Os psicanalistas e a psique transviada de Fulano de Tal
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Da Redação
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Aos 17, Fulano de Tal (F.T) era adolescente em pânico por estar em mundo no qual nunca pedira para nascer. Acordou no meio da madrugada, zonzo, grogue, apoplético, e se perguntou: - Que merda é essa? O que estou fazendo aqui e agora? Quem sou eu? [Preparava-se para o vestibular. Tinha absoluta certeza: ser gay e ser o cocô do cavalo do bandido eram a mesma e desoladora miséria. Desse poço de azedume resultou simulacro de leproso de ‘Ben-Hur’ (William Wyler, 1959].
Alguém sugeriu: - Leva prum médico de tratar doido. [Levaram-no].
O ‘médico de tratar doido’ consultado receitou tranquilizantes, e o encaminhou a psicólogo com consultório na Avenida Joana Angélica, nesta Salvadores. Diante desse desconhecido – homem corpulento com cabeça de javali - escancarou a alma, o coração e o ânus – metaforicamente, claro.
Certo dia F.T. o encontrou no alvoroço do centro desta urbe – nas Mercês, na Avenida Sete. Desavisado, não só o abordou como lhe deu efusivo abraço. O homem da cabeça de javali manteve-se rijo, A seguir, desvencilhou-se grosseiramente da criatura que o acarinhava e fugiu. [Depois ficou sabendo: nessa época a relação terapeuta-paciente devia se resumir às quatro paredes do consultório].
Neste desalentado 2018, após mais de trinta e cinco anos se deitando em divãs alheios, F.T. reconhece: alguns psicólogos e psicanalistas o marcaram de maneira indelével. Como diria Jack-o-estripador, vamos por partes, ou melhor, por corpos, ou, melhor ainda, por ordem de entrada em cena.
1) Alejandro. Argentino de Mendoza apaixonado pela Bahia. Indicou a F.T., então com 28 anos, a leitura de ‘Dom Quixote’, de Miguel de Cervantes – e por isso lhe foi grato para todo o sempre. Também tentou lhe enfiar na cabeça o seguinte: Tudo que lhe acontecia e lhe aconteceria lhe era de inteira responsabilidade. [Estava absolutamente certo, mas F.T. achou esse inegável teorema demasiado cruel].
2) Vera. Amou-a até o dia em que, na pressa de inflar o ego em baixa do paciente, contou-lhe a seguinte história: em coquetel na noite anterior vários jornalistas teriam lhe dito que F.T. era um dos melhores ‘textos’ de São Paulo. [Nunca mais voltou ao consultório da rua Sergipe, Higienópolis, na capital paulistana].
3) Manoel. Paulistano almofadinha. Sempre de terno e gravata, era incansável em ouvir os queixumes de F.T., que jactava lamúrias caudalosas. Mas enfim capitulou, e ordenou ao paciente: - Meu filho, aperta o botão do foda-se!
4) Ângela. Brasiliense pragmática. Fumava feito chaminé durante as sessões e F.T. era obrigado a pagar ‘cash’ o valor da consulta – 90 reais à época – ao final de cronometrados 30 minutos.
5) Humberto. Carioca deliciosamente lacaniano. Costumou – e costuma – atender F.T. sem cobrar 1 centavo sequer. Tornou-se, por justos motivos, o psicanalista de estimação de Fulano de Tal.
[Na busca do (não) sentido da vida Sigmund Freud, Gustav Jung e Jacques Lacan são a nossa santíssima trindade][Fulano de Tal bate cabeça para essa trinca de ases]. [Eu, também].