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Herbem Gramacho: Eu não queria ser machista, mas fui


 

Publicado em 20/07/2017 às 05:00:00
Atualizado em 17/04/2023 às 08:24:08

Guto Ferreira ganhou os holofotes da crítica esportiva por causa da atitude machista que teve com a repórter Kelly Costa, da TV RBS, de Porto Alegre, após a vitória apertada e polêmica do Internacional sobre o Luverdense por 1x0. Na entrevista coletiva pós-jogo, o técnico do Inter iniciou uma resposta dizendo a Kelly: “Não vou fazer essa pergunta pra você porque você é mulher e de repente não jogou (futebol)”.

Redundante afirmar que se trata de uma afirmativa machista, o que foi prontamente reconhecido e repetido pelo ex-treinador do Bahia ontem, ao longo do dia. Guto pediu desculpa à jornalista ainda no estádio, depois, via Facebook, e também pediu para participar por Skype do programa Redação, do Sportv, para que tivesse a oportunidade de se desculpar em rede nacional com Kelly e todas as mulheres. Era a atitude correta a se fazer após o erro.

E aqui peço licença para me solidarizar não só com Kelly, mas também com Guto. Sim, com Guto e, por favor, não atirem pedras nem pré-julguem que estou parabenizando o agressor. Não é isso. É que o caso protagonizado por ele é emblemático do quanto é difícil não escorregar em atitudes machistas, mesmo não partilhando desse modo de pensar e tentando não ser machista - para homens, mais ainda, apesar do traço cultural estar enraizado também nas mulheres. Os repetidos pedidos de desculpas do treinador, por variadas fontes, reforçam o quanto aquele erro cometido o incomodou.

Arrisco dizer que o exemplar masculino da polêmica não é um ser machista. Ou, pelo menos, pretende não ser. Guto Ferreira trabalhou no Bahia durante 11 meses e, entre virtudes e defeitos, sempre se revelou um profissional respeitoso e sensato com todos, inclusive nos momentos de crítica e pressão. 

Por isso mesmo o caso é emblemático. Como Guto explicou depois, ele pretendia falar para a repórter se colocar no lugar dos jogadores do Internacional, que têm apresentado dificuldade para fazer gols – este foi o mote da pergunta. Mas no automático ele pensou: se mulher, logo não jogou futebol, então não tem como se colocar no lugar deles. Baseado em quê? No pensamento machista de que só homens jogam futebol, o que já não é tão verdade há uma ou duas gerações. E em outro errado pensamento de que é preciso ter jogado futebol em algum momento da vida para entender do assunto – ajuda, mas não é fundamental. Mesmo sem ser do seu feitio, Guto foi desrespeitoso e preconceituoso com Kelly apenas pelo fato dela ser mulher. 

Essa e outras atitudes machistas são cometidas diariamente e precisam ser lembradas para que coloquemos o dedo na ferida antes de passar para a próxima página. Fica de aprendizado para Guto e para todos que não têm o machismo impregnado no caráter, mas também deslizam por ele sem querer ou perceber.

A propósito, você sabia que hoje é a final do Campeonato Brasileiro? A maioria provavelmente não, pois torce por times do futebol masculino e não se interessa por futebol feminino, vôlei, basquete, natação ou atletismo - inclusive, o futebol feminino chegou a ser proibido no Brasil, por decreto, até a década de 1970. 

Aqui na redação, a maioria, entre homens e mulheres, também não sabia da final entre Corinthians e Santos, hoje, às 18h, que o Sportv transmitirá. E, quando soube, continuou achando desimportante. Falando nisso, você observou o espaço que a imprensa, em geral, (não) deu ao Brasileirão feminino? Aproveito, como editor, para pedir desculpa às mulheres e aos leitores de ambos os gêneros. Eu não queria ser machista, mas fui.Herbem Gramacho é editor de Esporte e escreve às quintas-feiras.