Chicletes e a COVID-19!
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Da Redação
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Certa feita, escrevi nesta coluna sobre uma música de Gilberto Gil que nos lembra do medo que temos, não da morte, mas de morrer. Questionando qual seria a diferença, o próprio Gil responde que a morte é depois que a gente deixa de respirar. Já morrer, ainda é aqui, podendo haver dor. Por outro lado, não desejamos, também, a eternidade como a de uma criança que conhece o chiclete pela primeira vez e tenta se livrar dele após este perder seu açúcar, incomodando-se com o seu eterno existir insosso. Trago aqui um conto de Clarice Lispector denominado Medo da Eternidade.
Não se contradizem Gil e Clarice, complementam-se. A nossa fé, em grande parte de origem cristã, faz-nos crer que só devamos morrer quando for da vontade de Deus, aqui na terra como no Céu. É o que relatam, por exemplo, condenados à pena de morte nos Estados Unidos, segundo Bryan Stevenson no seu livro Just Mercy- obra traduzida no Brasil com o título Compaixão. No corredor da morte, a crença é de que ela é injusta e violadora da lei divina porque se interrompe a vida pela vontade dos homens e suas leis.
Esta pandemia da COVID-19 escancara este drama humano, a antecipação da morte. O medo de morrer, distante para alguns de nós, realocou-se no tempo e fixou-se diante dos nossos olhos, em nossos lares, em nossos ambientes de trabalho.
O aflitivo e dramático contato com a eternidade é desesperador igualmente é a angústia da morte premente. Gil não desdiz Clarice. A intersecção entre ambos os escritos está no caminho do meio, que é justamente onde reside a nossa fé.
Diversas religiões nos trazem esse equilíbrio para que não desejemos nem rejeitemos os extremos, os opostos, mas para que nos conformemos com o caminho do meio, que tem variados significados nas mais diversas religiões.
Em tempos difíceis como o atual, a fé ajuda a superar os nossos medos e as nossas angústias, possibilitando o encontro com o equilíbrio.
Fazendo uma comparação entre o que disse Clarice e o que escrevi alhures, é como se o caminho do meio fosse a perda do chiclete de forma espontânea, uns perdem ainda quando doce, outros quando o açúcar já foi embora, mas sempre sem a intervenção humana.
Aqui, a palavra perda quer dizer então a ausência de vontade humana. É natural que personifiquemos a COVID-19 como espécie que nos leva nosso chiclete, no momento inadequado, roubando-nos nosso direito de apreciá-lo.
Em quarentena, o momento é de agradecer o chiclete que podemos mascar, ainda que dentro de casa. A vida está aí. Como chiclete, saibamos desfrutar do seu sabor que mesmo quando se esvai o açúcar, sua existência em nossas bocas nos traz a experiência de conduzi-lo para que não o deixemos cair no chão.
Diego Pereira é Doutorando e Mestre em Direito pela UNB. É Procurador Federal e autor da obra Vidas interrompidas pelo mar de lama (Lumen Juris, 2018). Professor, costuma escrever sobre direito, literatura e cotidiano
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