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Os vê-tê-enes-cês entalam nossas gargantas profundas


 

  • Da Redação

Publicado em 04/08/2019 às 05:00:00
Atualizado em 20/04/2023 às 02:38:05
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Simpatizo com a ideia de que homens e vulcões têm parecença estilística e operacional. 1: Ambos podem entrar em erupção a qualquer momento. 2. Provocam pânico, sangrias, carnificinas e tragédias. [Prefiro os vulcões; não são tantos assim, nem são tão temperamentais assim, nem são tão sacanas assim]. 

Engendrados no ventre da Terra, vez em quando vulcões desovam lavas incandescentes, como se chorassem os milhões de anos de solidão entre brasas ardentes. [Não possuem vontade própria, quando matam milhões não sabem que matam milhões, seguem apenas as leis cruéis do caos].[Vulcões não precisam de advogados de defesa – e se fossem réus, nunca serão, seriam sempre absolvidos. Forças da natureza são inimputáveis].

Os homens, não. Sabem quando matam milhões, e sabem bem por que o fazem, e tem prazer mórbido em matar outros homens, animais, paisagens, e a si mesmos. Ostentam poder de fogo e destruição, e em nome de ‘deusismos’ e de idiossincrasias que lhes fritam os cérebros, prendam e arrebentam e dizimam quem lhes ameaçam. [Eu não sei quanto a você homem ou mulher que ora me lê. Mas a minha paciência em relação à raça humana – eu, incluído, sou insuportável!  – está se esgotando].

Verdade, ainda há homens notáveis – não o bastante. Cada vez mais a rudeza humana se aumenta na velocidade das trevas – e tenho ímpetos de sair pelas ruas gritando – e me  apedrejariam, e me estripariam – certa  imprecação chula de uso corrente que eu adoro usar – já a usei muito, e hoje evito – o Brasil atual vive zeitgeist de idade média – até mesmo escrevê-la em meus textos. [A língua safa do povo transformou essa expressão de baixo calão (kkk) em silabada interjeição – e  eu, quando quero desconjurar alguém, apenas repito, baixinho: - Vê-tê-ene-cê! V ê-tê-ene-cê!]

Às vezes abro exceções, e soletro, em altos brados, essas quatro sílabas pegadoras. É o que ocorre em relação a empresas de telemarketing – os ‘navios negreiros’ dos tempos modernos, nas quais funcionários são tiranizados se não convencerem o maior número possível de pessoas a comprar os produtos que lhes ordenam vender – custe o que custar . Em dias de (minha) ira, ao ouvir insistente voz jovem sugerir que eu compre apólice de seguro, ou merda semelhante, disparo, inclemente: - Vê-Tê-Ene-Cê! Ve-Tê-Ene-Cê! (Depois me afundo em culpas, ‘aquela menina podia ser minha filha, cacete!’. Então mudei de tática: quando percebo que do outro lado da linha empresa de telemarting me assedia com voz de garota que poderia ser minha filha, eu desligo o celular.

[Gosto de siglas. Gosto de subverter o sentido de determinadas expressões. Gosto de cultivar  rituais. Percebi: repetir, pau-sa-da-men-te, cada sílaba dessa expressão-xingamento me relaxa. Transformei-o em mantra. Quando a barra pesa, e a barra sempre pesa, para todos, onde eu estiver – caminhando, sentado em poltrona de avião, em filas de espera que nunca terão fim, quando o sono demora a chegar – repito essas 4  sílabas ora ´mágicas’, e quase sempre me acalmo].