os índices de homicídios caíram quando os espaços públicos voltaram a ser ocupados. “O oposto da insegurança é a convivência”, afirma Cadena;>
Cidade civilizada. É preciso devolver a rua ao pedestre, favorecendo a conexão entre as pessoas e a integração dos modais de transporte ;>
Ativismo. Atos criativos de mobilização fazem o cidadão mostrar suas demandas e provocar o dialógo com o poder público”;>
Urbanismo social. O Projeto Urbano Integral (PUI) melhora a vida ao integrar intervenções urbanas e sociais; >
Sinergia. Comunidade, governo, empresas e universidades têm de compartilhar as decisões de forma horizontal; >
Sustentabilidade. As comunidades precisam ter meios de desenvolver negócios e prosperar sem depender só do poder público;>
Esperança. A guerra na Colômbia acabou há um ano. “Vivemos a era da colaboração para resolver problemas”.>